CURA DE UM
PARALÍTICO
(Mc 2,
1-12)
"1
Entrando de novo em Cafarnaum, depois de alguns dias souberam que ele
estava em casa.
2 E tantos foram
os que se aglomeraram, que já não havia lugar à porta. E
anunciava-lhes a Palavra.
3
Vieram trazer-lhe um paralítico, transportado por quatro homens.
4
E como não pudessem aproximar-se por causa da multidão, abriram o teto
à altura do lugar onde ele se encontrava e, tendo feito um buraco,
baixaram o leito em que jazia o paralítico.
5
Jesus, vendo sua fé, disse ao paralítico: 'Filho, os teus pecados
estão perdoados'.
6
Ora, alguns dos escribas que lá estavam sentados refletiam em seus
corações: 7
'Por que está falando assim? Ele blasfema! Quem pode perdoar pecados a
não ser Deus?' 8
Jesus imediatamente percebeu em seu espírito o que pensavam em seu
íntimo, e disse: 'Por que pensais assim em vossos corações?
9
O que é mais fácil dizer ao paralítico: 'Os teus pecados estão
perdoados', ou dizer: 'Levanta-te, toma o teu leito e anda?'
10
Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem poder de perdoar
pecados na terra,
11
eu te ordeno - disse ele ao paralítico - levanta-te, toma o teu leito
e vai para tua casa'.
12
O paralítico levantou-se e, imediatamente, carregando o leito, saiu
diante de todos, de sorte que ficaram admirados e glorificaram a Deus,
dizendo: 'Nunca vimos coisa igual!"
Em Mc
2, 1-2 diz:
"Entrando de novo em Cafarnaum, depois de alguns dias souberam que
ele estava em casa. E tantos foram os que se aglomeraram, que já não
havia lugar à porta. E anunciava-lhes a Palavra".
Jesus
Cristo entra em Cafarnaum,
"... sua cidade..."
(Mt 9, 1),
e:
"...
deixando Nazaré, foi morar em Cafarnaum, à beira-mar"
(Mt 4,
13),
e também:
"Porque a misericórdia
divina não abandona nem aos homens carnais, antes lhes concede a graça
de visitá-los, para que por ela possam fazer-se espirituais. O Senhor
volta do deserto à cidade. 'E entrou de novo em Cafarnaum"
(São Beda).
Cafarnaum, cidade da Galiléia, identificada com a atual Tell Hum, na
margem norte do mar da Galiléia, a Oeste do Rio Jordão. O local se
encontra a cerca de 35 Km de Nazaré.
Cafarnaum é o centro da atividade de Jesus na Galiléia, é uma das
cidades onde Ele fez a maior parte de seus milagres.
"... souberam que ele estava em casa".
J.
Gonzáles Echegaray escreve:
"A casa
de Pedro, segundo o resultado de recentes escavações, era deste modo:
a entrada dá para a rua principal de Cafarnaum, e tem diante uma
pequena esplanada, estando esta um pouco remetida em relação com as
fachadas. A porta dava acesso a um pátio bastante amplo em forma de L
de 84 m2. Para ele abriram-se meia dúzia de compartimentos
com as clássicas janelas e com escada exterior para subir ao telhado.
Um destes compartimentos, o maior, o mais independente e próximo da
entrada geral, foi o que, com certas ampliações e acondicionamentos,
se converteu passados poucos anos em igreja doméstica e mais tarde
constituiu o centro de uma basílica bizantina. Dada a veneração com
que foi tratada, é quase certo que seria o compartimento destinado a
Jesus enquanto viveu na casa. Ao sul do pátio e dos compartimentos
descritos havia outro pátio com novos compartimentos"
(Arqueologia, pág. 85).
O Pe.
Juan Leal escreve:
"A cena tem
lugar em Cafarnaum, aonde Jesus vem de novo (cf. 1, 21). A indicação
temporal vaga (depois de alguns dias) é muito própria de
Marcos. Fora da paixão, só se encontra uma referência temporal precisa
em Mc 9, 2. A casa em que para, o mesmo que em 1, 29; 3, 20; 9, 33,
deve ser a de Pedro. A palavra que lhes exorta equivale, na
linguagem da Igreja primitiva, ao Evangelho (cf. parábola do
semeador)".
