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                    ESTEVE 
                    NO DESERTO QUARENTA DIAS 
                    
                    
                    (Mc 1, 12-15) 
                    
                    
                      
                    
                    
                    “12 
                    E logo o Espírito o impeliu para o deserto. 
                    13 
                    E ele esteve no deserto quarenta dias, sendo tentado por 
                    Satanás; e vivia entre as feras, e os anjos o serviam.
                    14 
                    Depois que João foi preso, veio 
                    Jesus para a Galiléia proclamando o Evangelho de Deus:
                    15 
                    ‘Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. 
                    Arrependei-vos e crede no Evangelho”. 
                      
                    
                       
                      
                    
                    Em Mc 1, 
                    12-13 diz: “E logo o Espírito o 
                    impeliu para o deserto. E ele esteve no deserto quarenta 
                    dias, sendo tentado por Satanás; e vivia entre as feras, e 
                    os anjos o serviam”. 
                    
                    
                      
                    
                    
                    São João 
                    Crisóstomo escreve: 
                    “Ali lutou contra 
                    o diabo para que cada um dos batizados resistisse 
                    pacientemente as maiores tentações depois do batismo, e para 
                    que permanecesse vencedor...” 
                    (Hom. 13 sobre São Mateus), 
                    e: “Para 
                    que ninguém duvidasse que foi o Espírito que o levou ao 
                    deserto, São Lucas (4, 1), pôs em primeiro lugar, que Jesus 
                    voltou do Jordão cheio do Espírito Santo, para logo 
                    concluir: ‘E era levado ao deserto pelo Espírito’. Com isto 
                    ninguém deve julgar que o espírito imundo prevaleceria 
                    contra Ele, o qual cheio do Espírito Santo  ia onde queria e 
                    fazia o que queria” 
                    (São Beda), 
                    e também: 
                    “O Espírito O 
                    levou ao deserto para oferecer ocasião ao diabo para que O 
                    tentasse não só pela fome, mas pelo lugar, já que o diabo se 
                    aproxima com preferência dos que permanecem solitários”
                    (São 
                    João Crisóstomo, Ut Sup), 
                    e ainda: 
                    “Se retira ao 
                    deserto para nos ensinar a abandonar a adulação do mundo e 
                    as más amizades, e a guardar em tudo os preceitos divinos. 
                    Foi tentado pelo diabo para indicar-nos que todos os que 
                    querem viver piedosamente em Cristo sofrem perseguições. E 
                    continua: ‘E esteve no deserto quarenta dias e quarenta 
                    noites, e era tentado por Satanás’. Foi tentado quarenta 
                    dias e quarenta noites, para nos mostrar que em todo o tempo 
                    que servirmos ao Senhor nesta vida... seremos atacados pelo 
                    adversário, que com a tentação não cessa de por obstáculos 
                    no nosso caminho”
                    
                    (São Beda), 
                    e: 
                    “Disse isso para mostrar que tipo de deserto era. Não havia 
                    nele caminho para      os homens, e estava cheio de animais 
                    ferozes. E acrescenta: ‘E os anjos o serviam’. Porque depois 
                    da tentação e da vitória contra o diabo, realizou a salvação 
                    dos homens. E como disse a Escritura (Hb 1, 14): ‘Os Anjos 
                    são enviados para servir àqueles que tomam a herança da 
                    salvação’. É de notar que os anjos servidores assistem aos 
                    que vencem as tentações” 
                    (São João Crisóstomo), 
                    e também: 
                    “Devemos considerar também que Cristo mora entre as feras 
                    como homem, e que é servido pelos anjos como Deus. Do mesmo 
                    modo nós, quando toleramos os bárbaros costumes dos homens 
                    sem manchar nossa alma, merecemos o serviço dos anjos, com 
                    os quais, livres do corpo, nos levam à eterna felicidade”
                    (São 
                    Beda), 
                    e ainda: 
                    “É quando a carne 
                    não deseja contra o espírito, quando estão pacíficas conosco 
                    as feras; como na arca de Noé, os animais puros com os 
                    impuros. Depois disto nos são enviados os anjos para 
                    consolar nossos corações vigilantes” 
                    (São Jerônimo). 
                    
                    
                      
                    
                    
                    Edições 
                    Theologica comenta Mc 1, 13. 
                    
