CURA DE UM PARALÍTICO

(Mc 2, 1-12)

 

 

"1 Entrando de novo em Cafarnaum, depois de alguns dias souberam que ele estava em casa. 2 E tantos foram os que se aglomeraram, que já não havia lugar à porta. E anunciava-lhes a Palavra. 3 Vieram trazer-lhe um paralítico, transportado por quatro homens. 4 E como não pudessem aproximar-se por causa da multidão, abriram o teto à altura do lugar onde ele se encontrava e, tendo feito um buraco, baixaram o leito em que jazia o paralítico. 5 Jesus, vendo sua fé, disse ao paralítico: 'Filho, os teus pecados estão perdoados'. 6 Ora, alguns dos escribas que lá estavam sentados refletiam em seus corações: 7 'Por que está falando assim? Ele blasfema! Quem pode perdoar pecados a não ser Deus?' 8 Jesus imediatamente percebeu em seu espírito o que pensavam em seu íntimo, e disse: 'Por que pensais assim em vossos corações?     9 O que é mais fácil dizer ao paralítico: 'Os teus pecados estão perdoados', ou dizer: 'Levanta-te, toma o teu leito e anda?' 10 Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem poder de perdoar pecados na terra, 11 eu te ordeno - disse ele ao paralítico - levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa'. 12 O paralítico levantou-se e, imediatamente, carregando o leito, saiu diante de todos, de sorte que ficaram admirados e glorificaram a Deus, dizendo: 'Nunca vimos coisa igual!"

 

 

Em Mc 2, 1-2 diz: "Entrando de novo em Cafarnaum, depois de alguns dias souberam que ele estava em casa. E tantos foram os que se aglomeraram, que já não havia lugar à porta. E anunciava-lhes a Palavra".

 

Jesus Cristo entra em Cafarnaum, "... sua cidade..." (Mt 9, 1), e: "... deixando Nazaré, foi morar em Cafarnaum, à beira-mar" (Mt 4, 13), e também: "Porque a misericórdia divina não abandona nem aos homens carnais, antes lhes concede a graça de visitá-los, para que por ela possam fazer-se espirituais. O Senhor  volta do deserto à cidade. 'E entrou de novo em Cafarnaum" (São Beda).

Cafarnaum, cidade da Galiléia, identificada com a atual Tell Hum, na margem norte do mar da Galiléia, a Oeste do Rio Jordão. O local se encontra a cerca de 35 Km de Nazaré.

Cafarnaum é o centro da atividade de Jesus na Galiléia, é uma das cidades onde Ele fez a maior parte de seus milagres.

"... souberam que ele estava em casa".

J. Gonzáles Echegaray escreve: "A casa de Pedro, segundo o resultado de recentes escavações, era deste modo: a entrada dá para a rua principal de Cafarnaum, e tem diante uma pequena esplanada, estando esta um pouco remetida em relação com as fachadas. A porta dava acesso a um pátio bastante amplo em forma de L de 84 m2. Para ele abriram-se meia dúzia de compartimentos com as clássicas janelas e com escada exterior para subir ao telhado. Um destes compartimentos, o maior, o mais independente e próximo da entrada geral, foi o que, com certas ampliações e acondicionamentos, se converteu passados poucos anos em igreja doméstica e mais tarde constituiu o centro de uma basílica bizantina. Dada a veneração com que foi tratada, é quase certo que seria o compartimento destinado a Jesus enquanto viveu na casa. Ao sul do pátio e dos compartimentos descritos havia outro pátio com novos compartimentos" (Arqueologia, pág. 85).

O Pe. Juan Leal escreve: "A cena tem lugar em Cafarnaum, aonde Jesus vem de novo (cf. 1, 21). A indicação temporal vaga (depois de alguns dias) é muito própria de Marcos. Fora da paixão, só se encontra uma referência temporal precisa em Mc 9, 2. A casa em que para, o mesmo que em 1, 29; 3, 20; 9, 33, deve ser a de Pedro. A palavra que lhes exorta equivale, na linguagem da Igreja primitiva, ao Evangelho (cf. parábola do semeador)".

