ENTRISTECEU-SE PEDRO
(Jo 21, 15-17)
“Depois de
comerem, Jesus disse a Simão Pedro: ‘Simão, filho de João,
tu me amas mais do que estes?’ Ele lhe respondeu: ‘Sim,
Senhor, tu sabes que te amo’. Jesus lhe disse: ‘Apascenta os
meus cordeiros’. Uma segunda vez lhe disse: ‘Simão, filho de
João, tu me amas?’ – ‘Sim, Senhor’, disse ele, ‘tu sabes que
te amo’. Disse-lhe Jesus: ‘Apascenta as minhas ovelhas’.
Pela terceira vez disse-lhe: ‘Simão, filho de João, tu me
amas?’ Entristeceu-se Pedro porque pela terceira vez lhe
perguntava ‘Tu me amas?’ e lhe disse: ‘Senhor, tu sabes
tudo; tu sabes que te amor’. Jesus lhe disse: ‘Apascenta as
minhas ovelhas’”.
“Simão Pedro:
‘Simão, filho de João”.
Literalmente “Simão de João”, cf. Jo 1, 42.
Simão, o filho de João.
Hebraísmo equivalente ao nosso sobrenome.
“...tu me amas
mais do que estes?
Se refere aos
outros apóstolos. São Pedro havia se
vangloriado de maior fidelidade. Esta comparação não
aparece nem na resposta de São Pedro nem nas
duas perguntas seguintes do Mestre. A resposta de São
Pedro consta de duas partes: a)
Sim, Senhor. Afirmação corajosa, humilde
e respeitosa. b) Tu sabes que...
Como se desconfiasse da sua primeira afirmação.
Dom Duarte
Leopoldo
escreve:
“Chefe da Igreja, diretor de todas as
consciências, era preciso que São Pedro fundasse sobre o
amor de Deus e do próximo a autoridade universal que lhe ia
ser concedida. Fazendo três vezes o mesmo ato de amor,
resgata a sua tríplice negação. Mas que diferença na sua
linguagem! Pedro tem agora a experiência da sua própria
fraqueza, e assim não ousa dizer como outrora: mesmo que
todos vos abandonassem, eu não vos abandonaria; estou
pronto a acompanhar-vos até à morte. Receando por si
mesmo, contenta-se com afirmar o seu amor. É possível,
Senhor, que os outros vos amem ainda mais do que eu; mas
vós, que conheceis todas as coisas, sabeis que eu vos amo.
Belas palavras que, ao mesmo tempo nos ensinam a desconfiar
de nós e a pôr em Deus toda a nossa confiança. ‘Eu posso
cair, Senhor; posso infelizmente precipitar-me no abismo de
todas as iniquidades, se não me sustentar a vossa graça
onipotente. Mas, apesar disso, vós sabeis que eu vos amo
e ouso esperar que, pagando-me amor com amor, haveis de
levantar a minha alma abatida e humilhada”.
Admite-se
ordinariamente que esta tríplice confissão que Cristo exige
de São Pedro é uma compensação às suas três
negações, isto é, um reabilitar-se publicamente diante de
seus companheiros. São Pedro deve ter
compreendido isso, pois à terceira vez que lhe perguntou se
O amava, “entristeceu-se”. Não é em vão que
ele havia “chorado amargamente” (Mt 26, 75).
Depois de proclamar seu amor duas vezes, à
terceira, recordando suas promessas passadas, desconfiou de
si, para apresentar um amor mais profundo, por ser mais
humilde. Por isso apelou ao conhecimento da onisciência de
Jesus Cristo. Além disso, pergunta se O amava mais que os
outros discípulos presentes; faz ver que para apascentar o
rebanho espiritual supõe isto um grande amor a Cristo:
“O
bom pastor dá a vida por suas ovelhas”
(Jo 10, 11).