                    
                    São Mateus (4, 
                    1-11) e São Lucas 4, 1-13 narram com mais pormenores as 
                    tentações de Jesus. Jesus quis ensinar-nos, submetendo-Se às 
                    tentações, que estas não são 
                    de temer, mas, pelo contrário, 
                    podem ser a ocasião de um progresso na vida interior. 
                    “Deus permite as tentações em 
                    primeiro lugar, para que com elas reconheçamos melhor a 
                    nossa debilidade e a necessidade que temos da ajuda de Deus 
                    para não cair (...); em segundo lugar, Deus permite-as para 
                    que cada um aprenda a viver desprendido das coisas materiais 
                    e deseje mais fervorosamente chegar à contemplação de Deus 
                    no Céu (...); e, em terceiro lugar, para nos enriquecer de 
                    méritos (...). Com efeito, quando a alma começa a ser 
                    agitada por tentações e se vê em perigo de cair no pecado, 
                    recorre então a Deus, recorre à Mãe divina, renova o 
                    propósito de morrer antes que pecar, humilha-se e abandona 
                    nos braços da misericórdia divina, e assim consegue alcançar 
                    mais fortaleza e une-se a Deus mais estreitamente, como 
                    atesta a experiência” 
                    (Santo Afonso Maria de Ligório, A Prática do amor a Jesus 
                    Cristo, cap. 17). 
                    
                    Por outro 
                    lado, como no caso do Senhor, nunca faltará nas tentações a 
                    ajuda divina: “Jesus suportou a 
                    prova, uma prova verdadeira (...). O Demônio, com retorcida 
                    intenção, citou o Antigo Testamento: ‘Deus enviará os 
                    seus Anjos para que protejam o Justo em todos os seus 
                    caminhos’ (Sl 91, 11). 
                    Mas Jesus, recusando-Se a tentar o Pai, devolve a esse passo 
                    bíblico o seu verdadeiro sentido. E, como prêmio da Sua 
                    fidelidade, chegado o tempo, apresentam-se os mensageiros de 
                    Deus Pai para O servirem (...). Devemos encher-nos de ânimo, 
                    visto que a graça do Senhor não nos faltará, pois Deus 
                    estará a nosso lado e enviar-nos-á os Seus Anjos, para que 
                    sejam nossos companheiros de viagem, nossos prudentes 
                    conselheiros ao longo do caminho, nossos colaboradores em 
                    todos os empreendimentos” 
                    (São Josemaría Escrivá, Cristo que passa, n.°63). 
                    
                      
                    
                    Esse 
                    trecho de São Marcos é comentado pelo Pe. Gabriel de Santa 
                    Maria Madalena. 
                    
                    Ao 
                    contrário dos outros sinóticos, Marcos não se detém a 
                    descrever as várias tentações, mas sintetiza muito 
                    brevemente: “E logo o Espírito 
                    impeliu Jesus para o deserto. Aí esteve quarenta dias e foi 
                    tentado pelo demônio”. Isto acontece 
                    imediatamente após o batismo no Jordão; assim como no Jordão 
                    quis Jesus juntar-se aos pecadores, como se fosse um deles, 
                    necessitado de purificação, assim também no deserto quer 
                    fazer-se semelhante a eles até na tentação, extremo limite 
                    consentido por sua santidade. Mas, aceitando a luta com 
                    Satanás, da qual sai absolutamente vitorioso, mostra Jesus 
                    que veio libertar o mundo do domínio do Maligno e, ao mesmo 
                    tempo, merece para todo homem forças necessárias para vencer 
                    as insígnias diabólicas. Embora batizado, não está o cristão 
                    isento delas; pelo contrário, muitas vezes quanto mais se 
                    esforça para servir a Deus com fervor, tanto mais tenta o 
                    demônio impedir-lhe o caminho, como quis impedir a Cristo de 
                    cumprir sua missão redentora. É mister então recorrer às 
                    armas usadas pelo próprio Jesus: penitência, oração e 
                    perfeita conformidade à vontade do Pai: 
                    “Está escrito: não 
                    só de pão vive o homem, mas de toda palavra que procede da 
                    boca de Deus” (Mt 4, 4). 
                    Quem é fiel à Palavra de Deus, quem dela se alimenta 
                    constantemente, não poderá ser vencido pelo Maligno. 
                    
