QUE ESPÉCIE DE MORTE
(Jo 21, 19)
“Disse isso para
indicar com que espécie de morte Pedro daria glória a Deus.
Tendo falado assim, disse-lhe: ‘Segue-me’”.
“...
com
que espécie de morte”.
Agora explica São João o sentido das palavras
de Jesus Cristo. Com que espécie de morte,
classe ou gênero de morte. Quando
São João escreveu, todos os leitores sabiam
que São Pedro havia morrido crucificado
em Roma.
Os hereges
dizem que São Pedro não morreu crucificado...
com medo, caso afirmassem isso, tivessem que admitir que
teria morrido em Roma.
Teodoro de
Mopsuestia
disse:
“Pedro perseverou firme e
foi
crucificado. Pedro sofreu a morte na cruz; e, por certo,
pregado nela de cabeça para baixo, por ter pedido...
considerando-se indigno de morrer como seu Mestre”.
“... daria glória
a Deus”. O martírio
é o ato de máxima glorificação. Em 1 Pd
4, 16 fala em geral dos sofrimentos dos
cristãos.
Leôncio, Teofilacto, Eutímio, São João
Crisóstomo, Santo Agostinho e
São Beda chamam glorificação dos santos à
morte que sofrem por Jesus Cristo, porque dela lhes segue
grande glória.
“Segue-me”.
O convite pode ter aqui um sentido material, de que
São Pedro se separara do grupo dos outros e se unira
especialmente a Jesus Cristo, que teria algo especial para
dizer-lhe. Porém, o convite a segui-lO tem também um
sentido vocacional. Pode ser uma resposta do Mestre
para São Pedro que prometeu segui-lO até a
morte.
Outros autores comentam:
“Segue-me”.
Esta frase era muito lembrada, principalmente nesse momento.
Foi a chamada vocacional a São Pedro
e aos outros apóstolos (Mt 4, 19ss; 9, 9). Era
lembrança daquele “aonde eu vou (Cristo) tu não podeis
seguir-me agora”, que disse a São Pedro;
porém, “me seguirás mais tarde” (Jo 13, 36);
era lembrar aquele “onde eu estiver ali estará também
o meu servidor” (Jo 12, 26), é trigo que
deve morrer para frutificar (Jo 12, 24ss); era
lembrar que “o bom pastor dá a vida por suas ovelhas”
(Jo 10, 11).
“Segue-me”.
Esta palavra evocaria no Apóstolo o seu primeiro chamado
(Mt 4, 19) e as condições de entrega absoluta que o
Senhor impõe aos seus discípulos:
“Se alguém quer vir após mim,
negue-se a si mesmo, tome a sua cruz cada dia, e siga-me”
(Lc 9, 23). O próprio São Pedro,
numa das suas cartas, deixa-nos o testemunho de que a
exigência da cruz é necessária para todo o cristão:
“Pois para isto fostes chamados, já
que também Cristo padeceu por vós, dando-vos exemplo, para
que sigais os seus passos” (1 Pd 2, 21).
“Segue-me”.
Outras interpretações dessa passagem: 1. Alguns
pensam que Jesus Cristo mandou que São Pedro O seguisse
corporalmente... com os pés, que fosse junto com Ele
andando. Que, depois do banquete e do diálogo, Pedro seguiu
a Cristo (Teofilacto e São João Crisóstomo).
2. Segue-me, vale tanto como se dissesse: vem comigo
para tomar posse das minhas ovelhas. 3.
Segue-me, isto é, imita-me (Teodoro de Heraclea e
Teofilacto). 4. Segue-me ao céu caminhando pelos
mesmos caminhos que Eu, isto é, pelo caminho da cruz
(Teodoro de Mopsuestia,Leôncio, Santo Agostinho, São Beda,
Eutímio e Ruperto). 5. Jesus Cristo mandou que
Pedro o seguisse como cabeça dos demais apóstolos e vigário
seu e mais familiar (São João Crisóstomo e
Eutímio). 6. O que Jesus disse a Pedro (segue-me),
disse a todos os discípulos (Eusébio Emiseno).
Dom Duarte Leopoldo escreve:
“Convinha que o primeiro Papa, o
sucessor imediato de Nosso Senhor Jesus cristo, O seguisse
até ao Calvário. Se nós, simples fiéis, temos de carregar a
cruz, cruz que se torna cada vez mais pesada, à medida que
nos aproximamos da morte, o Chefe da Igreja devia
preceder-nos, legando-nos o exemplo de uma virtude heróica.
São Pedro foi crucificado de cabeça para baixo”.
Santo Agostinho
comenta:
“Por que diz o Senhor a Pedro: segue-me, e
não o diz aos restantes que com ele estavam? Realmente todos
eles eram discípulos e seguiam-no como Mestre. E mesmo, se
quisermos atender à paixão, porventura só Pedro é que sofreu
por amor da verdade cristã? Não estava ali entre os sete o
outro filho de Zebedeu, irmão de João, que depois da
ascensão do Senhor foi assassinado por Herodes? Entretanto
dirá alguém que não tendo sido Tiago crucificado, foi com
razão que se disse a Pedro: Segue-se, pois este não só
suportou a morte, mas suportou a morte de cruz, à semelhança
de Cristo”.