Santo Agostinho
escreve:
“Mas, primeiramente o Senhor pergunta o que
conhecia, e não só uma vez, mas duas e três vezes. Pergunta
se Pedro o ama. E não ouve outra coisa de Pedro, por outras
tantas vezes, senão isto: que é amado. E não recomenda outra
coisa a Pedro, por outras tantas vezes, senão que apascenta
as suas ovelhas. À tríplice negação corresponde uma tríplice
confissão, para que a língua não sirva menos ao amor do que
ao temor, nem pareça que mais a faz falar a morte iminente
do que a vida presente. Seja um resultado de amor apascentar
o rebanho do Senhor, se foi indício de temor negar o pastor.
Os que apascentam as ovelhas de Cristo com a intenção de as
fazerem suas e não de Cristo, fiquem certos de que não amam
a Cristo. São levados pela vaidade, querem gloriar-se de
dominar ou enriquecer. Não são levados pela caridade, não
querem obedecer, nem socorrer, nem agradar a Deus. Contra
estes está vigilante essa tão recalcada sentença de Cristo.
A esses lamenta o Apóstolo dizendo que procuram os seus
interesses, que não os de Jesus Cristo. Dizer: Tens-me
afeto? Apascenta as minhas ovelhas, equivale a dizer: Se me
tens afeição, não penses em apascentar-te. Apascenta as
minhas ovelhas, enquanto minhas, e não enquanto tuas.
Procura nelas a minha glória, e não a tua; procura o meu
domínio, e não o teu; procura os meus lucros, e não os teus.
Não vivas em sociedade com aqueles que pertencem aos tempos
calamitosos em que se amam a si mesmos, e amam o que se
relaciona com a raiz de todos os males... Com razão se diz a
Pedro: tens-me afeição? E ele responde: Amo-te. E logo se
lhe torna: Apascenta os meus cordeiros. E isto por duas
vezes, e por três vezes. Aqui fica bem demonstrado que
afeição é o mesmo que amor, porque o Senhor, na última vez,
não perguntou: Tens-me afeição, mas perguntou: Amas-me. Não
nos amemos, pois, a nós; amemo-lo a ele. Apascentando as
suas ovelhas, procuremos as coisas que são dele, e não as
que são nossas. Não sei de que modo inexplicável, aquele que
se ama a si e não a Deus, não se ama; e aquele que ama a
Deus e não a si, ama-se. Aquele que não pode viver de si,
morre amando-se. Não se ama, pois, aquele que se ama em
ordem a não viver. Quando, porém, se ama aquele de quem se
vive, aquele que, não se amando a si mesmo, procede assim
para mais amar aquele de quem vive, mais se ama. Não sejam,
pois, amantes de si mesmos os que apascentam as ovelhas de
Cristo; não as apascentam como suas, mas como do próprio
Cristo. Não suceda que queiram auferir delas os seus lucros,
como os amantes do dinheiro; ou dominar sobre elas como
ambiciosos; ou gloriarem-se das honras que recebem delas,
como os soberbos; ou avançar tanto que levantem heresias
como os blasfemos; ou resistir à doutrina dos mestres
santos, como os desobedientes aos pais; ou pagar o bem com o
mal aos que os querem corrigir, porque não querem que eles
morram, como os ingratos; ou matar as suas almas ou as
alheias, como os malvados; ou espalhar as entranhas
maternais da Igreja, como os irreligiosos; ou deixar de se
compadecer dos doentes, como os homens sem dedicação; ou
tentar manchar a fama dos santos, como os detratores; ou
deixar de refrear as péssimas paixões, como os
incontinentes; ou espalhar contendas, como os arrogantes; ou
negar o socorro, como os que não têm benignidade; ou revelar
aos inimigos dos piedosos as coisas que sabem deverem ser
ocultas, como os traidores; ou perturbar o pudor humano com
ações vergonhosas, com os despudorados; ou recusar-se a
entender os que falam e as coisas de que falam, como os
obcecados; ou antepor aos gozos espirituais as alegrias
carnais, como os que mais amam a voluptuosidade do que Deus.
