ESTEVE
NO DESERTO QUARENTA DIAS
(Mc 1, 12-15)
“12
E logo o Espírito o impeliu para o deserto.
13
E ele esteve no deserto quarenta dias, sendo tentado por
Satanás; e vivia entre as feras, e os anjos o serviam.
14
Depois que João foi preso, veio
Jesus para a Galiléia proclamando o Evangelho de Deus:
15
‘Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo.
Arrependei-vos e crede no Evangelho”.
Em Mc 1,
12-13 diz: “E logo o Espírito o
impeliu para o deserto. E ele esteve no deserto quarenta
dias, sendo tentado por Satanás; e vivia entre as feras, e
os anjos o serviam”.
São João
Crisóstomo escreve:
“Ali lutou contra
o diabo para que cada um dos batizados resistisse
pacientemente as maiores tentações depois do batismo, e para
que permanecesse vencedor...”
(Hom. 13 sobre São Mateus),
e: “Para
que ninguém duvidasse que foi o Espírito que o levou ao
deserto, São Lucas (4, 1), pôs em primeiro lugar, que Jesus
voltou do Jordão cheio do Espírito Santo, para logo
concluir: ‘E era levado ao deserto pelo Espírito’. Com isto
ninguém deve julgar que o espírito imundo prevaleceria
contra Ele, o qual cheio do Espírito Santo ia onde queria e
fazia o que queria”
(São Beda),
e também:
“O Espírito O
levou ao deserto para oferecer ocasião ao diabo para que O
tentasse não só pela fome, mas pelo lugar, já que o diabo se
aproxima com preferência dos que permanecem solitários”
(São
João Crisóstomo, Ut Sup),
e ainda:
“Se retira ao
deserto para nos ensinar a abandonar a adulação do mundo e
as más amizades, e a guardar em tudo os preceitos divinos.
Foi tentado pelo diabo para indicar-nos que todos os que
querem viver piedosamente em Cristo sofrem perseguições. E
continua: ‘E esteve no deserto quarenta dias e quarenta
noites, e era tentado por Satanás’. Foi tentado quarenta
dias e quarenta noites, para nos mostrar que em todo o tempo
que servirmos ao Senhor nesta vida... seremos atacados pelo
adversário, que com a tentação não cessa de por obstáculos
no nosso caminho”
(São Beda),
e:
“Disse isso para mostrar que tipo de deserto era. Não havia
nele caminho para os homens, e estava cheio de animais
ferozes. E acrescenta: ‘E os anjos o serviam’. Porque depois
da tentação e da vitória contra o diabo, realizou a salvação
dos homens. E como disse a Escritura (Hb 1, 14): ‘Os Anjos
são enviados para servir àqueles que tomam a herança da
salvação’. É de notar que os anjos servidores assistem aos
que vencem as tentações”
(São João Crisóstomo),
e também:
“Devemos considerar também que Cristo mora entre as feras
como homem, e que é servido pelos anjos como Deus. Do mesmo
modo nós, quando toleramos os bárbaros costumes dos homens
sem manchar nossa alma, merecemos o serviço dos anjos, com
os quais, livres do corpo, nos levam à eterna felicidade”
(São
Beda),
e ainda:
“É quando a carne
não deseja contra o espírito, quando estão pacíficas conosco
as feras; como na arca de Noé, os animais puros com os
impuros. Depois disto nos são enviados os anjos para
consolar nossos corações vigilantes”
(São Jerônimo).
Edições
Theologica comenta Mc 1, 13.
São Mateus (4,
1-11) e São Lucas 4, 1-13 narram com mais pormenores as
tentações de Jesus. Jesus quis ensinar-nos, submetendo-Se às
tentações, que estas não são
de temer, mas, pelo contrário,
podem ser a ocasião de um progresso na vida interior.
“Deus permite as tentações em
primeiro lugar, para que com elas reconheçamos melhor a
nossa debilidade e a necessidade que temos da ajuda de Deus
para não cair (...); em segundo lugar, Deus permite-as para
que cada um aprenda a viver desprendido das coisas materiais
e deseje mais fervorosamente chegar à contemplação de Deus
no Céu (...); e, em terceiro lugar, para nos enriquecer de
méritos (...). Com efeito, quando a alma começa a ser
agitada por tentações e se vê em perigo de cair no pecado,
recorre então a Deus, recorre à Mãe divina, renova o
propósito de morrer antes que pecar, humilha-se e abandona
nos braços da misericórdia divina, e assim consegue alcançar
mais fortaleza e une-se a Deus mais estreitamente, como
atesta a experiência”
(Santo Afonso Maria de Ligório, A Prática do amor a Jesus
Cristo, cap. 17).
Por outro
lado, como no caso do Senhor, nunca faltará nas tentações a
ajuda divina: “Jesus suportou a
prova, uma prova verdadeira (...). O Demônio, com retorcida
intenção, citou o Antigo Testamento: ‘Deus enviará os
seus Anjos para que protejam o Justo em todos os seus
caminhos’ (Sl 91, 11).