O Pe. Juan de Maldonado comenta: "E outra vez entrou em Cafarnaum. Ao que se pode juntar do que segue; Ele deve ter entrado à noite, como um desconhecido, para evitar a afluência do povo. E supor-se que estava em casa. Como se dissesse: tendo entrado na cidade às escondidas, não sabia ninguém, além dos discípulos, que estava ali, e, apesar disso, se divulgou pela cidade. No capítulo anterior (v. 45) havia dito o evangelista que não podia Cristo entrar manifestamente nas cidades. Parece que a razão de Cristo voltar agora a Cafarnaum foi para confirmar com um novo milagre os ânimos daqueles cidadãos, dispostos como já estavam para receber o Evangelho. Importava muito para seu plano que fossem constantes os habitantes daquela cidade principal. Depois de alguns dias. O certo, pois, é que Cristo voltou depois de alguns dias; que fossem precisamente oito, não é coisa certa, e não devemos sem argumentos certos querer afirmar o que o evangelista quis deixar menos determinado. Mais ainda, me atrevo assegurar que não podia Cristo voltar a Cafarnaum logo aos oito dias, porque, quando saiu daquela cidade, esteve pregando em muitas sinagogas da Galiléia, como havia dito antes o mesmo evangelista (1, 39), e para fazê-lo melhor, deve ter aproveitado os dias de sábado, em que se reuniam as pessoas. Foram, pois, mister muitos sábados entre a saída e o regresso de Jesus a Cafarnaum. Assim que não é possível que voltasse oito dias depois. Autores gregos como Teofilacto e Eutímio não dizem "oito dias", de onde suspeitou que esse acréscimo é obra de algum copista, que pensava (como esses autores recentes) que faltava sentido na outra lição indeterminada. E se ouviu que estava em casa. Não é difícil supor como se podia ouvir que Ele tinha vindo; podia indicar qualquer familiar ou amigo da casa em que Cristo se hospedara. A qual indubitavelmente era a casa de Pedro, pois ali é onde Cristo sempre se hospedava quando estava na cidade, como indica o evangelista no capítulo anterior (v. 29). E se reuniram. Segundo o grego literalmente, "logo, em seguida", se juntaram, como se lê em Teofilacto e Eutímio com maior precisão e ênfase. Pois a intenção do evangelista é notar o esforço e pressa do povo em acorrer, o qual se manifesta particularmente por meio da partícula traduzida outras vezes por "statim" ou ao "punto". De sorte que não cabiam, nem sequer,  fora, junto à porta. Não sem razão especial pondera o evangelista a multidão ali reunida; como querendo preparar assim a narração do milagre seguinte, que não se realizou como às escondidas, antes à vista de toda a cidade, com inumeráveis testemunhas oculares. O mesmo dá a entender São Lucas em sua narração (5, 17), quando põe não só os habitantes de Cafarnaum, mas aos escribas e fariseus que vieram de todos os povoados da Galiléia, da Judéia, até de Jerusalém; os quais como eram adversários de Cristo, vem tornar mais ilustre o milagre, não só com sua presença, mas com a mesma incredulidade e a repreensão que mereceram. Pois como começassem a murmurar dizendo: Que está este falando? Blasfema. Quem pode perdoar pecados  senão Deus só?; tomando da ocasião, Cristo lhes diz: Para que saibais que o Filho do homem tem poder na terra de perdoar os pecados - disse ao paralítico: "Te ordeno; levanta, toma tua maca e vai para casa".

São Marcos narra que a casa estava a transbordar: "E tantos foram os que se aglomeraram, que já não havia lugar à porta".

O que Nosso Senhor estava fazendo naquela casa? Com certeza absoluta não estava contando piadinhas, bebendo bebidas alcoólicas, cantando canções mundanas, perdendo tempo com conversas ociosas, etc., como fazem hoje muitos do clero. Ele estava pregando a verdade: "E anunciava-lhes a Palavra".