                    Católico, 
                    não se desespere diante das tentações; lembre-se de que 
                    Nosso Senhor está ao seu lado para te fortalecer: 
                    “O Senhor está sempre ao nosso lado, 
                    em cada tentação, e nos diz afetuosamente: Confiai: Eu 
                    venci o mundo. E nós nos apoiamos n’Ele porque, se não o 
                    fizéssemos, pouco conseguiríamos sozinhos. Tudo posso 
                    n’Aquele que me conforta... O Senhor é a minha luz e 
                    salvação; a quem temerei? Podemos prevenir as tentações 
                    mediante a mortificação constante, mediante a prática da 
                    caridade e a guarda dos sentidos internos e externos. 
                    Devemos também fugir das ocasiões de pecar, por pequenas que 
                    sejam, pois aquele que ama o perigo nele perecerá. E 
                    juntamente com a mortificação, a oração: Vigiai e orai 
                    para que não entreis em tentação. É necessário repetir 
                    muitas vezes e com confiança a oração do Pai Nosso: Não 
                    nos deixeis cair em tentação. Já que o próprio Senhor 
                    põe nos lábios humanos esse pedido, é bom repeti-lo 
                    incessantemente. E também combatemos a tentação 
                    manifestando-a abertamente ao diretor espiritual, pois 
                    expô-la é vencê-la. Quem revela as suas tentações ao diretor 
                    espiritual pode estar certo de que Deus lhe concede a graça 
                    necessária para ser bem orientado. Contamos sempre com a 
                    graça de Deus para vencer qualquer tentação”, 
                    e:  “Não 
                    te esqueças, meu amigo, de que precisas de armas para vencer 
                    nesta batalha espiritual. As tuas armas serão: a oração 
                    contínua, a sinceridade e franqueza com o teu diretor 
                    espiritual, a Santíssima Eucaristia e o Sacramento da 
                    Penitência, um generoso espírito de mortificação cristã – 
                    que te levará a fugir das ocasiões e a evitar a ociosidade 
                    -, a humildade de coração e uma devoção terna e filial à 
                    Santíssima Virgem – Consoladora dos aflitos e Refúgio dos 
                    pecadores. Dirige-te sempre a Ela com confiança e diz-lhe: 
                    ‘Minha Mãe, confiança minha!” 
                    (S. Canals). 
                    
                    
                      
                    
                    
                    O Pe. Juan Leal 
                    comenta Mc 1, 12-13. 
                    
                    
                    A introdução de 
                    Marcos tem por fim apresentar a inauguração da era 
                    escatológica. O ponto culminante é o batismo e a tentação. 
                    No batismo aparece o Espírito descendo sobre Jesus, e na 
                    tentação levando-O ao encontro com Satanás. Porém, esse 
                    espírito já é profetizado no v. 8. 
                    
                    
                    Agora bem, a 
                    ideia de espírito está associada com a ideia de 
                    poder (cf. Mq 3, 8; Lc 1, 17; 4, 14; At 10, 38, etc.). 
                    
                    
                    Pelo que toca à 
                    narração, chama a atenção a brevidade de Marcos em 
                    comparação com Mateus e Lucas. Este ponto é interessante 
                    para a questão crítica, referente à composição dos 
                    evangelhos, se Marcos conheceu ou não a fonte comum 
                    utilizada por Mateus e Lucas. Pode havê-la conhecido e haver 
                    omitido suas referências mais detalhadas; seu relato seria 
                    assim o resíduo de uma tradição mais desenrolada que se há 
                    conservada melhor em Mateus e Lucas; porém, o mais  provável 
                    é que não a conheceu, pois se a tivesse conhecido, a teria 
                    usado de muito bom grado.   
                    
                    
                    
                    V. 12. O verbo
                      
                    é usado por São Marcos dezessete vezes e onze vezes para 
                    indicar a expulsão dos demônios. O verbo parece significar 
                    aqui uma forte propulsão.  
                    
                    
                    V. 13.
                      
                    é usado de uma prova com intenção hostil. A decisão do drama 
                    escatológico se ventila longe do mundo dos homens. No mundo 
                    dos homens terá depois a repercussão.  O mesmo sucede no 
                    Apocalipse de São João (cf. 12). O deserto tem na Escritura 
                    frequentemente um significado teológico. É o lugar da prova. 
                    
                    
                    Algum intérprete 
                    observa que a narração tem valor catequético: “O cristão 
                    que acaba de ser batizado deve esta disposto, como seu 
                    Senhor, a fazer frente imediatamente aos ataques do 
                    tentador”. É verdade, porém, a intenção primordial se 
                    move no sentido da literatura apocalíptica. 
                     
                    
                    
                    O Espírito O 
                    leva ao encontro do príncipe deste mundo. É básica na 
                    apocalíptica a certeza de que, quando a consumação está 
                    próxima, a vitória só  virá depois de uma luta 
                    intensificada. 
                    
