QUANDO ERAS JOVEM
(Jo 21, 18)
“Em verdade, em
verdade, te digo: quando eras jovem, tu te cingias e andavas
por onde querias; quando fores velho, estenderás as mãos e
outro te cingirá e te conduzirá aonde não queres”.
“Em verdade, em
verdade...”
Fórmula solene
de afirmar, repetida duas vezes,
como é costume em São João. Assim Jesus Cristo
anunciou a São Pedro as negações.
O
que significa esse trecho?
“...quando eras
jovem, tu te cingias e andavas por onde querias; quando
fores velho, estenderás as mãos e outro te cingirá e te
conduzirá aonde não queres”.
Significa:
Que sendo jovem não morreu; porém, quando a velhice chegar
morrerá por Ele na cruz. Os jovens possuem mais forças e
disposições que os velhos. Eles se bastam; não necessitam
que ninguém os ajude. Eles se vestem... tiram a roupa...
andam com rapidez e erguidos, sem bengalas. Porém, os
velhos, ao contrário... faltam-lhes as forças pela
enfermidade ou idade... necessitam que outros lhes sirvam e
ajudem a vestir, a levantar e a comer. Pois o mesmo havia de
acontecer a São Pedro, conforme a lei da
natureza. Quando era mais jovem, ele se cingia e se
vestia, isto é, era dono e senhor do seu corpo que
sabia conservar. Porém, na velhice, cairia nas mãos
de outras pessoas... e fariam com ele o que quisesse, até
dar a morte por Cristo.
Existe outro
significado:
os jovens são mais valentes que os velhos. Jesus Cristo
disse que com São Pedro seria diferente:
Ele seria mais valente na velhice. Na sua
juventude fora imprudente, porém, não
forte... tímido e covarde.
Disse que daria a vida pelo Mestre, e diante do menor
perigo, com grande covardia O negou. Ao contrário, na
velhice, dará a vida pelo Mestre num grande suplício.
Existe ainda um
terceiro significado:
Quando São
Pedro cingiu a túnica para lançar-se ao mar.
Somente Ruperto comentou sobre isso:
“Como se dissera
Jesus Cristo: Essa juvenil fortaleza e diligência a mudarei
em martírio, e essa túnica será trocada pela cruz”.
“...quando eras
jovem”.
São Pedro segue sendo jovem, porém,
antes era mais. Isto quer dizer que ele entrou na
idade madura do homem, pois tampouco era
velho:
“... quando fores velho”.
Para os antigos a juventude abrangia também a idade
madura e emendava com a velhice.
“...tu te
cingias... estenderás as mãos e outro te cingirá e te
conduzirá aonde não queres”.
Profecia oculta em termos realísticos e figurados da futura
crucifixão, ao estilo das profecias simbólicas
dos antigos profetas. Todos os autores antigos cristãos vêem
no estender as mãos um tipo de cruz. As duas
expressões: estender as mãos e ser cingido ou atado
corresponde historicamente ao fato da crucifixão.
O réu era amarrado com cordas à cruz. Orígenes é o
primeiro que fala da crucifixão de São Pedro
de cabeça para baixo.
Segundo a
tradição, São Pedro seguiu o seu Mestre até
morrer crucificado de cabeça para baixo:
“Pedro e Paulo
sofreram martírio em Roma durante a perseguição de Nero aos
cristãos, que teve lugar entre os anos 64 e 68. O martírio
de ambos os Apóstolos é recordado por São Clemente, sucessor
do próprio Pedro na Sede da Igreja Romana, que escrevendo
aos Coríntios lhes propõe os exemplos generosos dos dois
atletas, com estas palavras: por causa dos zelos e da
inveja, os que eram colunas principais e santíssimas,
padeceram perseguição e lutaram até a morte”
(Paulo VI).
Santo Agostinho
escreve:
“Estenderás as mãos, serás crucificado. E
para chegares à crucifixão, outro te cingirá e levar-te-á,
não para onde tu queres, mas para onde tu não queres.
Primeiro disse o que sucederia, e depois como sucederia. Foi
conduzido para onde não queria, não crucificado, mas para
ser crucificado. Depois de crucificado, não foi para onde
não queria, mas para onde queria. Desatado do corpo, queria
estar com Cristo, mas se pudesse ser, desejava a vida eterna
sem passar pelo incômodo da morte. Foi para este incômodo
que o conduziram contra a sua vontade, mas por vontade sua
foi arrancado a este mesmo incômodo. Veio a ele sem querer,
mas vence-o querendo. O Senhor deixou-nos este sentimento de
fraqueza pelo qual ninguém quer morrer, aliás tão natural,
que nem a velhice foi capaz de o arrancar ao bem-aventurado
Pedro, pois foi-lhe dito: Quando fores velho, serás levado
para onde tu não queres”.