 

Em Mc 2, 3-4 diz: "Vieram trazer-lhe um paralítico, transportado por quatro homens. E como não pudessem aproximar-se por causa da multidão, abriram o teto à altura do lugar onde ele se encontrava e, tendo feito um buraco, baixaram o leito em que jazia o paralítico".

 

Sabendo que o Senhor estava naquela casa, trouxeram-Lhe um homem paralítico. Não podendo entrar na casa por causa da multidão, "abriram o teto à altura do lugar onde ele se encontrava e, tendo feito um buraco, baixaram o leito em que jazia o paralítico".

O Pe. Francisco Fernández-Carvajal escreve: "A cobertura das casas era frequentemente de ramagem com terra batida e palha, fácil de desmontar", e: "A casa onde Jesus estava regurgitava de pessoas até à porta, e não era possível entrar. De repente, do teto caiu cal e terra, e apareceu uma larga abertura, da qual, por meio de cordas, se viu descer um leito tendo em cima um paralítico" (Pe. João Colombo), e também: "Para entender este episódio, convém recordar que as casas da Palestina não terminam em telhado, mas em terraço, e quase todas têm uma escada externa que, da rua, sobe diretamente ao terraço, formado por um assoalho que se apóia num trançado de canas sustentado por traves de madeira. Bastava levantar uma dessas traves mal fixadas, para fazer nele uma larga abertura" (J. Lagrange, O Evangelho de Jesus Cristo, Morcelliana, Brescia, pág. 124), e ainda: "O brilho da descrição sugere dependência de uma testemunha ocular que pode ser Pedro" (Pe. Juan Leal).

O Pe. Juan de Maldonado comenta: "Vem a Ele trazendo um paralítico. Vêm alguns trazendo um paralítico, ou mais à letra, certos portadores de um paralítico.  Chama os que levavam o paralítico, a mim parece, não só aos que propriamente o conduziam, mas a todos os que o acompanhavam - parentes e amigos. Pois aos portadores os distinguem logo expressamente, quando disse: era levado por quatro; e parece natural que o paralítico, sobretudo, era de alguma posição, pois não era levado por familiares, mas por criados ou gente paga para isso. Ele era levado por quatro. Não temos de acreditar que o evangelista nota sem motivo o número dos portadores. Segundo São Beda, significam, já os quatro Evangelhos, já as quatro virtudes morais, pelas quais, como por certos graus, se chega a Cristo".

Cristo Jesus é o Senhor que está sempre pronto a nos ajudar, é preciso que caminhemos ao seu encontro. Esse caminhar deve acontecer mesmo quando surgirem inúmeros obstáculos no nosso caminho: "... tendo feito um buraco, baixaram o leito em que jazia o paralítico".

Existem milhões de católicos paralíticos espiritualmente; é preciso aproximá-los de Nosso Senhor, mesmo que encontremos dificuldades pelo caminho. Talvez todo o apostolado não seja mais que isso: situar as pessoas diante de Jesus. Com todas as dificuldades que isto pode levar consigo, com o interesse que puseram estes amigos do paralítico. Depois, o Senhor fará o resto, como em Cafarnaum.

O católico que permanece de braços cruzados diante de milhões de pessoas necessitadas da ajuda espiritual, não possui amor em seu coração: "Assim, aquele que sabe fazer o bem e não o faz incorre em pecado" (Tg 4, 17).

Como seria bom se cada católico trabalhasse para o bem das almas como fervoroso missionário; se cada um descruzasse os braços e, fiel à Santa Doutrina Católica, ajudasse os que estão paralíticos espiritualmente a aproximarem de Nosso Senhor: "Nenhum crente, nenhuma instituição da Igreja pode esquivar-se deste dever supremo: anunciar Cristo a todos os povos" (João Paulo II, Carta Encíclica "Redemptoris Missio", 3).

São milhões os católicos que já acostumaram a viver amontoados e atarefados sem nada fazer. Quanto egoísmo!

 

Em Mc 2, 5 diz: "Jesus, vendo sua fé, disse ao paralítico: 'Filho, os teus pecados estão perdoados".