O Pe.
Juan de Maldonado comenta: "E outra vez
entrou em Cafarnaum. Ao que se pode juntar do que segue; Ele deve ter
entrado à noite, como um desconhecido, para evitar a afluência do
povo. E supor-se que estava em casa. Como se dissesse: tendo entrado
na cidade às escondidas, não sabia ninguém, além dos discípulos, que
estava ali, e, apesar disso, se divulgou pela cidade. No capítulo
anterior (v. 45) havia dito o evangelista que não podia Cristo entrar
manifestamente nas cidades. Parece que a razão de Cristo voltar agora
a Cafarnaum foi para confirmar com um novo milagre os ânimos daqueles
cidadãos, dispostos como já estavam para receber o Evangelho.
Importava muito para seu plano que fossem constantes os habitantes
daquela cidade principal. Depois de alguns dias. O certo, pois, é que
Cristo voltou depois de alguns dias; que fossem precisamente oito, não
é coisa certa, e não devemos sem argumentos certos querer afirmar o
que o evangelista quis deixar menos determinado. Mais ainda, me atrevo
assegurar que não podia Cristo voltar a Cafarnaum logo aos oito dias,
porque, quando saiu daquela cidade, esteve pregando em muitas
sinagogas da Galiléia, como havia dito antes o mesmo evangelista (1,
39), e para fazê-lo melhor, deve ter aproveitado os dias de sábado, em
que se reuniam as pessoas. Foram, pois, mister muitos sábados entre a
saída e o regresso de Jesus a Cafarnaum. Assim que não é possível que
voltasse oito dias depois. Autores gregos como Teofilacto e Eutímio
não dizem "oito dias", de onde suspeitou que esse acréscimo é
obra de algum copista, que pensava (como esses autores recentes)
que faltava sentido na outra lição indeterminada. E se ouviu que
estava em casa. Não é difícil supor como se podia ouvir que Ele tinha
vindo; podia indicar qualquer familiar ou amigo da casa em que Cristo
se hospedara. A qual indubitavelmente era a casa de Pedro, pois ali é
onde Cristo sempre se hospedava quando estava na cidade, como indica o
evangelista no capítulo anterior (v. 29). E se reuniram. Segundo o
grego literalmente, "logo, em seguida", se juntaram, como se lê
em Teofilacto e Eutímio com maior precisão e ênfase. Pois a intenção
do evangelista é notar o esforço e pressa do povo em acorrer, o qual
se manifesta particularmente por meio da partícula traduzida outras
vezes por "statim" ou ao "punto". De sorte que não
cabiam, nem sequer, fora, junto à porta. Não sem razão especial
pondera o evangelista a multidão ali reunida; como querendo preparar
assim a narração do milagre seguinte, que não se realizou como às
escondidas, antes à vista de toda a cidade, com inumeráveis
testemunhas oculares. O mesmo dá a entender São Lucas em sua narração
(5, 17), quando põe não só os habitantes de Cafarnaum, mas aos
escribas e fariseus que vieram de todos os povoados da Galiléia, da
Judéia, até de Jerusalém; os quais como eram adversários de Cristo,
vem tornar mais ilustre o milagre, não só com sua presença, mas com a
mesma incredulidade e a repreensão que mereceram. Pois como começassem
a murmurar dizendo: Que está este falando? Blasfema. Quem pode
perdoar pecados senão Deus só?; tomando da ocasião, Cristo lhes
diz: Para que saibais que o Filho do homem tem poder na terra de
perdoar os pecados - disse ao paralítico: "Te ordeno; levanta,
toma tua maca e vai para casa".
São Marcos narra que a
casa estava a transbordar:
"E tantos foram os que se aglomeraram, que já não havia lugar à
porta".
O que
Nosso Senhor estava fazendo naquela casa? Com certeza absoluta não
estava contando piadinhas, bebendo bebidas alcoólicas, cantando
canções mundanas, perdendo tempo com conversas ociosas, etc., como
fazem hoje muitos do clero. Ele estava pregando a verdade:
"E anunciava-lhes a Palavra".