                    
                    Em 3, 29, o 
                    Espírito está identificado com o poder operante de Jesus 
                    que expulsa os demônios (3, 22). Há um manifesto paralelo 
                    entre a passagem, a tentação e o debate sobre os exorcismos 
                    em 3, 21-30. 
                    
                    
                    Na tentação, a 
                    luta está inaugurada, porém não concluída. Seguirá nos 
                    exorcismos. Neste encontro inicial, o reino de Deus está se 
                    aproximando. Este acontecimento assinala o começo da 
                    última hora. 
                    
                    
                    É de notar que o 
                    termo “diabo”, que pertence a um extrato mais tardio  
                    da tradição evangélica, nunca se encontra em Marcos. Marcos 
                    usa “Satanás”, enquanto os outros dois sinópticos 
                    usam “o diabo”; o mesmo na passagem das tentações
                    da parábola do semeador. 
                    
                    
                      
                    
                    
                    Esse trecho 
                    da Palavra de Deus (Mc 1, 12-13) é comentado pelo Pe. Manuel 
                    de Tuya. 
                    
                    
                    O relato da 
                    “tentação” está reduzido ao mínimo por Marcos. Quase é 
                    uma alusão à mesma, já que Mt-Lc a relatam com  amplitude. 
                    Portanto, Mt põe as tentações depois do jejum de quarenta 
                    dias, Mc e Lc as põem literalmente distribuídas através dos 
                    quarenta dias. Dois são os pontos que interessam ante essa 
                    brevidade do relato de Mc e sua descrição tão especial. 
                    
                    
                    Que significa 
                    este morar entre as feras e que os anjos o serviam? Para 
                    alguns seria uma simples expressão colorida de Mc, com o 
                    qual se descrevia assim o lugar agreste onde Cristo morava e 
                    sua solidão, ou simplesmente uma expressão pitoresca do 
                    gosto de Mc. 
                    
                    
                    Nesta região do 
                    deserto do Jordão se encontravam ainda animais selvagens: 
                    víboras, cabras selvagens, gazelas, águias, e à noite se 
                    ouvem os uivos dos chacais e hienas. No tempo de Eliseu 
                    havia nos bosques entre Jericó e Betel ursos (2 Rs 2, 24). O 
                    mosaico de Madaba (s. VI. d. C.) põe nesta região leões. E 
                    Abel observa que a fauna selvagem atual está muito 
                    empobrecida em relação à da época bíblica (Smith, The 
                    historical Geography and the Holy Land (1931) p. 316; Abel, 
                    Geógraphie de la Pal. (1938 p I.ª p. 224). 
                     
                    
                    
                    Outros o 
                    apresentam numa relação mais lógica com as velhas 
                    experiências dos quarenta anos do deserto. A finalidade 
                    destas tentações é manifestamente messiânica. Era crença em 
                    Israel que o deserto seria lugar de ação messiânica, e que 
                    de alguma maneira se repetiriam nos dias messiânicos as 
                    experiências - tentações - do êxodo.  Por isso se relaciona 
                    este morar entre animais selvagens com as serpentes de fogo 
                    do deserto (Dt 8, 15; 32, 10) e com a alimentação prodigiosa 
                    do maná (Dt 8, 3; 29, 5), chamado nos LXX e na Sabedoria 
                    “pão dos anjos” (Sl 78, 24-25; Sb 16, 20-21). 
                    
                    
                    Além disso, se 
                    fez ver que, na tradição judaica, a fuga do diabo e o 
                    domínio das feras selvagens são coisas unidas, como se 
                    demonstra no “Testamento dos doze Patriarcas”. Assim, 
                    estas expressões se aludiriam às tentações messiânicas de 
                    Cristo, relatadas com amplitude por Mt-Lc: a vitória sobre 
                    Satanás e o “serviço” que os anjos fazem a Cristo ao 
                    terminar as tentações (Mt). 
                    