Mas Jesus, recusando-Se a tentar o Pai, devolve a esse passo
bíblico o seu verdadeiro sentido. E, como prêmio da Sua
fidelidade, chegado o tempo, apresentam-se os mensageiros de
Deus Pai para O servirem (...). Devemos encher-nos de ânimo,
visto que a graça do Senhor não nos faltará, pois Deus
estará a nosso lado e enviar-nos-á os Seus Anjos, para que
sejam nossos companheiros de viagem, nossos prudentes
conselheiros ao longo do caminho, nossos colaboradores em
todos os empreendimentos”
(São Josemaría Escrivá, Cristo que passa, n.°63).
Esse
trecho de São Marcos é comentado pelo Pe. Gabriel de Santa
Maria Madalena.
Ao
contrário dos outros sinóticos, Marcos não se detém a
descrever as várias tentações, mas sintetiza muito
brevemente: “E logo o Espírito
impeliu Jesus para o deserto. Aí esteve quarenta dias e foi
tentado pelo demônio”. Isto acontece
imediatamente após o batismo no Jordão; assim como no Jordão
quis Jesus juntar-se aos pecadores, como se fosse um deles,
necessitado de purificação, assim também no deserto quer
fazer-se semelhante a eles até na tentação, extremo limite
consentido por sua santidade. Mas, aceitando a luta com
Satanás, da qual sai absolutamente vitorioso, mostra Jesus
que veio libertar o mundo do domínio do Maligno e, ao mesmo
tempo, merece para todo homem forças necessárias para vencer
as insígnias diabólicas. Embora batizado, não está o cristão
isento delas; pelo contrário, muitas vezes quanto mais se
esforça para servir a Deus com fervor, tanto mais tenta o
demônio impedir-lhe o caminho, como quis impedir a Cristo de
cumprir sua missão redentora. É mister então recorrer às
armas usadas pelo próprio Jesus: penitência, oração e
perfeita conformidade à vontade do Pai:
“Está escrito: não
só de pão vive o homem, mas de toda palavra que procede da
boca de Deus” (Mt 4, 4).
Quem é fiel à Palavra de Deus, quem dela se alimenta
constantemente, não poderá ser vencido pelo Maligno.
Católico,
não se desespere diante das tentações; lembre-se de que
Nosso Senhor está ao seu lado para te fortalecer:
“O Senhor está sempre ao nosso lado,
em cada tentação, e nos diz afetuosamente: Confiai: Eu
venci o mundo. E nós nos apoiamos n’Ele porque, se não o
fizéssemos, pouco conseguiríamos sozinhos. Tudo posso
n’Aquele que me conforta... O Senhor é a minha luz e
salvação; a quem temerei? Podemos prevenir as tentações
mediante a mortificação constante, mediante a prática da
caridade e a guarda dos sentidos internos e externos.
Devemos também fugir das ocasiões de pecar, por pequenas que
sejam, pois aquele que ama o perigo nele perecerá. E
juntamente com a mortificação, a oração: Vigiai e orai
para que não entreis em tentação. É necessário repetir
muitas vezes e com confiança a oração do Pai Nosso: Não
nos deixeis cair em tentação. Já que o próprio Senhor
põe nos lábios humanos esse pedido, é bom repeti-lo
incessantemente. E também combatemos a tentação
manifestando-a abertamente ao diretor espiritual, pois
expô-la é vencê-la. Quem revela as suas tentações ao diretor
espiritual pode estar certo de que Deus lhe concede a graça
necessária para ser bem orientado. Contamos sempre com a
graça de Deus para vencer qualquer tentação”,
e: “Não
te esqueças, meu amigo, de que precisas de armas para vencer
nesta batalha espiritual. As tuas armas serão: a oração
contínua, a sinceridade e franqueza com o teu diretor
espiritual, a Santíssima Eucaristia e o Sacramento da
Penitência, um generoso espírito de mortificação cristã –
que te levará a fugir das ocasiões e a evitar a ociosidade
-, a humildade de coração e uma devoção terna e filial à
Santíssima Virgem – Consoladora dos aflitos e Refúgio dos
pecadores. Dirige-te sempre a Ela com confiança e diz-lhe:
‘Minha Mãe, confiança minha!”
(S. Canals).
O Pe. Juan Leal
comenta Mc 1, 12-13.
A introdução de
Marcos tem por fim apresentar a inauguração da era
escatológica. O ponto culminante é o batismo e a tentação.
No batismo aparece o Espírito descendo sobre Jesus, e na
tentação levando-O ao encontro com Satanás. Porém, esse
espírito já é profetizado no v. 8.
Agora bem, a
ideia de espírito está associada com a ideia de
poder (cf. Mq 3, 8; Lc 1, 17; 4, 14; At 10, 38, etc.).