Estes e outros vícios, quer se encontram todos num só homem,
quer se encontrem uns nuns e outros noutros, provém de
qualquer modo desta raiz: são homens que se amam a si
mesmos. O vício de que mais devem acautelar-se os que
apascentam as ovelhas de Cristo é este: procurar os seus
interesses e não os de Jesus Cristo, e encaminhar para os
usos das suas cobiças aqueles pelos quais foi derramado o
sangue de Cristo. O amor de Cristo deve crescer naquele que
apascenta as suas ovelhas, até a um ardor espiritual tão
intenso, que vença mesmo o receio natural da morte, receio
que nos leva a não querer morrer, ainda que queiramos vivem
com Cristo”.
“Apascenta”.
Etimologicamente tem um sentido muito amplo, pois abrange
todas as funções do pastor, como: guiar,
guardar e alimentar o rebanho.
Outra tradução fala em alimentar as
ovelhas, ou figurado ou
espiritual.
Jesus Cristo
confere a São Pedro um PODER.
Este é expresso por DOIS VERBOS: na primeira e
terceira palavra de Jesus Cristo se põe o verbo
“nutrir”, “dar o pasto” (bósko),
e na segunda, “conduzir ao pasto”,
“dirigir”, “governar” (poimaíno).
Todavia, estes podem ser sinônimos, e de fato em muitas
ocasiões se usam como tais. São João gosta do
uso de sinônimos por simples variação literária. O mesmo
sucede com os verbos AMAR, que usa dois
distintos como simples variação literária: agapáo e
philéo. São Pedro, pois, recebe o poder
de “nutrir” o rebanho que lhe foi confiado, de
“governá-lo”. Este termo genérico de
“apascentar” por “governar” é
ordinário nos profetas (Is 40, 11; Jr 31, 10). Daí o
chamar aos reis, na antiguidade, “pastores dos povos”.
O mandato de
Cristo a São Pedro de “apascentar”
supõe aos súditos, obediência a ele.
O poder de São
Pedro nos súditos está expresso na primeira sentença pela
palavra “cordeiros”, e em outras duas, pela palavra
“ovelhas”. São, pois, “meus cordeiros” e
“minhas ovelhas”. É o rebanho do Bom Pastor (Jo 10,
11-16). É a imagem usada por Cristo, em outras ocasiões,
para significar a Igreja (Lc 12, 32; Mt 10, 6; 15, 24; Mt
18, 10-14; Jo 10, 1-16).
Alguns autores
dizem: os “cordeiros” representam os fiéis, e as
“ovelhas” os outros apóstolos e, em geral, a hierarquia
da Igreja, de onde procedem os “cordeiros”-fiéis.
Podem-se tirar
também desse trecho bíblico TRÊS CONCLUSÕES:
1. O PODER UNIVERSAL de São Pedro
sobre todo o rebanho, e DIRETO, pois atinge a
outros pastores secundários por causa do seu universal
poder. 2. Este PODER inclui tudo o que requer
o bom governo desse rebanho espiritual: poder de
ensinar e de governar. Assim “apascentará”
este rebanho de Jesus Cristo. 3. Este PODER é
exclusivo de São Pedro. Não disse Cristo aos
outros que estavam presentes; mas sim, estando os outros
presentes, disse exclusivamente a São Pedro.
O Concílio
Vaticano I diz:
“Somente a Simão
Pedro conferiu Jesus, depois de sua ressurreição, a
jurisdição de sumo pastor e governante de todo o rebanho, ao
dizer: ‘Apascenta meus cordeiros’, ‘apascenta minhas
ovelhas’ (Jo 21, 15ss)”.
“Entristeceu-se
Pedro”.
Ficou triste porque recordou as três
negações e compreendeu que Jesus Cristo tinha motivo
para desconfiar do seu amor. É curioso que São Pedro
abandona o SIM corajoso dos versículos 15 e
16 e se refugia ao conhecimento universal do Mestre, que
expressa em termos mais ponderativos agora: a)
Tu sabes tudo; b) Tu sabes que te amo.