 

O paralítico foi colocado no solo, o mesmo está sem palavras. A sua maneira de entrar na casa, os seus olhos, toda a sua pessoa falava por ele e diziam o que ele esperava. Nosso Senhor disse-lhe: "Filho, os teus pecados estão perdoados".

Edições Theologica comenta: "Jesus põe em realce neste versículo a relação entre a fé e o perdão dos pecados. A audácia dos que levam o paralítico mostra a fé que tinham em Cristo. Movido por isso Jesus perdoa os pecados do doente. Consideremos o que vale a nossa fé diante de Deus, quando a dos outros é via para que um homem seja curado e exteriormente de modo instantâneo, e que pelo mérito de uns se remediam as necessidades de outros", e: "São Mateus chama Cafarnaum sua cidade, porque ia ali com frequência e fazia muitos milagres nela. E se espalhou a voz de que Ele estava em casa; muitos foram até Ele. Depois levaram-Lhe muitos paralíticos, de que dizem São Mateus e São Lucas: 'Então chegaram uns conduzindo um paralítico...' Ao encontrar a porta obstruída pela multidão, não puderam introduzi-lo de nenhum modo por ela. Esperando, pois, os que o lavavam, que poderia merecer a graça de sua cura, descobriram o teto e, levantando a maca, o colocaram diante do Salvador. Vendo Jesus a fé daqueles homens disse ao paralítico: 'Filho, teus pecados te são perdoados" (São João Crisóstomo, Homilia in Matthaeum, 30), e também: "Para curar, pois, aquele homem da paralisia, o Senhor começou por desatar os laços de seus pecados... Deste modo lhe manifestou que por causa deles estava sofrendo a invalidade de seus membros, cujo uso não podia recobrar, senão, desatando aqueles laços. Admirável humildade!" (São Beda).

São Jerônimo vê na paralisia corporal daquele homem um tipo ou figura da paralisia espiritual: o tolhido de Cafarnaum também não tinha forças, por si mesmo, para voltar a Deus. Jesus, Deus e Homem curou-o de ambas as paralisias (cfr Comm. in Mercum, ad loc.).