Em Mc
2, 3-4 diz:
"Vieram trazer-lhe um paralítico, transportado por quatro homens. E
como não pudessem aproximar-se por causa da multidão, abriram o teto à
altura do lugar onde ele se encontrava e, tendo feito um buraco,
baixaram o leito em que jazia o paralítico".
Sabendo que o Senhor estava naquela casa, trouxeram-Lhe um homem
paralítico. Não podendo entrar na casa por causa da multidão,
"abriram
o teto à altura do lugar onde ele se encontrava e, tendo feito um
buraco, baixaram o leito em que jazia o paralítico".
O Pe.
Francisco Fernández-Carvajal escreve:
"A cobertura das casas
era frequentemente de ramagem com terra batida e palha, fácil de
desmontar", e:
"A casa
onde Jesus estava regurgitava de pessoas até à porta, e não era
possível entrar. De repente, do teto caiu cal e terra, e apareceu uma
larga abertura, da qual, por meio de cordas, se viu descer um leito
tendo em cima um paralítico"
(Pe. João Colombo),
e também: "Para
entender este episódio, convém recordar que as casas da Palestina não
terminam em telhado, mas em terraço, e quase todas têm uma escada
externa que, da rua, sobe diretamente ao terraço, formado por um
assoalho que se apóia num trançado de canas sustentado por traves de
madeira. Bastava levantar uma dessas traves mal fixadas, para fazer
nele uma larga abertura"
(J. Lagrange, O
Evangelho de Jesus Cristo, Morcelliana, Brescia, pág. 124),
e ainda:
"O brilho da descrição sugere dependência de
uma testemunha ocular que pode ser Pedro"
(Pe. Juan Leal).
O Pe.
Juan de Maldonado comenta: "Vem a Ele
trazendo um paralítico. Vêm alguns trazendo um paralítico, ou mais à
letra, certos portadores de um paralítico. Chama os que levavam o
paralítico, a mim parece, não só aos que propriamente o conduziam,
mas a todos os que o acompanhavam - parentes e amigos. Pois aos
portadores os distinguem logo expressamente, quando disse: era
levado por quatro; e parece natural que o paralítico, sobretudo,
era de alguma posição, pois não era levado por familiares, mas por
criados ou gente paga para isso. Ele era levado por quatro. Não
temos de acreditar que o evangelista nota sem motivo o número dos
portadores. Segundo São Beda, significam, já os quatro Evangelhos, já
as quatro virtudes morais, pelas quais, como por certos graus, se
chega a Cristo".
Cristo Jesus é o Senhor
que está sempre pronto a nos ajudar, é preciso que caminhemos ao seu
encontro. Esse caminhar deve acontecer mesmo quando surgirem inúmeros
obstáculos no nosso caminho:
"... tendo feito um buraco, baixaram o leito em que jazia o
paralítico".
Existem milhões de católicos paralíticos espiritualmente; é preciso
aproximá-los de Nosso Senhor, mesmo que encontremos dificuldades pelo
caminho. Talvez todo o apostolado não seja mais que isso: situar as
pessoas diante de Jesus. Com todas as dificuldades que isto pode levar
consigo, com o interesse que puseram estes amigos do paralítico.
Depois, o Senhor fará o resto, como em Cafarnaum.
O
católico que permanece de braços cruzados diante de milhões de pessoas
necessitadas da ajuda espiritual, não possui amor em seu coração:
"Assim,
aquele que sabe fazer o bem e não o faz incorre em pecado"
(Tg 4, 17).
Como
seria bom se cada católico trabalhasse para o bem das almas como
fervoroso missionário; se cada um descruzasse os braços e, fiel à
Santa Doutrina Católica, ajudasse os que estão paralíticos
espiritualmente a aproximarem de Nosso Senhor:
"Nenhum crente, nenhuma instituição da Igreja pode esquivar-se deste
dever supremo: anunciar Cristo a todos os povos"
(João
Paulo II, Carta Encíclica "Redemptoris Missio", 3).
São
milhões os católicos que já acostumaram a viver amontoados e
atarefados sem nada fazer. Quanto egoísmo!
Em Mc
2, 5 diz:
"Jesus, vendo sua fé, disse ao paralítico: 'Filho, os teus pecados
estão perdoados".