                    
                    Pensa-se também 
                    que, sendo Cristo o Messias profetizado por Isaías, n’Ele 
                    que se anuncia uma criação nova que implica a pacificação do 
                    reino animal, pudera também estar esta expressão de Mc 
                    evocando esta vitória messiânica de Cristo e a vantagem de 
                    sua restauração. Tanto mais, que “na Escritura  se une e 
                    se evoca o anúncio da nova criação e a do novo êxodo. É 
                    lícito, pois, crer que, ao mesmo tempo, que na morada dos 
                    hebreus no deserto, o segundo evangelista pensa na 
                    restauração da paz paradisíaca, quando mostra a Jesus 
                    Messias vivendo na companhia das feras; não há  lugar a 
                    temê-las, porque é uma afirmação bíblica constante, 
                    ilustrada especialmente pelo salmo 91, e que se aplica mais 
                    ainda ao Messias, que o homem domina facilmente ao mundo 
                    inferior quando se mantêm em amizade perfeita com Deus e 
                    triunfa do mal moral... Situado como está num contexto 
                    escatológico, a fórmula evangélica “com as feras” (= metà 
                    ton theríon) evoca especialmente o pacto com as feras 
                    selvagens (metà ton theríon) que em Oséias (2, 18) acompanha 
                    a restauração da aliança” 
                    (Feuillet, L’ épisode de la 
                    tentation d’après Saint Marc: Est. Bib. (1960) 68-69; cf. Mc 
                    16, 17-18; Lc 10, 17-19). 
                    
                    
                    O relato de Mc, 
                    é primitivo? Assim o sustenta muitos. Seria um resumo da 
                    tentação, que havia dado origem a uma elaboração em Mt-Lc, 
                    ou que estas são produto de uma mistura de fontes. 
                     
                    
                    
                    Porém, isso não 
                    é evidente. Batismo e tentação estão intimamente ligados, 
                    como o estão a passagem do mar Vermelho e a morada no 
                    deserto. Isto é primitivo. Porém esta vinculação está muito 
                    melhor marcada por Mt-Lc. A mesma vitória sobre o diabo, 
                    essencial na tentação, em Mc está mais citada que 
                    apresentada em forma explícita que tem em Mt-Lc. “Tudo 
                    sucede como se o autor do segundo evangelho, conhecendo um 
                    relato da tentação muito mais  desenvolvido, do gênero do 
                    qual nos hão conservado os outros dois sinóticos, o houvesse 
                    voluntariamente abreviado, sem dúvida, porque é considerada 
                    que a discussão entre Jesus e Satanás, com ajuda dos textos 
                    da Escritura, como também as duas últimas tentações com suas 
                    circunstâncias estranhas, podiam desorientar a seus leitores 
                    de origem pagã e debilitar a proclamação qual ele pretendia 
                    fazer da transcendência de Cristo. Também se pode estimar, 
                    mas simplesmente, que o ambiente cristão especial, cujas 
                    tradições ele refletia, tinha o costume de passar 
                    rapidamente sobre este episódio, que se contentava em 
                    resumir” 
                    (Feuillet, a. c: Est. Bib. 
                    (1960) 73; Dupont, 
                    L’arrière-fond biblique du récit des tentations de Jésus: 
                    New Test. Studies (1957) 287 ss). 
                    
                    
                      
                    
                    
                    
                    PIB  comenta Mc 1, 12. 
                    
                    
                    Logo: 
                    fórmula de  transição preferida por Marcos, e tem o mais das 
                    vezes o sentido atenuado de: “e depois”, sem 
                    sequência imediata estrita. – A fórmula de transição usada 
                    por Mateus é “e então”, ao passo que Lucas emprega:
                    “e aconteceu”. 
                    
                      
                    
                    Em Mc 1, 
                    14-15 diz: “Depois que João foi 
                    preso, veio Jesus para a Galiléia proclamando o Evangelho de 
                    Deus: ‘Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. 
                    Arrependei-vos e crede no Evangelho”. 
                    
                    
                      
                    
                    
                    São João 
                    Crisóstomo escreve: 
                    “São Marcos evangelista segue na 
                    ordem a São Mateus. É assim que, depois que disse que os 
                    anjos o serviam, acrescentou: ‘Depois que foi entregue João 
                    chegou Jesus’. Depois das tentações e de ser servido pelos 
                    anjos, partiu para a Galiléia”, 
                    e: 
                    “E assim como nos mostra que das perseguições convêm fugir e 
                    não esperar” 
                    (Teofilacto), 
                    e também:
                    “Ele se 
                    retirou também com o fim de conservar-se para os 
                    ensinamentos e curas antes de sua Paixão e, uma vez 
                    cumpridas todas estas coisas, fazer-se obediente até a 
                    morte” 
                    (São João Crisóstomo), 
                    e ainda:
                    “Preso 
                    São João, começou o Senhor a pregar oportunamente, pelo que 
                    continua: ‘Pregando o Evangelho’, porque onde tem fim a lei 
                    é consequente que tenha origem o Evangelho” 
                    (São Beda), 
                    e: 
                    “Desaparecendo a sombra, aparece a verdade. São João no 
                    cárcere, a lei na Judéia; Jesus na Galiléia, São Paulo 
                    pregando às gentes o Evangelho do reino. A pobreza sucede o 
                    reino terreno, o reino sempiterno se dá à pobreza dos 
                    cristãos. A honra terrena se compara à espuma, à água 
                    congelada, ao fumo ou ao sonho” 
                    (São Jerônimo), 
                    e também:
                    
