Maria chorando
 

 

QUE TE IMPORTA?

(Jo 21, 22-23)

 

“Jesus lhe disse: ‘Se eu quero que ele permaneça até que eu venha, que te importa? Quanto a ti, segue-me’. Divulgou-se, então, entre os irmãos, a notícia de que aquele discípulo não morreria. Jesus, porém, não disse que ele não morreria, mas: ‘Se quero que ele permaneça até que eu venha, que te importa?’”.

 

 

Dom Duarte Leopoldo escreve: “São João foi o último dos Apóstolos que morreu, tendo a ventura de ver a Igreja Católica já então espalhada por quase todo o mundo”.

Santo Agostinho comenta: “E porque se disse a respeito de João: ‘Se quero que ele permaneça até que eu venha, que te importa?’ E foi repetido: Quanto a ti, segue-me, como se João não o seguisse, pois quis que ele permaneça até que venha! Quem pode crer que se disse coisa diferente do que acreditaram os irmãos ali presentes, a saber: que aquele discípulo não morreria, mas permaneceria nesta vida até que Jesus viesse? Porém, o próprio João combateu esta maneira de entender, declarando abertamente que o Senhor não tinha afirmado isto. Pois porque acrescentava ele: Jesus não disse: Não morre, senão para que a falsidade não aderisse aos corações dos homens?”

“Quanto a ti, segue-me”. São Pedro quis saber muito quando se tratou de averiguar os desígnios de Jesus Cristo sobre seu companheiro de apostolado. Tem coisas que escapam à curiosidade e aos cuidados dos homens, ainda que cuidem de nós: são aquelas coisas que dizem respeito entre nós e Deus. Não digamos como Caim: Porventura sou eu guarda do meu irmão? Porém, tampouco queiramos substituir a divina Providência quando se trata do nosso irmão. Cada um tem seu caminho assinalado por Deus: os que governam e cuidam dos outros, devem fazê-lo levando-os por esse caminho. Violentar os desígnios de Deus é colocar o que governa e o que é governado no caminho errado. “Segue-me”: é a norma para todos... e o que não quiser corresponder, deixa ao outro que siga a Deus da maneira que Deus quer.

“Se eu quero que ele permaneça até que eu venha”. Jesus Cristo vem quando nos visita com a morte. Ele vem quando quer, porque em suas mãos tem o fio da nossa vida. Para alguns dá vida longa, como a São João Evangelista... para outros dá vida curta, ceifa-a  quando, todavia, aos olhos humanos não está madura. Peçamos a Jesus Cristo que nos visite quando quiser; porém, que não nos visite caso estejamos reparados d’Ele.

Jesus Cristo não disse claramente que aquele discípulo (São João) não morreria.

Muitos afirmam que São João Evangelista não morreu. Santo Ambrósio nos diz que muitos afirmam que São João não morreu. Santo Agostinho, São Beda e Eutímio confirmam o que disse Santo Ambrósio.

Sobre a morte de São João existem quatro opiniões de alguns autores:

Não morreu. Neste sentido escreveu um autor antiguíssimo, Hipólito e São Beda, e quantos afirmaram que São João virá com Henoc e Elias antes da segunda vinda de Jesus Cristo. Assim acreditou certamente Doroteu. Provas? Aquelas palavras de Jesus Cristo (Mt 16, 28): “Em verdade vos digo que alguns dos que aqui estão não provarão a morte até que vejam o Filho do Homem vindo em seu Reino”.

São João morreu, e por certo de morte violenta, ainda que distinta da morte de São Pedro, no tempo do Imperador Trajano. Assim disse Teofilacto comentando as palavras de Mt 20, 23: “Sim, bebereis de meu cálice”. Não há dúvida que Jesus Cristo chamava cálice seu à morte violenta por parte dos judeus que ia sofrer. Pois o Senhor disse aos dois irmãos (Tiago e João) que beberiam do seu cálice. Quem negará que São João tenha sofrido uma morte violenta? Ainda mais que o seu irmão Tiago fora martirizado por Herodes (At 12, 2). Jesus Cristo disse que os dois beberiam do seu cálice.

Morreu, porém ressuscitou no mesmo dia e foi levado para o céu, como a Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Jesus Cristo. Assim o afirma Nicéforo, talvez como dissesse Santo Agostinho, por ter lido nos apócrifos que, colocando vivo o apóstolo no sepulcro que ele mesmo havia feito, não encontraram depois o seu corpo.