O
paralítico foi colocado no solo, o mesmo está sem palavras. A sua
maneira de entrar na casa, os seus olhos, toda a sua pessoa falava por
ele e diziam o que ele esperava. Nosso Senhor disse-lhe:
"Filho, os teus pecados estão perdoados".
Edições Theologica comenta:
"Jesus
põe em realce neste versículo a relação entre a fé e o perdão dos
pecados. A audácia dos que levam o paralítico mostra a fé que tinham
em Cristo. Movido por isso Jesus perdoa os pecados do doente.
Consideremos o que vale a nossa fé diante de Deus, quando a dos outros
é via para que um homem seja curado e exteriormente de modo
instantâneo, e que pelo mérito de uns se remediam as necessidades de
outros", e:
"São Mateus chama Cafarnaum
sua cidade, porque ia ali com frequência e fazia muitos milagres nela.
E se espalhou a voz de que Ele estava em casa; muitos foram até Ele.
Depois levaram-Lhe muitos paralíticos, de que dizem São Mateus e São
Lucas: 'Então chegaram uns conduzindo um paralítico...' Ao encontrar a
porta obstruída pela multidão, não puderam introduzi-lo de nenhum modo
por ela. Esperando, pois, os que o lavavam, que poderia merecer a
graça de sua cura, descobriram o teto e, levantando a maca, o
colocaram diante do Salvador. Vendo Jesus a fé daqueles homens disse
ao paralítico: 'Filho, teus pecados te são perdoados"
(São João Crisóstomo,
Homilia in Matthaeum, 30),
e também: "Para
curar, pois, aquele homem da paralisia, o Senhor começou por desatar
os laços de seus pecados... Deste modo lhe manifestou que por causa
deles estava sofrendo a invalidade de seus membros, cujo uso não podia
recobrar, senão, desatando aqueles laços. Admirável humildade!"
(São Beda).
São
Jerônimo vê na paralisia corporal daquele homem um tipo ou figura da
paralisia espiritual: o tolhido de Cafarnaum também não tinha forças,
por si mesmo, para voltar a Deus. Jesus, Deus e Homem curou-o de ambas
as paralisias (cfr Comm. in Mercum, ad loc.).
As
palavras dirigidas ao paralítico - "os teus pecados te são
perdoados" - refletem que no fato de lhe perdoar se dá um encontro
pessoal com Cristo; o mesmo acontece no sacramento da Penitência:
"A Igreja, pois, ao observar fielmente a plurissecular prática do
sacramento da Penitência - a prática da confissão individual, unida ao
ato pessoal de arrependimento e ao propósito de se corrigir e de
satisfazer - defende o direito particular da alma humana. É o direito
a um encontro mais pessoal do homem com Cristo crucificado que perdoa,
com Cristo que diz, por meio do ministro do sacramento da
Reconciliação: 'São-te perdoados os teus pecados' (Mc 2, 5); 'Vai e
doravante não tornes a pecar' (Jo 8, 11). Como é evidente, isto é ao
mesmo tempo o direito do próprio Cristo em relação a todos e a cada um
dos homens por Ele remidos. É o direito de encontrar-se com cada um de
nós naquele momento-chave da vida humana, que é o momento da conversão
e do perdão"
(João Paulo II, Redemptor hominis, 20),
e:
"Quatro
amigos levam à presença do Senhor um paralítico desejoso de ver-se
livre da doença que o mantém preso ao leito. Depois de inúmeros
esforços para consegui-lo, ouvem as palavras dirigidas ao seu amigo
enfermo: Os teus pecados te são perdoados. É muito possível que
não fossem essas as palavras que esperavam ouvir do Mestre, mas Cristo
indica-nos que a pior de todas as opressões, a mais trágica das
escravidões que um homem pode sofrer é o pecado, pois este não é
apenas mais um dentre os males que podem afligir as criaturas, mas é o
único mal absoluto. Os amigos que levaram o paralítico à presença de
Jesus compreenderam que acabava de ser-lhe concedido o maior de todos
os bens: a libertação dos seus pecados. E nós não podemos esquecer a
grande cooperação para o bem que significa empregarmos todos os meios
ao nosso alcance para desterrar o pecado do mundo. Muitas vezes, o
maior favor, o maior benefício que podemos fazer a um amigo, ao
irmão, aos pais, aos filhos... é ajudá-los a ter muito em conta o
sacramento da misericórdia divina. É um bem para a família, para a
Igreja, para a humanidade inteira, ainda que aqui na terra muito pouca
gente ou nenhuma se aperceba disso"
(Pe.