“...
estenderás as mãos”.
Parece que existem dois significados: Primeiro: para
vestir os velhos quando estão fracos... os mesmos
levantam as mãos fracas e inchadas pelo reumatismo,
para facilitar a troca de roupa. Segundo: faz
referência à cruz. Ambos Teodoros, Leôncio, Santo
Agostinho e São Beda, comentam que São
Pedro estenderia as mãos para ser crucificado.
DEVEMOS
VIVER SEM MEDO... DEVEMOS PERSEVERAR SEM RECUAR.
Às vezes,
encontramos pessoas angustiadas e atemorizadas pelas
dificuldades da vida, por acontecimentos adversos e por
obstáculos que se agigantam quando só se conta com as forças
humanas para enfrentá-los. Vemos também por vezes
cristãos que parecem atenazados por um medo vergonhoso de
falar claramente de Deus, de dizer não à mentira, de
mostrar, quando necessário, a sua condição de discípulos
fiéis de Cristo; têm medo do que podem dizer, do comentário
desfavorável, de chamar a atenção... E como é que um
discípulo de Cristo não haveria de chamar a atenção em
ambientes de costumes paganizados, em que os valores
econômicos são muitas vezes os valores supremos?
Jesus Cristo
diz-nos que não nos preocupemos demasiado com a calúnia e a
murmuração, se nos chegam a atingir. Não os temais,
pois, porque não há nada oculto que não venha a descobrir-se.
Que pena se mais tarde se viesse a descobrir que tivemos
medo de proclamar aos quatro ventos a verdade que o Senhor
nos confiou! O que vos digo em segredo, dizei-o à luz,
e o que vos digo ao ouvido, pregai-o sobre os telhados.
Se alguma vez nos calamos, que seja porque nesse momento o
mais oportuno é calar-se por prudência sobrenatural, por
caridade; nunca por temor ou por covardia. Nós, os
cristãos, não somos amigos das sombras e dos cantos escuros,
mas da luz, da claridade na vida e na palavra.
Vivemos uns tempos
em que é mais necessário proclamar a verdade sem
ambiguidades, porque a mentira e a confusão imperam por toda
a parte.
Sem
perseverança, impossível é chegar à santidade ou à salvação:
não basta sermos virtuosos e generosos alguns dias ou alguns
anos; necessário é sê-lo sempre, até o fim.
Retirar-se do bem
começado, do caminho da fé e do seguimento de Cristo... quer
dizer, pôr em perigo a própria salvação.
Quem retrocede
condena-se voluntariamente e jamais atingirá a meta: é um
fraco, um vil, um desertor; enquanto deve o cristão ser
forte, intrépido e perseverante.
Não há
dúvida: quem quiser ganhar sua alma para a vida eterna deve
perseverar no bem, sem se assustar com a aspereza das
provações.
Dada sua fragilidade e fraqueza, não pode a perseverança do
homem ser perfeita sem quedas; por isso, cada vez que cai,
deve reerguer-se imediatamente, reparar a queda, recomeçando
de novo: nisto consiste propriamente a perseverança, isto é,
no constante converter-se, melhorar-se até que Deus
intervenha com particulares dons para estabilizá-lo no bem.
“Concedei-me, ó
Deus eterno, ser perseverante na virtude, a fim de que não
volte para trás a olhar o arado, mas com perseverança siga o
caminho da verdade. Pois é a perseverança que é coroada, e
sem ela não poderei agradar-vos nem ser por vós aceita”
(Santa Catarina de Sena), e:
“Ó Senhor,
serei certamente salvo se perseverar até o fim, mas há de
ser virtuosa esta perseverança, para merecer a salvação; de
vós me vem a virtude que me salva; sois vós que me fazeis
perseverar até obter a salvação”
(Santo Agostinho).
Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)
Anápolis,
22 de maio de 2014
Bibliografia
Sagrada Escritura
Pe. Manuel de Tuya, Bíblia comentada
Pe. Juan de Maldonado, Comentário do
Evangelho de São João
Bernard, Escritos
Pe. Francisco Fernández Carvajal, Falar com
Deus
U. Holzmeister, De
Vita S. Petri
Paulo VI, Petrum
et Paulum
Santo Agostinho,
Escritos
Ruperto, Escritos
Santa Catarina de
Sena, Epistolário
Pe. Gabriel de
Santa Maria Madalena, Intimidade Divina
Leôncio, Escritos
Teodoro de
Heraclea, Escritos
São Beda, Escritos
Pe. Juan Leal, A
Sagrada Escritura (texto e
comentário)
|