                    “Cumprido já o tempo, ou seja, quando verdadeiramente chegou 
                    a plenitude dos tempos e enviou Deus a seu Filho (Gl 4), foi 
                    conveniente que o gênero humano obtivesse a última graça de 
                    Deus. Por isso disse que o reino de Deus se havia 
                    aproximado. Porém, o reino de Deus é, enquanto à substância, 
                    o mesmo que o reino dos Céus... Se entende por reino de Deus 
                    aquele em que Deus reina; isto é, nas regiões dos vivos, 
                    quando se vive nas boas promessas de ver a Deus face a face. 
                    Aquela região se pode entender, seja pelo amor, seja por 
                    alguma outra prova daqueles que levam a imagem divina. Isto 
                    se entende por céus. É bem claro que o reino de Deus não se 
                    encerra em nenhum lugar e tempo” 
                    (São João Crisóstomo), 
                    e ainda:
                    “Disse o 
                    Senhor que o tempo da lei foi cumprido. É como se dissesse. 
                    Até o tempo presente tem imperado a lei; para frente será 
                    renovado o reino de Deus que, segundo o Evangelho, à 
                    vida.      Esta se identifica convenientemente com o reino 
                    dos céus. Quando vemos que algum mortal vive segundo o 
                    Evangelho, não dizemos que tem o reino dos céus? Este não é 
                    alimento, nem bebida, mas justiça, paz e gozo no Espírito 
                    Santo. E continua: ‘Fazei penitência” 
                    (Teofilacto), 
                    e: 
                    “Faça 
                    penitência quem quiser unir-se ao eterno Bem, isto é, ao 
                    reino de Deus”
                    
                    (São Jerônimo). 
                    
                    
                      
                    
                    
                    Edições 
                    Theologica cometa Mc 1, 14-15. 
                    
                    
                    “Evangelho de Deus”: Esta expressão encontramo-la em 
                    São Paulo (Rm 1, 1; 2 Cor 11,7; etc.) como equivalente à de
                    “Evangelho de Jesus Cristo” (Fl 1, 1; 2 Ts 1, 8; 
                    etc.), insinuando-se deste modo a divindade de Jesus Cristo. 
                    A chegada iminente do Reino exige uma conversão autêntica do 
                    homem a Deus (Mt 4,17; 10, 7; Mc 6, 12; etc.). Já os 
                    Profetas tinham falado da necessidade de converter-se e de 
                    abandonar os maus caminhos que seguia Israel, longe de Deus 
                    (Jr 3, 22; Is 30,15; Os 14, 2; etc.). Tanto João Batista 
                    como Cristo e os Seus Apóstolos insistem em que é preciso 
                    converter-se, mudar de atitude e de vida como condição 
                    prévia para receber o Reino de Deus. O Papa João Paulo II 
                    realça a importância da conversão perante o Reino de Deus, 
                    expressão clara da Sua misericórdia: 
                    “Portanto, a Igreja professa e 
                    proclama a conversão. A conversão a Deus consiste sempre em 
                    descobrir a Sua misericórdia, isto é, esse amor que é 
                    paciente e benigno (cfr 1 Cor 13, 4) à medida do Criador e 
                    Pai: o amor, a que ‘Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus 
                    Cristo’ (2 Cor 1, 3) é fiel até às últimas consequências 
                    na história da aliança com o homem: até à cruz, até à morte 
                    e à ressurreição de Seu Filho. A conversão a Deus é sempre 
                    fruto do ‘reencontro’ deste Pai, rico em misericórdia. O 
                    autêntico conhecimento de Deus, Deus da misericórdia e do 
                    amor benigno, é uma fonte constante e inexaurível de 
                    conversão, não somente como momentâneo ato interior, mas 
                    também como disposição permanente, como estado de espírito. 
                    Aqueles que assim chegam ao conhecimento de Deus, aqueles 
                    que assim O ‘veem’, não podem viver de outro modo que 
                    não seja convertendo-se a Ele continuamente. Passam a viver 
                    em estado de conversão; e é este estado que constitui a 
                    característica mais profunda da peregrinação de todo o homem 
                    sobre a terra, em estado de peregrino” 
                    (Dives in misericórdia, n° 13). 
                    