Francisco Fernández-Carvajal),
e também:
"Filho é empregado como uma forma carinhosa. É estranho que
este aspecto de ternura se perdeu em Lucas, tão propenso a expressões
semelhantes (em Lc 5, 20 se diz homem)"
(Pe. Juan Leal), e
ainda:
"Este milagre é transmitido
pelos três sinóticos. A importância dogmática do mesmo é
extraordinária. Cristo prova, apologeticamente, os poderes de que está
investido com um milagre. E esta doutrina é que Ele tem o poder, e por
sua autoridade, de perdoar os pecados. Porém, este é o poder reservado
exclusivamente no Antigo Testamento a Deus. É, pois, uma argumentação
indireta, porém real, de apresentar Cristo como Deus. Ambas obras
transcendem o poder do homem: uma é efeito da misericórdia divina, e a
outra da onipotência. Anunciar a primeira sem confirmá-la com fatos
podia ser ali contraproducente. Daí o milagre sensível como prova da
renovação invisível. Além disso, o perdão dos pecados é dom messiânico
característico (Jr 31, 34; Ez 36, 25). É um modo indireto de
se apresentar como o Messias. É o processo que se vê nos Evangelhos:
sua revelação, tanto messiânica como divina, vai fazendo gradualmente.
A situação histórica que lhe dá Mc - o que fazem em forma imprecisa
Mt-Lc - está em íntima relação com esta morada de Cristo em Cafarnaun,
pois foi "entrando de novo, depois de alguns dias, em Cafarnaum".
O que diz Mt (9,1) pareceria supor uma ausência maior de Cristo, a
causa de um deslocamento para uma região. Porém, é que Mt 9, 1 não é o
começo de uma nova cena, mas o final de 8, 34"
(Pe. Manuel de Tuya).
Em Mc
2, 6-12 diz:
"Ora, alguns dos escribas que lá estavam sentados refletiam em seus
corações: 'Por que está falando assim? Ele blasfema! Quem pode perdoar
pecados a não ser Deus?' Jesus imediatamente percebeu em seu espírito
o que pensavam em seu íntimo, e disse: 'Por que pensais assim em
vossos corações? O que é mais fácil dizer ao paralítico: 'Os teus
pecados estão perdoados', ou dizer: 'Levanta-te, toma o teu leito e
anda?' Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem poder de
perdoar pecados na terra, eu te ordeno - disse ele ao paralítico -
levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa'. O paralítico
levantou-se e, imediatamente, carregando o leito, saiu diante de
todos, de sorte que ficaram admirados e glorificaram a Deus, dizendo:
'Nunca vimos coisa igual!"
Um
arrepio de horror e de pasmo passou pela alma dos fariseus e dos
hebreus presentes:
"Teriam eles ouvido bem? Então Jesus perdoava os pecados? Profeta
algum jamais ousara falar assim. Não é só Deus quem pode tirar os
pecados? Jesus julgava-se Deus? Ele blasfemou! - pensavam eles;
blasfemou. E o Senhor, que lia esses seus sentimentos ocultos disse:
'Por que pensais mal nos vossos corações? Ora, a fim de que saibais
que eu tenho poder de perdoar na terra os pecados, observai como eu
mando a um paralítico: 'Levante-se! Toma o teu leito! Volta para tua
casa!' E o paralítico levantando-se, tomou o seu leito, e foi-se
embora para casa. Ainda depois de dois mil anos, a Palavra do Filho de
Deus repete-se na terra com a mesma eficácia com que Ele a disse, da
primeira vez, naquela casa destapada de Cafarnaum: 'Coragem, filho:
teus pecados te são perdoados'. Depois de dois mil anos, são infinitos
os paralíticos espirituais, pregados há anos no leito dos seus maus
hábitos, os quais são levados à presença de Jesus no tribunal da
confissão e se sentem miraculosamente curados. Mas não faltam, tão
pouco, os fariseus e os escribas que ainda se escandalizam ante a
bondade de Deus. Nenhum Sacramento é caluniado, desprezado,
maltratado, esquecido como o Sacramento do perdão dos pecados. Assim
como os antigos fariseus, não acreditavam que Jesus fosse o Filho de
Deus e tivesse poder de perdoar os pecados, assim também os modernos
fariseus não crêem que o sacerdote seja o representante de Jesus e
tenha recebido d'Ele o poder de confessar e perdoar"
(Pe.