As palavras dirigidas ao paralítico - "os teus pecados te são perdoados" - refletem que no fato de lhe perdoar se dá um encontro pessoal com Cristo; o mesmo acontece no sacramento da Penitência: "A Igreja, pois, ao observar fielmente a plurissecular prática do sacramento da Penitência - a prática da confissão individual, unida ao ato pessoal de arrependimento e ao propósito de se corrigir e de satisfazer - defende o direito particular da alma humana. É o direito a um encontro mais pessoal do homem com Cristo crucificado que perdoa, com Cristo que diz, por meio do ministro do sacramento da Reconciliação: 'São-te perdoados os teus pecados' (Mc 2, 5); 'Vai e doravante não tornes a pecar' (Jo 8, 11). Como é evidente, isto é ao mesmo tempo o direito do próprio Cristo em relação a todos e a cada um dos homens por Ele remidos. É o direito de encontrar-se com cada um de nós naquele momento-chave da vida humana, que é o momento da conversão e do perdão" (João Paulo II, Redemptor hominis, 20), e: "Quatro amigos levam à presença do Senhor um paralítico desejoso de ver-se livre da doença que o mantém preso ao leito. Depois de inúmeros esforços para consegui-lo, ouvem as palavras dirigidas ao seu amigo enfermo: Os teus pecados te são perdoados. É muito possível que não fossem essas as palavras que esperavam ouvir do Mestre, mas Cristo indica-nos que a pior de todas as opressões, a mais trágica das escravidões que um homem pode sofrer é o pecado, pois este não é apenas mais um dentre os males que podem afligir as criaturas, mas é o único mal absoluto. Os amigos que levaram o paralítico à presença de Jesus compreenderam que acabava de ser-lhe concedido o maior de todos os bens: a libertação dos seus pecados. E nós não podemos esquecer a grande cooperação para o bem que significa empregarmos todos os meios ao nosso alcance para desterrar o pecado do mundo. Muitas vezes, o maior favor, o maior benefício que podemos fazer a um amigo, ao irmão, aos pais, aos filhos... é ajudá-los a ter muito em conta o sacramento da misericórdia divina. É um bem para a família, para a Igreja, para a humanidade inteira, ainda que aqui na terra muito pouca gente ou nenhuma se aperceba disso" (Pe. Francisco Fernández-Carvajal), e também: "Filho é empregado como uma forma carinhosa. É estranho que este aspecto de ternura se perdeu em Lucas, tão propenso a expressões semelhantes (em Lc 5, 20 se diz homem)" (Pe. Juan Leal), e ainda: "Este milagre é transmitido pelos três sinóticos. A importância dogmática do mesmo é extraordinária. Cristo prova, apologeticamente, os poderes de que está investido com um milagre. E esta doutrina é que Ele tem o poder, e por sua autoridade, de perdoar os pecados. Porém, este é o poder reservado exclusivamente no Antigo Testamento a Deus. É, pois, uma argumentação indireta, porém real, de apresentar Cristo como Deus. Ambas obras transcendem o poder do homem: uma é efeito da misericórdia divina, e a outra da onipotência. Anunciar a primeira sem confirmá-la com fatos podia ser ali contraproducente. Daí o milagre sensível como prova da renovação invisível. Além disso, o perdão dos pecados é dom messiânico característico (Jr 31, 34; Ez 36, 25). É um  modo indireto de se apresentar como o Messias. É o processo  que se vê nos Evangelhos: sua revelação, tanto messiânica como divina, vai fazendo gradualmente. A situação histórica que lhe dá Mc - o que fazem em forma imprecisa Mt-Lc - está em íntima relação com esta morada de Cristo em Cafarnaun, pois foi "entrando de novo, depois de  alguns dias, em Cafarnaum". O que diz Mt (9,1) pareceria supor uma ausência maior de Cristo, a causa de um deslocamento para uma região. Porém, é que Mt 9, 1 não é o começo de uma nova cena, mas o final de 8, 34" (Pe. Manuel de Tuya).

 

Em Mc 2, 6-12 diz: "Ora, alguns dos escribas que lá estavam sentados refletiam em seus corações: 'Por que está falando assim? Ele blasfema! Quem pode perdoar pecados a não ser Deus?' Jesus imediatamente percebeu em seu espírito o que pensavam em seu íntimo, e disse: 'Por que pensais assim em vossos corações? O que é mais fácil dizer ao paralítico: 'Os teus pecados estão perdoados', ou dizer: 'Levanta-te, toma o teu leito e anda?' Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem poder de perdoar pecados na terra, eu te ordeno - disse ele ao paralítico - levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa'. O paralítico levantou-se e, imediatamente, carregando o leito, saiu diante de todos, de sorte que ficaram admirados e glorificaram a Deus, dizendo: 'Nunca vimos coisa igual!"

 