                      
                    
                    
                    O Pe. Juan Leal comenta Mc 1, 
                    14-15. 
                    
                    
                    V. 14. 
                    
                    Depois de ter sido entregue...: 
                    Se entende a prisão. 
                    
                    
                    O Evangelho 
                    de Deus: 
                    Deus, 
                    mais provavelmente, é um genitivo subjetivo. A boa nova 
                    procedente de Deus. 
                    
                    
                    V. 15. 
                    
                    Se cumpriu o tempo 
                    é uma frase escatológica. Antes esta frase que proclama o 
                    tempo já como cumprido, os fatos precedentes devem 
                    considerar-se como o cumprimento, cujo efeito dura. 
                     
                    
                    
                    O tempo é 
                    determinado nos conselhos de Deus. Quando Jesus anunciava o
                    reino de Deus, esta expressão despertava, sem dúvida, 
                    nas mentes judias, ações à leitura dos livros sagrados e da 
                    literatura extrabíblica, uma realidade bem concreta. O reino 
                    de Deus tinha já um sentido preciso pela Escritura. 
                    
                    
                    Que Deus era o 
                    Rei de Israel foi uma ideia muito antiga no povo escolhido (Nm 
                    23, 21; Js 8, 23; 1 Sm 8, 12, etc.). 
                    
                    
                    Porém, a 
                    expressão reino de Deus (Dn 2, 44; Sl 145, 11-12), ou 
                    as expressões equivalentes Deus reina (Is 52, 7; Sl 
                    93, 1; 96, 10; 97, 1; 99, 1) ou Deus rei (Sl 98, 6), 
                    através da história e a consequência de  múltiplos 
                    acontecimentos, vindo a concretizar-se num significado muito 
                    particular; vindo a ter um significado claramente 
                    escatológico, designando os tempos vindouros, em que, 
                    por uma intervenção maravilhosa de Deus, se haviam de 
                    cumprir todas as profecias e o povo escolhido havia de 
                    entrar a participar dos bens prometidos. Esta esperança 
                    palpita em toda a literatura da última época. 
                    
                    
                    Dois aspectos 
                    compreendiam a noção do reino de Deus. Esse reino seria 
                    precedido de um juízo divino que abateria a todos os 
                    malvados, todas as potências hostis, o reino do mal em uma 
                    palavra. E então começaria a era ditosa do reino de Deus, 
                    reino de justiça e de paz. 
                    
                    
                    Jesus falou do 
                    reino como futuro (Mc 14, 25; Lc 11, 2, etc), porém, também 
                    como presente em si mesmo e seu ministério (Lc 7, 18-23; 10, 
                    23 ss; 11, 20. 31 ss). 
                    
                    
                    
                      
                    Se discute se significa tem chegado ou se está 
                    próximo. No sentido de tem chegado o entende Dodd, 
                    autor da teoria da escatologia realizada. Porém, 
                    parece mais provável se está próximo. Jesus proclama 
                    a nova situação, que consiste em levar adiante a luta contra 
                    Satanás no poder do Espírito.  
                    
                    
                    Entretanto, João 
                    em sua profecia anuncia um futuro; Jesus anuncia já o que 
                    tem sucedido: Se cumpriu... O tempo perfeito para 
                    anunciar a aproximação de uma consumação escatológica 
                    futura.  
                    
                    
                    Se confirma este 
                    significado se temos também em conta o uso que fazem do 
                    verbo... os LXX, precisamente na seção do Deutero-Isaías.
                     
                    
                    
                    A proximidade 
                    da salvação que anuncia o Deutero-Isaías se refere à volta 
                    do desterro. A volta, todavia, não teve lugar, porém, já se 
                    encontra atuante nas vitórias preliminares de Ciro (Is 41, 
                    25, etc.), que são sinais da restauração iminente. 
                    
                    
                    É a mesma 
                    situação que reflete Marcos 1, 15 a respeito do reino: o 
                    reino não chegou, todavia, porém é tal sua proximidade, que 
                    já se sente atuante na pessoa de Jesus. O ato decisivo 
                    chegará quando Jesus cumprir, com sua morte redentora, a 
                    missão do Servo “isaiano” , para a qual foi 
                    solenemente investido pela voz celeste na cena do batismo. 
                    
                    
                      
                    
                    
                    Esse trecho 
                    da Palavra de Deus (Mc 1, 14-15) é comentado pelo Pe. Manuel 
                    de Tuya. 
                    