João Colombo),
e:
"Perdoando-lhe os pecados, antes de curar aquele pobre paralítico,
quis Nosso Senhor, ensinar-nos que os nossos desmandos são, muitas
vezes, a causa das nossas enfermidades. Pedem-lhe a cura do corpo,
Jesus cura também a alma, confirmando com um milagre estupendo a sua
divindade. Se Ele pode dizer a um paralítico - levanta-te e anda, pode
também perdoar-lhe os pecados. Se pode perdoar-lhe os pecados, é
certamente Deus. Infelizmente, porém, os fariseus de então, como os de
hoje, não aceitam a consequência lógica das premissas estabelecidas
por eles mesmos"
(Dom Duarte Leopoldo),
e também:
"O acusaram de blasfêmia, apressando assim sua sentença de morte,
porque mandava a lei que fosse castigado de morte qualquer um que
blasfemasse. E lançavam sobre Ele esta sentença, porque se atribuía
ao poder divino de perdoar os pecados: 'Quem pode perdoar os pecados,
continua, senão Deus só?' Ele que é o único Juiz de todos e que tem o
poder de perdoar os pecados"
(São Cirilo de Alexandria),
e ainda: "E disse:
'Pega a sua maca' para fazer mais evidente o milagre, mostrando que
não é coisa que se realiza na fantasia, mas no fato positivo e
patente. E para mostrar que não só curava, mas que devolvia a força ao
enfermo. Assim, não somente separa os homens do pecado, mas lhes dá a
virtude para cumprir os mandamentos"
(Teofilacto),
e: "Fez um milagre
visível para provar outro invisível, ainda que seja obra de igual
poder o curar os vícios do corpo e os do espírito, pelo que disse: 'E
num instante se pôs de pé, e carregando a sua maca, caminhou à vista
de todos" (São
Beda), e
também:
"Primeiramente curou perdoando os pecados, para isso Ele veio, isto é,
para o espírito. E para que não duvidassem os incrédulos, fez um
milagre publicamente para confirmar a palavra com a obra e para
demonstrar o milagre oculto, ou seja, a cura do espírito pela medicina
do corpo" (São
João Crisóstomo),
e ainda: "Não
dando importância à remissão dos pecados, que era o mais importante,
se admiram tão somente da cura do corpo"
(Victor Antiqueno),
e: "Não é este o
paralítico de cuja cura fala São João: àquele não o acompanhava
ninguém, e este era levado por quatro homens; o primeiro foi curado na
piscina, o último em uma casa. É o mesmo, pois, cuja cura referem São
Mateus e São Marcos. Em sentido místico, Cafarnaum, onde está agora
Cristo, significa casa do consolo; isto é, na Igreja que é a casa do
paralítico" (Teofilacto).
Edições Theologica comenta:
"São vários os elementos que manifestam aqui a divindade de Jesus:
perdoa os pecados, conhece por Si mesmo a intimidade do coração humano
e tem poder para curar instantaneamente doenças corporais. Os escribas
sabem que só Deus pode outorgar o perdão das culpas e por isso
consideram infundada, e inclusivamente blasfema, a afirmação do
Senhor. Necessitam de um sinal que mostre a verdade daquelas palavras.
E Jesus oferece-lhe: assim como ninguém discutirá a cura do
paralítico, do mesmo modo ninguém poderá negar razoavelmente a
libertação das suas culpas. Cristo, Deus e Homem, exerceu o poder de
perdoar os pecados e, pela Sua infinita misericórdia, quis estendê-lo
à Santa Igreja".
O Pe.