4ª Tem muitos e melhores autores: São João morreu de morte natural, segundo Tertuliano. Morreu, disse, João, mas existe uma esperança frustrada sustentada que viveria até a vinda de Jesus Cristo (afirmam isso: Polícrates, bispo de Éfeso, em Eusébio de Cesaréia, Santo Ambrósio, São Jerônimo, Eusébio Emiseno, São João Crisóstomo, Santo Agostinho, ambos Teodoros, Leôncio, São Gregório Magno, São Beda, Eutímio, Teofilacto, Ruperto e Haimo). Isso é muito mais provável. Nesta passagem bíblica (Jo 21, 22-23), ele quis desmentir o boato de que não morreria... de que era imortal, e que Jesus Cristo nunca havia dito que ele era imortal.

Como explicar, então, esse trecho bíblico? “Se eu quero que ele permaneça até que eu venha”. É muito simples! Santo Agostinho e São Beda explicam alegoricamente: São Pedro é a vida ativa, e São João é a vida contemplativa. São Pedro, isto é, a vida ativa, não deve permanecer, isto é, esperar a vinda de Cristo Jesus para julgar os homens. Mas, antes que Ele venha, deve se apressar para acabar a obra: “Enquanto é dia, temos de realizar as obras daquele que me enviou; vem a noite, quando ninguém pode trabalhar” (Jo 9, 4).

São João Crisóstomo e Teofilacto assim o interpretam: Se eu quero que esse fique aqui e não vá contigo pelo mundo inteiro para ensinar a todas as gentes até que em breve eu venha e o envie, que te importa?

Outros autores comentam: Se eu quero que ele permaneça, isto é, que não morra até que eu venha.

Existe um grande desencontro entre os autores nas palavras: “... até que eu venha”.

Alguns falam da segunda vinda de Jesus Cristo que todos esperamos.

Outros comentam sobre a destruição da cidade de Jerusalém por meio de Tito e Vespasiano. Significa, pois, que São João não morreria até os tempos de Vespasiano, em que contemplou a destruição de Jerusalém. Assim pensavam alguns, disse Doroteu e também Teofilacto. Porém, é uma interpretação nada provável e até violenta.

Muitos dizem que era para significar que São João viveria muito tempo (morreu com aproximadamente 100 anos). Assim entenderam também Leôncio e Teodoro de Mopsuestia.

“... que te importa?” Alguns autores comentam assim: Jesus Cristo disse para São Pedro: cumpra o seu dever... trabalhe naquilo que te ordenei... cada um deve lavar o seu peso, por que olha para trás?

 

DEVEMOS SEGUIR A JESUS CRISTO SEM OLHAR PARA OS LADOS NEM PARA TRÁS

 

Para ser verdadeiro cristão é necessário seguir a Cristo.

Um dia disse Jesus às turbas que o rodeavam: “Se alguém me quer seguir, negue-se a si mesmo, tome a cruz às costas e venha após mim”.

“Se alguém me quer seguir” – é o mesmo que dizer: se alguém quer se salvar, se alguém quer ter parte comigo na glória eterna.

“Se alguém me quer seguir” – é uma proposta que o Filho de Deus fez a todos os homens. O segui-lO ou não, deixa à nossa vontade, porque não quer forçar ninguém a entrar no céu.

“Negue-se a si mesmo” – E negar-se a si mesmo o que é? É dizer “não” aos gostos e inclinações terrenas do nosso coração. Negar-se a si mesmo é não guiar-se alguém pelos conselhos de sua natureza depravada, mas pelos ditames da razão alumiada com a luz da fé. Negar-se a si mesmo é não dar ouvido às vozes que do interior se levantam, pedindo prazeres e deleites sensuais e satisfação completa de todos os apetites desordenados.

“Tome a sua cruz” - eis a condição sem a qual não se pode seguir a Cristo.

A cruz não falta a ninguém: é tomá-la e seguir com ela a Jesus até a morte.

Cruz é tudo que nos contraria ou torna a vida difícil. São as dores do corpo, tédio e agonia da alma, reveses da fortuna, estragos do tempo, prejuízos do inimigo, tudo, enfim, que nos aflige... tudo que nos arranca lágrimas e confrange o coração.