QUANTO
AGRADA A JESUS CRISTO SOFRER POR SEU AMOR.
“Se alguém quiser
vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz cada dia e
siga-me”
(Lc 9, 23). É importante tecer aqui
alguns comentários sobre estas palavras de Jesus Cristo.
Ele diz:
“Se alguém
quiser vir após mim”.
Não diz A MIM, mas APÓS MIM. Ele
quer que andemos com Ele. É preciso, pois, que caminhemos
pelo mesmo caminho de espinhos e sofrimentos pelo qual Ele
passou. Ele segue adiante e não para senão no Calvário, onde
deve morrer. Portanto, se o amamos devemos segui-lO até
nossa morte. E, por isso, é preciso que cada um de nós
negue-se a si mesmo, ou seja, àquilo que o amor próprio lhe
pede, mas não é do agrado de Jesus Cristo.
Diz também:
“Tome a
sua cruz cada dia e siga-me!”
Consideremos palavra por palavra:
“Tome”:
pouco ajuda levar a cruz à força. Todos os pecadores
carregam-na, mas sem merecimentos. Para carregá-la com
merecimento é preciso abraçá-la voluntariamente.
“Cruz”:
Jesus Cristo usa a palavra cruz para indicar todo o
sofrimento, para que o pensamento de sua morte por nosso
amor, na cruz, a torne suave.
“Sua”:
alguns, quando recebem alguma consolação espiritual, se
dispõem a abraçar o sofrimento dos mártires, mas depois, não
podem suportar uma dor de cabeça, uma falta de atenção de um
amigo e a doença de um parente.
“Cada dia”:
alguns abraçam a cruz no começo, quando ela vem. Se ela
continua, dizem: Agora não posso mais. Deus,
no entanto, quer que continuemos a levá-la com paciência até
a morte, mesmo que seja contínua. A salvação e a perfeição
estão no cumprimento destas três palavras: negue-se a
si mesmo (neguemos ao amor próprio aquilo que não
convém); tome (abracemos a cruz que
Deus nos manda); siga-me (sigamos as
pegadas de Jesus Cristo até a morte).
Precisamos
convencer-nos de que Deus nos mantém no mundo para que
abracemos as cruzes que Ele nos envia. E aí está o
merecimento de nossa vida. Por isso nosso Salvador – que nos
ama – veio a esta terra não para gozar... mas para sofrer,
para que sigamos seus passos:
“Sim, fostes
chamados para isso, já que também Cristo sofreu por vós e
vos deixou o exemplo para que lhe sigais as pegadas”
(1 Pd 2, 21). Olhemos como Ele caminha
à nossa frente com sua cruz, abrindo caminho, através do
qual também nós devemos segui-lO, se quisermos salvar-nos. É
um grande remédio dizer a Jesus, em toda aflição:
Senhor, quereis que eu padeça toda essa cruz?
Eu aceito-a e quero padecê-la de acordo com a vossa
vontade.
São muitos os que
gostam de ouvir falar de oração e de paz; poucos, porém, de
cruz de sofrimento. Amam o Senhor desde que sopre o vento da
doçura espiritual. Mas se Ele cessar e vier alguma
adversidade ou desolação, onde o Senhor se esconde para
experimentá-los, privando-os das consolações costumeiras,
eles deixam a oração, a comunhão, as mortificações e se
deixam levar pela tristeza e pelo tédio, buscando os
prazeres do mundo. Estas almas, porém, amam mais a si mesmas
do que a Jesus Cristo. Por outro lado, aquelas que O amam
com amor desinteressado de consolações, com amor puro, só
porque é digno de ser amado, não deixam os exercícios
habituais de devoção por causa de alguma aridez e tédio que
aí sentem, contentando-se em agradar a Deus. E oferecem-se
para sofrer alguma desolação até a morte e em toda a
eternidade, se Deus assim o
quisesse. São Francisco de Sales diz que Jesus Cristo é
amável tanto na consolação como na desolação. As almas
enamoradas de Deus encontram sua consolação e doçura no
sofrimento.
Pe. Divino Antônio
Lopes FP (C)
Anápolis, 23 de
maio de 2014
Bibliografia
Sagrada Escritura
Pe. Manuel de Tuya, Bíblia comentada
Pe. Juan de Maldonado, Comentário do
Evangelho de São João
Edições Theologica
Dom Duarte Leopoldo, Concordância dos Santos
Evangelhos
Santo Agostinho, Escritos
Santo Afonso Maria de Ligório, Uma estrada de
salvação
Eusébio Emiseno,
Escritos
Eutímio, Escritos
São João
Crisóstomo, Escritos
Ruperto, Escritos
Leôncio, Escritos
Teodoro de
Mopsuestia, Escritos
Teodoro de
Heraclea, Escritos
São Beda, Escritos
Pe. Juan Leal, A
Sagrada Escritura (texto e
comentário)
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