Um arrepio de horror e de pasmo passou pela alma dos fariseus e dos hebreus presentes: "Teriam eles ouvido bem? Então Jesus perdoava os pecados? Profeta algum jamais ousara falar assim. Não é só Deus quem pode tirar os pecados? Jesus julgava-se Deus? Ele blasfemou! - pensavam eles; blasfemou. E o Senhor, que lia esses seus sentimentos ocultos disse: 'Por que pensais mal nos vossos corações? Ora, a fim de que saibais que eu tenho poder de perdoar na terra os pecados, observai como eu mando a um paralítico: 'Levante-se! Toma o teu leito! Volta para tua casa!' E o paralítico levantando-se, tomou o seu leito, e foi-se embora para casa. Ainda depois de dois mil anos, a Palavra do Filho de Deus repete-se na terra com a mesma eficácia com que Ele a disse, da primeira vez, naquela casa destapada de Cafarnaum: 'Coragem, filho: teus pecados te são perdoados'. Depois de dois mil anos, são infinitos os paralíticos espirituais, pregados há anos no leito dos seus maus hábitos, os quais são levados à presença de Jesus no tribunal da confissão e se sentem miraculosamente curados. Mas não faltam, tão pouco, os fariseus e os escribas que ainda se escandalizam ante a bondade de Deus. Nenhum Sacramento é caluniado, desprezado, maltratado, esquecido como o Sacramento do perdão dos pecados. Assim como os antigos fariseus, não acreditavam que Jesus fosse o Filho de Deus e tivesse poder de perdoar os pecados, assim também os modernos fariseus não crêem que o sacerdote seja o representante de Jesus e tenha recebido d'Ele o poder de confessar e perdoar" (Pe. João Colombo), e: "Perdoando-lhe os pecados, antes de curar aquele pobre paralítico, quis Nosso Senhor, ensinar-nos que os nossos desmandos são, muitas vezes, a causa das nossas enfermidades. Pedem-lhe a cura do corpo, Jesus cura também a alma, confirmando com um milagre estupendo a sua divindade. Se Ele pode dizer a um paralítico - levanta-te e anda, pode também perdoar-lhe os pecados. Se pode perdoar-lhe os pecados, é certamente Deus. Infelizmente, porém, os fariseus de então, como os de hoje, não aceitam a consequência lógica das premissas estabelecidas por eles mesmos" (Dom Duarte Leopoldo), e também: "O acusaram de blasfêmia, apressando assim sua sentença de morte, porque mandava a lei que fosse castigado de morte qualquer um que blasfemasse. E  lançavam sobre Ele esta sentença, porque se atribuía ao poder divino de perdoar os pecados: 'Quem pode perdoar os pecados, continua, senão Deus só?' Ele que é o único Juiz de todos e que tem o poder de perdoar os pecados" (São Cirilo de Alexandria), e ainda: "E disse: 'Pega a sua maca' para fazer mais evidente o milagre, mostrando que não é coisa que se realiza na fantasia, mas no fato positivo e patente. E para mostrar que não só curava, mas que devolvia a força ao enfermo. Assim, não somente separa os homens do pecado, mas lhes dá a virtude para cumprir os mandamentos" (Teofilacto), e: "Fez um milagre visível para provar outro invisível, ainda que seja obra de igual poder o curar os vícios do corpo e os do espírito, pelo que disse: 'E num instante se pôs de pé, e carregando a sua maca, caminhou à vista de todos" (São Beda), e também: "Primeiramente curou perdoando os pecados, para isso Ele veio, isto é, para o espírito. E para que não duvidassem os incrédulos, fez um milagre publicamente para confirmar a palavra com a obra e para demonstrar o milagre oculto, ou seja, a cura do espírito pela medicina do corpo" (São João Crisóstomo), e ainda: "Não dando importância à remissão dos pecados, que era o mais importante, se admiram tão somente da cura do corpo" (Victor Antiqueno), e: "Não é este o paralítico de cuja cura fala São João: àquele não o acompanhava ninguém, e este era levado por quatro homens; o primeiro foi curado na piscina,  o último em uma casa. É o mesmo, pois, cuja cura referem São Mateus e São Marcos. Em sentido místico, Cafarnaum, onde está agora Cristo, significa casa do consolo; isto é, na Igreja que é a casa do paralítico" (Teofilacto).

Edições Theologica comenta: "São vários os elementos que manifestam aqui a divindade de Jesus: perdoa os pecados, conhece por Si mesmo a intimidade do coração humano e tem poder para curar instantaneamente doenças corporais. Os escribas sabem que só Deus pode outorgar o perdão das culpas e por isso consideram infundada, e inclusivamente blasfema, a afirmação do Senhor. Necessitam de um sinal que mostre a verdade daquelas palavras. E Jesus oferece-lhe: assim como ninguém discutirá a cura do paralítico, do mesmo modo ninguém poderá negar razoavelmente a libertação das suas culpas. Cristo, Deus e Homem, exerceu o poder de perdoar os pecados e, pela Sua infinita misericórdia, quis estendê-lo à Santa Igreja".

