Maria chorando
 

 

ARRASTANDO A REDE

(Jo 21, 8)

 

“Os outros discípulos, que não estavam longe da terra, mas cerca de duzentos côvados, vieram com o barco, arrastando a rede com os peixes”.

 

 

Estavam distantes da PRAIA uns NOVENTA METROS. O côvado equivalia a 0,45 cm.

Eusébio Emiseno interpreta esse trecho assim: “Que se entende por essa terra senão a terra dos vivos? Da qual os apóstolos não estavam longe... O número cem é perfeito e se duplica quando se completa de palavras e de obras. Arrastam, pois, os doutores a rede de peixes duzentos côvados, quando com a palavra e com as obras arrastam atrás de si os fiéis à vida eterna”.

Ruperto diz: “Aquele discípulo que amava Jesus Cristo e os outros que vieram no barco, significam os doutores da Santa Igreja que terminam em paz seus dias. E Pedro, que se lançou ao mar, significa aqueles outros que, como ele, atravessando as ondas das dificuldades, se apressa e corre para o Senhor, e leva a rede de peixes. Isto é, com seus livros, com seus trabalhos de todo o gênero, oferece e defende a fé dos gentios. Não estão, pois, longe da terra dos viventes, na qual o Senhor imortalmente mora, como estavam longe no antigo os que trabalhavam sob a lei antes da vinda da graça. Acham-se a duzentos côvados, porém, livres de todas as cerimônias legais, sem necessidade de outra coisa para chegar ao amor de Deus e do próximo”.

Sedúlio escreve sobre as redes: “As redes são para os dignos, os luminosos preceitos de Deus, nos quais é apanhado tudo o que permanece à direita e é levado pelos braços dos apóstolos à presença do Cristo Senhor”.

Outros autores comentam: O evangelista São João louva a São Pedro e desculpa os demais discípulos. Todos FORAM até Jesus Cristo; porém, São Pedro, deixando o barco, deixando as redes, deixando os companheiros, deixando a pesca, LIVRE DE TODAS ESTAS COISAS, chegou antes. São DUAS as CLASSES de homens que vão até Jesus Cristo: UNS que, deixando todas as coisas, cingidos com uma só veste, chegam mais segura e prontamente a Jesus Cristo; OUTROS, que vão navegando até Ele, porém, como vão no barco, isto é, com todo o povo, e arrastam as redes e os peixes; quer dizer, o peso dos bens temporais, da ciência e das honras; não abandonam a ocasião de seus lucros e com maior perigo de naufrágio chegam a Ele. Por mais tranquila que seja a navegação, sempre chegam tarde.

 

FELIZ DA PESSOA QUE VIVE DESAPEGADA DAS COISAS DA TERRA.

 

Todavia, fica sempre a interrogação: se Deus habita em cada homem que vive na graça, por que então tem este tanta dificuldade em encontrar a Deus e reconhecer sua presença? Responde São João da Cruz: “Devemos notar que o Verbo Filho de Deus, junto com o Pai e o Espírito Santo, está essencial e presencialmente escondido no interior da alma. Portanto, a alma que quiser encontrá-lo deve afastar-se, segundo o afeto e a vontade, de todas as coisas, e retirar-se dentro de si, em profundo recolhimento, como se todo o resto não existisse”. A resposta é clara: Deus está em nós, mas de modo escondido. Para encontrá-lO cumpre afastar-nos de tudo segundo o afeto e a vontade. Significa isto desapegar-nos, renunciar, aniquilar-nos, morrer espiritualmente a nós mesmos e a todas as coisas, não tanto e não só com o afastamento material, mas, acima de tudo, com o desapego do afeto e da vontade. É o caminho do nada, do desapego total: é a morte do homem velho, condição indispensável para revestir-nos de Cristo, para viver em Deus.

A procura amorosa de Deus, presente no coração do homem, está no mesmo nível que a morte ao mundo e a nós mesmos. Nesse sentido, quanto mais morrermos, tanto mais encontraremos a Deus.

É sempre verdade ser o homem inclinado a criar para si pequenos ou grandes ídolos, que arrebatam de seu coração e de sua vida o que deveria ser dado a Deus. O primeiro ídolo, o cria em si mesmo, na medida em que procura alimentar o egoísmo, o orgulho, a vaidade, a ambição ou o desordenado desejo de afeto. Ao mesmo tempo o induzem com facilidade as paixões a apegar nas pessoas e nas coisas que se tornam outros tantos ídolos. Assim, fica o homem dividido em seus afetos, em suas energias vitais e, portanto, incapaz de dar-se totalmente a Deus. Se sua vocação o empenha numa vida de santidade e de união com o Senhor, tal situação lhe embarga o passo e, em vez de progredir, fica paralisado. Qualquer apego voluntário, ainda que mínimo, é laço que detém o homem no vôo para Deus e lhe impede a perfeita união com Ele: “Pouco importa ser fino ou grosso o fio que amarra o passarinho, porque, em ambos os casos, está igualmente preso, enquanto não o romper. Verdade é ser mais fácil romper o fino; todavia, se não o romper, não poderá o pássaro voar” (São João da Cruz). É a condição de muitas criaturas que, embora desejando dar-se a Deus, deixam-se amarrar por tantos apegozinhos e hábitos imperfeitos. Só a renúncia generosa pode romper esses laços e dar-lhes a plena liberdade de espírito.

Desprender-se das criaturas não quer dizer desprezá-las: são todas boas, porque assim saíram das mãos de Deus (Gn 1, 31). Quer dizer, ao contrário, aprender a usá-las e as amar com liberdade interior, sem se deixar fascinar pela presença e pela posse delas e sem se transtornar por sua ausência ou privação.

Desprender-se das criaturas não quer dizer também separar-se, afastar-se efetivamente delas, o que nem sempre é possível e jamais o é de modo absoluto: “Ó minha alma, deixa tudo e acharás tudo! Deixa, por Cristo, todas as coisas, e possuirás, em Cristo, todas elas! Porque possuindo-O, tudo te dará Ele! Se fores pobre por seu amor, muito mais contente viverá do que se fosses riquíssima” (Pe. Luiz da Ponte).

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)

Anápolis, 10 de maio de 2014

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Pe. Manuel de Tuya, Bíblia comentada

Pe. Juan de Maldonado, Comentário do Evangelho de São João

Eusébio Emiseno, Escritos

Ruperto, Escritos

Sedúlio, Escritos

Pe. Luiz da Ponte, Meditações

São João da Cruz, escritos

Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena, Intimidade Divina

Pe. Juan Leal, A Sagrada Escritura (texto e comentário)

 

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Arrastando a rede”

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