Estas cruzes hei de recebê-las com animo generoso, abraçá-las com regozijo; pois são mimos com que Deus me visita.

“Toma a tua cruz” – nos diz a todos Jesus Cristo – porque o discípulo não é mais que seu mestre, nem o servo mais que seu senhor; porque se foi necessário que Jesus carregasse com ela para entrar na sua glória, muito mais nos é necessário a nós levá-la para podermos entrar numa glória, que só o combate nos fará nossa.

Seguir a Cristo levando com Ele a nossa cruz é preciso para salvar a nossa alma.

A salvação é o maior dos bens, a posse do mundo inteiro é nada em sua comparação; é um bem cuja perda não se pode reparar.

Por outra: não salvaremos a nossa alma se não estivermos prontos a sacrificar por ela a vida temporal. Quem, para salvar a vida temporal, nega a Cristo, perde a vida da alma; e quem sacrifica a vida temporal por Cristo, alcança a vida eterna – a salvação da alma.

Toma, pois, a tua cruz, porque nela está a salvação e a vida, a felicidade e a gloria eterna.

E siga-me! Seguir a Cristo é acompanhá-lO por onde quer que Ele vá, ou seja, para o Tabor, ou seja, para o Calvário, ou seja, pelo caminho desafogado dos mandamentos, ou pelo estreito dos conselhos.

Seguir a Cristo é ser cristão; o que segue a Cristo é de Cristo; o que segue o mundo é do mundo; porém, seguir a Cristo é seguir a verdade, seguir o mundo é seguir o erro! Em seguir a Cristo está a felicidade.

Mas para seguir a Cristo... para se seu discípulo... é necessário viver a sua vida e estar animado do seu Espírito: Se alguém não tem o espírito de Cristo, diz São Paulo, este não é d’Ele (Rm 8,9).

Se não seguirmos a Cristo, não nos confessamos ser seus discípulos. Mas quem se envergonha de ser discípulo de Jesus, verá que também Jesus se envergonhará dele diante de seu Pai.

Segue, pois, a Cristo. Enquanto O seguires, vais pelo caminho do céu. Se foges da cruz, foges de Cristo, porque não se encontra a Cristo sem cruz!

Se te parece difícil o caminho do Calvário, cobra ânimo com as palavras de São Paulo: Tudo posso naquele que me conforta! (Fl 4,13).

 

Oração

 

Ó Senhor, ser vosso discípulo significa ser todo vosso, pertencer-vos plenamente, estar perfeitamente unido a vós, formar convosco uma só coisa. Não vivermos mais, porém viverdes vós em nós significa a união perfeita convosco. Ó meu Deus, como devo desejar ser vosso discípulo! Eis a maior glória que posso dar-vos! “A glória de Deus é que vos torneis meus discípulos e deis fruto”; é também o meu maior bem... Ó Senhor, ajudai-me a fazer o que para isso é necessário... Renegar a mim mesmo para servir-vos, que significa? Significa esquecer-me, fazer abstração de mim, já não me ocupar comigo, como se não existisse. Então, não mais tereis interesses nem conveniências, nem gostos, nem vontades, nem nada mais! Já não existo, não cuido de mim... Esqueço-me completamente. Mas, ó Senhor, se já não busco meu bem, então nada mais buscarei absolutamente? Este coração e esta inteligência vazios de si, continuarão assim vazios? Não!Nem por um instante sequer! Se me esvazio de mim é para ser invadido por vós, Deus meu! Se me esqueço, é para só pensar em vós.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)

Anápolis, 27 de maio de 2014

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Pe. Manuel de Tuya, Bíblia comentada

Pe. Juan de Maldonado, Comentário do Evangelho de São João

Dom Duarte Leopoldo, Concordância dos Santos Evangelhos

D. Isidro Gomá y Tomás, O Evangelho explicado

Eutímio, Escritos

Bem-aventurado Charles de Foucauld, Meditações

Pe. Alexandrino Monteiro, Raios de luz

Santo Agostinho, Escritos

Tertuliano, Escritos

São Beda, Escritos

Nicéforo, Escritos

São João Crisóstomo, Escritos

Ruperto, Escritos

Teofilacto, Escritos

Leôncio, Escritos

Teodoro de Heraclea, Escritos

Pe. Juan Leal, A Sagrada Escritura (texto e comentário)

 

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Que te importa?”

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