O Pe. Juan Leal comenta Mc 2, 6-12: "O perdão é um direito de Deus na mentalidade do Antigo Testamento (cf. Ex 34, 6ss; Is 43, 25; 44, 22), e, em consequência, tomar este direito é blasfemá-lo. Isto é o que pensam dentro de si os escribas, sem explicação da palavra. Jesus lê seus pensamentos e lhes faz uma pergunta. Do êxito visível da cura resulta evidente que as palavras da remissão dos pecados não são uma blasfêmia. Com o milagre, atributo divino, Jesus confirma suas palavras e manifesta seus poderes. Também este milagre, como os demais (cf. Lc 11, 20; Mt 12, 28), o mesmo que  os exorcismos, têm a finalidade primordial de indicar a presença ou proximidade do reino. O perdão dos pecados é o dom messiânico por excelência (Jr 31, 34; Ez 36, 25). Toda a cena oferece várias dificuldades. A principal está em que Jesus faz profissão ante os escribas do poder de perdoar os pecados, o que parece que está contra o proceder do 'segredo messiânico' com que lhe apresenta Marcos no ministério Galileu até a paixão".

O Pe. Francisco Fernández-Carvajal escreve: "Cristo liberta do pecado com o seu poder divino: Quem pode perdoar pecados senão só Deus? Ele veio à terra para isso: Deus, porém, rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, e estando nós mortos pelos nossos pecados, deu-nos a vida por Cristo. Depois de perdoar o paralítico os seus pecados, o Senhor curou-o também dos seus males físicos. Este homem não deve ter demorado a compreender que a sua grande sorte fora a primeira: sentir a sua alma traspassada pela misericórdia divina e poder olhar para Jesus com um coração limpo.

O paralítico ficou curado de alma e de corpo. E os seus amigos são hoje um exemplo para nós de como devemos estar dispostos a prestar a nossa ajuda para o bem das almas - sobretudo mediante um apostolado pessoal de amizade - e a potenciar o bem humano da sociedade por todos os meios ao nosso alcance: oferecendo soluções positivas para anular o mal, colaborando com qualquer obra a favor do bem, da vida...

Não é raro observar como, na vida social, muitos adotam uma atitude de meros espectadores perante problemas que os afetam, às vezes profundamente, a eles próprios, aos seus filhos ou ao seu ambiente social... Têm a impressão errada de que são "os outros" que deveriam tomar iniciativas para sustar o mal e fazer o bem, e não eles próprios; contentam-se com um lamento ineficaz.

Um cristão não pode adotar essa linha de conduta, porque sabe muito bem que deve exercer dentro da sociedade o papel de fermento. No meio das realidades humanas, o que a alma é no corpo, isso são os cristãos no mundo. Esse é o lugar que Deus lhes fixou e não lhes é lícito desertar dele.

Existe uma obrigação positiva de cooperar para o bem, que deve levar todo o cristão a contribuir com o máximo das suas forças para informar todos os campos da sua atividade com a mensagem de Cristo, fugindo de atitudes que se limitem a não praticar pessoalmente obras más.

A cooperação para o bem inclui, logicamente, que não se coopere para o mal, no muito ou no pouco que esteja ao nosso alcance: não comprar revistas, jornais, livros... que, pelo seu caráter sectário anticristão ou imoral, fazem mal às almas; não comprar o jornal naquela banca e sim em outra, ainda que tenhamos que andar um pouco mais, porque a primeira distribui publicações que atacam a nossa Mãe Igreja ou ofendem a moral; não ser cliente de uma farmácia que anuncia anticoncepcionais...; ou não adquirir determinado produto - talvez de melhor qualidade - lançado por uma empresa que patrocina um programa imoral na televisão ou no rádio ou que publica anúncios imorais...

Se os cristãos tíbios não comprassem determinadas revistas e publicações e aconselhassem os seus amigos a fazer o mesmo, muitas delas não poderiam subsistir. Dá pena pensar que, às vezes, grande parte do enorme mal que essas publicações causam é devido aos meios econômicos de muitos cristãos acomodados que, por outro lado, se queixam da crise moral da sociedade.