                    
                    Mc e Mt advertem 
                    que este relato tem lugar “depois” da prisão de João, 
                    que é muito posterior (Jo 3, 2 ss; 4, 1-3), e que supõe já a 
                    vida pública de Cristo. O que pretende aqui Mc é apresentar 
                    um esboço do que vai ser a missão de Cristo; Cristo vem para 
                    a Galiléia. Mt faz ver que se estabelece em Cafarnaum (Mt 4, 
                    12-13), abandonado já Nazaré. Porém esta viagem de Cristo, 
                     em sua vida pública, a Galiléia é o segundo. No primeiro, o 
                    Batista ainda não havia sido encarcerado (Jo 3, 24; 4, 3). 
                    Os evangelistas contam essa viagem conforme o plano geral de 
                    seu evangelho e destacando episódios distintos. Porém, os 
                    três sinóticos apresentam este modo geral da pregação e 
                    viagem apostólica de Cristo por toda Galiléia. O tema que Mc 
                    recolhe é esquemático, porém nele sintetiza o fundo de sua 
                    pregação. Mc o apresenta em forma rítmica: 
                     
                    
                    
                      
                    
                    
                    “Cumpriu-se o tempo e o Reino de 
                    Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho”. 
                    
                    
                      
                    
                    
                    A “plenitude 
                    dos tempos” (Gl 4, 4) para o estabelecimento do pleno 
                    reinado de Deus, anunciado nas profecias, já chegava. Era a 
                    missão de Cristo “semeá-lo” por toda a Galiléia. 
                    
                    
                    A expressão 
                    “o tempo é cumprido”, o mesmo que “o reino de 
                    Deus” eram frases escatológicas. No ambiente judeu 
                    recordavam o messianismo e as maravilhas a ele ligadas. 
                    
                    
                    É discutido o 
                    sentido exato  da palavra éggiken, pelo mesmo pode 
                    significar que o reino de Deus “se aproxima” que 
                    “chegou”. Se se tem em conta o uso desta palavra em 
                    Isaías, na versão dos LXX, e a dependência que daquela 
                    passagem tem esta palavra nos sinóticos (Is 50, 8; 51, 1; 
                    56, 1), o sentido aqui é de uma iminente proximidade. Nos 
                    evangelhos, Cristo fala umas vezes do reino como já chegado 
                    (o identifica com sua pessoa e seus atos) e outras o deixa 
                    ver como num futuro próximo. 
                    
                    
                    Diante desta 
                    expectativa e iminência , se pedem duas coisas: 
                    “arrepender-se” (metanoeîte), no sentido de mudar 
                    de modo de pensar, deixando a má conduta moral e o que 
                    pudesse ser prejuízos de interpretação “tradicional” 
                    sobre o Messias; e “crede no Evangelho”, na boa nova 
                    que Cristo vai ensinar. Será a fé que salva (Mc 16, 16). 
                    Esta última frase não excluiria uma formulação literária 
                    muito marcada de Mc, ou na boca de um catequista. Em sua 
                    redação atual, uma destas duas conclusões pareceria mais 
                    natural. “Evangelho”, afinal, é termo eclesiástico. 
                    
                    
                      
                    
                    
                    PIB  comenta Mc 1, 
                    14-15. 
                    
                    
                    V. 14. 
                    Pela 
                    narração de São Marcos seríamos levados a crer que Jesus 
                    começou a pregar a boa nova somente depois que João Batista 
                    foi preso por Herodes Antipas (cf. 6, 17); mas cf. Jo 3, 
                    22-24, onde se diz expressamente que, quando João foi preso, 
                    havia vários meses que Jesus pregava. 
                    
                    
                    V. 15. 
                    O reino 
                    de Deus, de que Jesus fala, é o reino que Ele mesmo 
                    fundou e inaugurou sobre a terra e que terá a sua consumação 
                    não só na sociedade exterior, mas também e, sobretudo, no 
                    coração dos que lhe pertencem. Arrependimento e fé são as 
                    disposições necessárias para se pertencer a Ele. 
                    
                    
                      
                    
                    
                      
                    
                    
                    Pe. Divino 
                    Antônio Lopes FP. 
                    
                    
                    Anápolis, 24 de 
                    fevereiro de 2009 
                    
                    Vide também: 
                    
                    
                    Tentado por Satanás 
                    
                    
                    Tentado pelo diabo 
                    
                    
                    Os anjos o serviam 
                      
                      
          
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