Juan Leal comenta Mc 2, 6-12:
"O
perdão é um direito de Deus na mentalidade do Antigo Testamento
(cf. Ex 34, 6ss; Is 43, 25; 44, 22), e, em consequência, tomar
este direito é blasfemá-lo. Isto é o que pensam dentro de si os
escribas, sem explicação da palavra. Jesus lê seus pensamentos e lhes
faz uma pergunta. Do êxito visível da cura resulta evidente que as
palavras da remissão dos pecados não são uma blasfêmia. Com o milagre,
atributo divino, Jesus confirma suas palavras e manifesta seus
poderes. Também este milagre, como os demais (cf. Lc 11, 20; Mt 12,
28), o mesmo que os exorcismos, têm a finalidade primordial de
indicar a presença ou proximidade do reino. O perdão dos pecados é o
dom messiânico por excelência (Jr 31, 34; Ez 36, 25). Toda a
cena oferece várias dificuldades. A principal está em que Jesus faz
profissão ante os escribas do poder de perdoar os pecados, o que
parece que está contra o proceder do 'segredo messiânico' com
que lhe apresenta Marcos no ministério Galileu até a paixão".
O Pe.
Francisco Fernández-Carvajal escreve:
"Cristo liberta do pecado com o seu poder divino: Quem pode
perdoar pecados senão só Deus? Ele veio à terra para isso:
Deus, porém, rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou,
e estando nós mortos pelos nossos pecados, deu-nos a vida por Cristo.
Depois de perdoar o paralítico os seus pecados, o Senhor curou-o
também dos seus males físicos. Este homem não deve ter demorado a
compreender que a sua grande
sorte fora a primeira: sentir a sua alma traspassada pela misericórdia
divina e poder olhar para Jesus com um coração limpo.
O paralítico ficou curado de alma e de
corpo. E os seus amigos são hoje um exemplo para nós de como devemos
estar dispostos a prestar a nossa ajuda para o bem das almas -
sobretudo mediante um apostolado pessoal de amizade - e a potenciar o
bem humano da sociedade por todos os meios ao nosso alcance:
oferecendo soluções positivas para anular o mal, colaborando com
qualquer obra a favor do bem, da vida...
Não é
raro observar como, na vida social, muitos adotam uma atitude de meros
espectadores perante problemas que os afetam, às vezes profundamente,
a eles próprios, aos seus filhos ou ao seu ambiente social... Têm a
impressão errada de que são "os outros" que deveriam tomar
iniciativas para sustar o mal e fazer o bem, e não eles próprios;
contentam-se com um lamento ineficaz.
Um cristão não pode adotar essa linha de
conduta, porque sabe muito bem que deve exercer dentro da sociedade o
papel de fermento. No meio das realidades humanas, o que a alma
é no corpo, isso são os cristãos no mundo. Esse é o lugar que Deus
lhes fixou e não lhes é lícito desertar dele.
Existe
uma obrigação positiva de cooperar para o bem, que deve levar todo o
cristão a contribuir com o máximo das suas forças para informar todos
os campos da sua atividade com a mensagem de Cristo, fugindo de
atitudes que se limitem a não praticar pessoalmente obras más.
A
cooperação para o bem inclui, logicamente, que não se coopere para o
mal, no muito ou no pouco que esteja ao nosso alcance: não
comprar revistas, jornais, livros... que, pelo seu caráter sectário
anticristão ou imoral, fazem mal às almas; não comprar o jornal
naquela banca e sim em outra, ainda que tenhamos que andar um pouco
mais, porque a primeira distribui publicações que atacam a nossa Mãe
Igreja ou ofendem a moral; não ser cliente de uma farmácia que anuncia
anticoncepcionais...; ou não adquirir determinado produto - talvez de
melhor qualidade - lançado por uma empresa que patrocina um programa
imoral na televisão ou no rádio ou que publica anúncios imorais...
Se os cristãos tíbios não comprassem
determinadas revistas e publicações e aconselhassem os seus amigos a
fazer o mesmo, muitas delas não poderiam subsistir. Dá pena pensar
que, às vezes, grande parte do enorme mal que essas publicações causam
é devido aos meios econômicos de muitos cristãos acomodados que, por
outro lado, se queixam da crise moral da sociedade.