O cristão deve cooperar para o bem, pesquisando e oferecendo soluções positivas para os problemas de sempre e para os que vão aparecendo pelas condições particulares da sociedade atual. A sua pior derrota seria calar-se e inibir-se, como se se tratasse de assuntos que não lhe dissessem respeito.

Um bom cristão não deve limitar-se a não dar o seu voto a um partido ou a um projeto que ataque o ideal da família cristã, a liberdade de ensino ou a vida desde a sua concepção. Essa atitude não é suficiente. É preciso que se empenhe em levar a cabo, de acordo com as suas possibilidades, um apostolado doutrinal constante, intenso, sem falsas prudências e sem medo de navegar contra a corrente.

Este apostolado doutrinal que cada um há de empreender no seu ambiente, contribuindo para difundir a doutrina de Cristo de forma capilar, acaba por fazer que o fermento transforme a massa.

A tarefa de recristianizar a sociedade atual assemelha-se à que empreenderam os nossos primeiros irmãos na fé, e exige que se lance mão de meios análogos aos que eles empregaram: a exemplaridade na atuação privada e pública, a oração, a amizade e a nobreza no trato, a autoridade proveniente do prestígio profissional, a solidariedade com os anseios justos dos outros, o desejo profundo de vê-los felizes, além da convicção de que não existe paz - nem pessoal, nem familiar, nem social - à margem de Deus.

Os primeiros cristãos encontraram-se mergulhados num ambiente bem afastado da doutrina que traziam no coração, e, ainda que não tivessem deixado de fazer ouvir a sua voz contra costumes que aviltavam até a própria dignidade humana, não gastaram as suas melhores energias em queixar-se e em denunciar o mal. Preferiram, pelo contrário, empregar-se a fundo em difundir o tesouro que traziam na alma, mediante um testemunho alegre e fraternal, e servindo a sociedade com inumeráveis iniciativas de cultura, de assistência social, de ensino, de redenção dos cativos, etc. Teriam podido passar a vida vasculhando tudo o que não estava de acordo com o ideal de uma vida reta... e teriam deixado de dar ao mundo a verdadeira solução, que era então como um grão de mostarda, mas que continha dentro de si uma força portentosa.

Para identificar o mal, não se requer uma grande esperteza; para descobrir os interesses de Deus a todo o instante, requer-se espírito cristão. Tenhamos os olhos abertos para o bem, como esses verdadeiros bons amigos do paralítico de que nos fala São Marcos, e procuremos - tal como nos aconselha São Paulo - vencer o mal com o bem.

Comecemos por dar todo o destaque às virtudes daqueles que estão perto de nós: à generosidade do amigo, à laboriosidade do colega de trabalho, ao espírito de colaboração da vizinha, à paciência do professor... Fomentemos depois tudo o que nasce de positivo à nossa volta: umas vezes, com uma palavra de ânimo; outras, com uma colaboração efetiva de tempo e dinheiro. Perante tanta leitura inútil ou prejudicial, difundamos a notícia do lançamento de um bom livro, de uma revista que pode estar dignamente na sala de estar de uma família, sem que os pais tenham de sentir-se envergonhados diante dos filhos... Escrevamos uma cartinha ao jornal ou à emissora de TV, elogiando e agradecendo um bom programa, um bom artigo... custa pouco e é sempre eficaz.

Deus não pede aos seus filhos que sejam ingênuos perante o mal e os duros acontecimentos da vida; pede-lhes, sim, que não sejam nunca ressentidos e azedos, que tenham olhos para ver o que há de bom nas pessoas e nas realidades sociais, que não passem a melhor parte dos seus dias entregues a lamentações estéreis, mas dando a conhecer o imenso tesouro da fé, que é capaz de transformar as pessoas e a sociedade. Não esqueçamos que o bem é atrativo, contagioso e gera sempre muito mais felicidade que a tibieza. E essa alegria que transbordará das nossas vidas é também uma forma de cooperar para o bem; frequentemente, a mais eficaz".

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 25 de setembro de 2007

 

Vide também:

 

Abriram o teto

Carregando a maca

Transportado

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. "Cura de um paralítico"

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