Confessa o conhecimento universal do Mestre e o conhecimento
particular do seu amor. Nos versículos 15 e 16 só afirmam o
conhecimento particular do seu amor.
AMEMOS E
RESPEITEMOS O SANTO PADRE (PAPA), SUCESSOR DE SÃO PEDRO.
O edifício da
Igreja estará assentado até o fim dos tempos sobre o primado
de Pedro, a rocha. A figura de Pedro cresce assim de maneira
incomensurável, porque, antes de partir, Cristo, que é
realmente o alicerce da Igreja, deixa Pedro no seu lugar.
Daí que os seus sucessores venham a receber mais tarde o
nome de Vigário de Cristo, quer dizer,
aquele que faz as vezes de Cristo.
Pedro é e será
sempre o firme esteio da Igreja em face de todas as
tempestades que a envolverem e a envolverão através dos
séculos. A base de sustentação que lhe proporciona e a
vigilância que exerce sobre ela como bom Pastor são a
garantia de que sairá sempre vitoriosa de todas as provas e
tentações. Pedro morrerá uns anos mais tarde, mas,
quanto ao seu ofício de pastor supremo, é necessário que
dure eternamente por obra do Senhor, para perpétua saúde e
bem perene da Igreja, que, estabelecida sobre a rocha, deve
permanecer firme até a consumação dos séculos.
O amor ao Papa
remonta aos próprios começos da Igreja. Os Atos dos
Apóstolos narram a comovedora atitude manifestada pelos
primeiros cristãos quando São Pedro é
aprisionado por Herodes Agripa, que tenciona matá-lo depois
da festa da Páscoa: A igreja rezava incessantemente
por ele a Deus (At 12, 1-5).
São João
Crisóstomo
escreve:
“Observai os sentimentos dos fiéis para com o
seu pastor. Não recorrem a distúrbios nem à rebeldia, mas à
oração, que é um remédio invencível. Não dizem: como somos
homens sem poder algum, é inútil que rezemos por ele.
Rezavam por amor e não pensavam nada de semelhante”.
Devemos rezar
muito pelo Papa e pelas suas intenções, pois ele carrega
sobre os seus ombros com o grave peso da Igreja.
A par da nossa
oração, devemos manifestar também amor e respeito por aquele
que faz as vezes de Cristo na terra:
“O amor ao Romano
Pontífice deve ser em nós uma formosa paixão, porque nele
nós vemos Cristo”
(São Josemaría Escrivá). Por isso,
“não podemos ceder à tentação, demasiado fácil, de contrapor
um Papa a outro, para depositar a nossa confiança naquele
cujos atos estejam mais de acordo com as nossas tendências
pessoais. Não podemos ser daqueles que lamentam o Papa de
ontem ou esperam o de amanhã para se dispensarem de obedecer
ao chefe de hoje”
(J. Chevrot).
E não haverá
respeito e amor verdadeiro ao Papa se não houver uma
obediência fiel, interna e externa, aos seus ensinamentos e
à sua doutrina.
Os bons filhos escutam com veneração mesmo os simples
conselhos do Pai comum e procuram pô-los sinceramente em
prática.
Pe. Divino Antônio
Lopes FP (C)
Anápolis, 12 de
maio de 2014
Bibliografia
Sagrada Escritura
Pe. Manuel de Tuya,
Bíblia comentada
Pe. Juan de
Maldonado, Comentário do Evangelho de São João
Santo Agostinho,
Escritos
J. Chevrot, Simão
Pedro
Jenofonte, Memorab.
II 7, 9 e 12
Zorell, Lexicon graecum N. T. (1931)
Puckstuhl, Die literarische Einheit des Johannesevangeliums
(1951)
Filón, Deter. pot. insid.
25
Concílio Vaticano
I
São João
Crisóstomo, Escritos
São Josemaría
Escrivá, Homilia
Pe. Francisco Fernández Carvajal, Falar com
Deus
Dom Duarte Leopoldo, Concordância dos Santos
Evangelhos
Pe. Juan Leal, A Sagrada Escritura
(texto e comentário)
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