O
cristão deve cooperar para o bem, pesquisando e oferecendo soluções
positivas para os problemas de sempre e para os que vão aparecendo
pelas condições particulares da sociedade atual. A sua pior derrota
seria calar-se e inibir-se, como se se tratasse de assuntos que não
lhe dissessem respeito.
Um bom
cristão não deve limitar-se a não dar o seu voto a um partido ou a um
projeto que ataque o ideal da família cristã, a liberdade de ensino ou
a vida desde a sua concepção. Essa atitude não é suficiente. É preciso
que se
empenhe em levar a cabo, de
acordo com as suas possibilidades, um apostolado doutrinal constante,
intenso, sem falsas prudências e sem medo de navegar contra a
corrente.
Este
apostolado doutrinal que cada um há de empreender no seu ambiente,
contribuindo para difundir a doutrina de Cristo de forma capilar,
acaba por fazer que o fermento transforme a massa.
A tarefa de recristianizar a sociedade
atual assemelha-se à que empreenderam os nossos primeiros irmãos na
fé, e exige que se lance mão de meios análogos aos que eles
empregaram: a exemplaridade na atuação privada e pública, a oração, a
amizade e a nobreza no trato, a autoridade proveniente do prestígio
profissional, a solidariedade com os anseios justos dos outros, o
desejo profundo de vê-los felizes, além da convicção de que não existe
paz - nem pessoal, nem familiar, nem social - à margem de Deus.
Os
primeiros cristãos encontraram-se mergulhados num ambiente bem
afastado da doutrina que traziam no coração, e, ainda que não tivessem
deixado de fazer ouvir a sua voz contra costumes que aviltavam até a
própria dignidade humana, não gastaram as suas melhores energias em
queixar-se e em denunciar o mal. Preferiram, pelo contrário,
empregar-se a fundo em difundir o tesouro que traziam na alma,
mediante um testemunho alegre e fraternal, e servindo a sociedade com
inumeráveis iniciativas de cultura, de assistência social, de ensino,
de redenção dos cativos, etc. Teriam podido passar a vida vasculhando
tudo o que não estava de acordo com o ideal de uma vida reta... e
teriam deixado de dar ao mundo a verdadeira solução, que era então
como um grão de mostarda, mas que continha dentro de si uma força
portentosa.
Para identificar o mal, não se requer
uma grande esperteza; para descobrir os interesses de Deus a todo o
instante, requer-se espírito cristão. Tenhamos os olhos abertos para o
bem, como esses verdadeiros bons amigos do paralítico de que nos fala
São Marcos, e procuremos - tal como nos aconselha São Paulo - vencer o
mal com o bem.
Comecemos por dar todo o destaque às virtudes daqueles que estão perto
de nós: à generosidade do amigo, à laboriosidade do colega de
trabalho, ao espírito de colaboração da vizinha, à paciência do
professor... Fomentemos depois tudo o que nasce de positivo à nossa
volta: umas vezes, com uma palavra de ânimo; outras, com uma
colaboração efetiva de tempo e dinheiro. Perante tanta leitura inútil
ou prejudicial, difundamos a notícia do lançamento de um bom livro, de
uma revista que pode estar dignamente na sala de estar de uma família,
sem que os pais tenham de sentir-se envergonhados diante dos filhos...
Escrevamos uma cartinha ao jornal ou à emissora de TV, elogiando e
agradecendo um bom programa, um bom artigo... custa pouco e é sempre
eficaz.
Deus
não pede aos seus filhos que sejam ingênuos perante o mal e os duros
acontecimentos da vida; pede-lhes, sim, que não sejam nunca
ressentidos e azedos, que tenham olhos para ver o que há de bom nas
pessoas e nas realidades sociais, que não passem a melhor parte dos
seus dias entregues a lamentações estéreis, mas dando a conhecer o
imenso tesouro da fé, que é capaz de transformar as pessoas e a
sociedade. Não esqueçamos que o bem é atrativo, contagioso e gera
sempre muito mais felicidade que a tibieza. E essa alegria que
transbordará das nossas vidas é também uma forma de cooperar para o
bem; frequentemente, a mais eficaz".
Pe.
Divino Antônio Lopes FP.
Anápolis, 25 de setembro de 2007
Vide também:
Abriram
o teto
Carregando a maca
Transportado
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