Pelo que toca à
narração, chama a atenção a brevidade de Marcos em
comparação com Mateus e Lucas. Este ponto é interessante
para a questão crítica, referente à composição dos
evangelhos, se Marcos conheceu ou não a fonte comum
utilizada por Mateus e Lucas. Pode havê-la conhecido e haver
omitido suas referências mais detalhadas; seu relato seria
assim o resíduo de uma tradição mais desenrolada que se há
conservada melhor em Mateus e Lucas; porém, o mais provável
é que não a conheceu, pois se a tivesse conhecido, a teria
usado de muito bom grado.
V. 12. O verbo
é usado por São Marcos dezessete vezes e onze vezes para
indicar a expulsão dos demônios. O verbo parece significar
aqui uma forte propulsão.
V. 13.
é usado de uma prova com intenção hostil. A decisão do drama
escatológico se ventila longe do mundo dos homens. No mundo
dos homens terá depois a repercussão. O mesmo sucede no
Apocalipse de São João (cf. 12). O deserto tem na Escritura
frequentemente um significado teológico. É o lugar da prova.
Algum intérprete
observa que a narração tem valor catequético: “O cristão
que acaba de ser batizado deve esta disposto, como seu
Senhor, a fazer frente imediatamente aos ataques do
tentador”. É verdade, porém, a intenção primordial se
move no sentido da literatura apocalíptica.
O Espírito O
leva ao encontro do príncipe deste mundo. É básica na
apocalíptica a certeza de que, quando a consumação está
próxima, a vitória só virá depois de uma luta
intensificada.
Em 3, 29, o
Espírito está identificado com o poder operante de Jesus
que expulsa os demônios (3, 22). Há um manifesto paralelo
entre a passagem, a tentação e o debate sobre os exorcismos
em 3, 21-30.
Na tentação, a
luta está inaugurada, porém não concluída. Seguirá nos
exorcismos. Neste encontro inicial, o reino de Deus está se
aproximando. Este acontecimento assinala o começo da
última hora.
É de notar que o
termo “diabo”, que pertence a um extrato mais tardio
da tradição evangélica, nunca se encontra em Marcos. Marcos
usa “Satanás”, enquanto os outros dois sinópticos
usam “o diabo”; o mesmo na passagem das tentações
da parábola do semeador.
Esse trecho
da Palavra de Deus (Mc 1, 12-13) é comentado pelo Pe. Manuel
de Tuya.
O relato da
“tentação” está reduzido ao mínimo por Marcos. Quase é
uma alusão à mesma, já que Mt-Lc a relatam com amplitude.
Portanto, Mt põe as tentações depois do jejum de quarenta
dias, Mc e Lc as põem literalmente distribuídas através dos
quarenta dias. Dois são os pontos que interessam ante essa
brevidade do relato de Mc e sua descrição tão especial.
Que significa
este morar entre as feras e que os anjos o serviam? Para
alguns seria uma simples expressão colorida de Mc, com o
qual se descrevia assim o lugar agreste onde Cristo morava e
sua solidão, ou simplesmente uma expressão pitoresca do
gosto de Mc.
Nesta região do
deserto do Jordão se encontravam ainda animais selvagens:
víboras, cabras selvagens, gazelas, águias, e à noite se
ouvem os uivos dos chacais e hienas. No tempo de Eliseu
havia nos bosques entre Jericó e Betel ursos (2 Rs 2, 24). O
mosaico de Madaba (s. VI. d. C.) põe nesta região leões. E
Abel observa que a fauna selvagem atual está muito
empobrecida em relação à da época bíblica (Smith, The
historical Geography and the Holy Land (1931) p. 316; Abel,
Geógraphie de la Pal. (1938 p I.ª p. 224).
Outros o
apresentam numa relação mais lógica com as velhas
experiências dos quarenta anos do deserto. A finalidade
destas tentações é manifestamente messiânica. Era crença em
Israel que o deserto seria lugar de ação messiânica, e que
de alguma maneira se repetiriam nos dias messiânicos as
experiências - tentações - do êxodo. Por isso se relaciona
este morar entre animais selvagens com as serpentes de fogo
do deserto (Dt 8, 15; 32, 10) e com a alimentação prodigiosa
do maná (Dt 8, 3; 29, 5), chamado nos LXX e na Sabedoria
“pão dos anjos” (Sl 78, 24-25; Sb 16, 20-21).
Além disso, se
fez ver que, na tradição judaica, a fuga do diabo e o
domínio das feras selvagens são coisas unidas, como se
demonstra no “Testamento dos doze Patriarcas”. Assim,
estas expressões se aludiriam às tentações messiânicas de
Cristo, relatadas com amplitude por Mt-Lc: a vitória sobre
Satanás e o “serviço” que os anjos fazem a Cristo ao
terminar as tentações (Mt).
Pensa-se também
que, sendo Cristo o Messias profetizado por Isaías, n’Ele
que se anuncia uma criação nova que implica a pacificação do
reino animal, pudera também estar esta expressão de Mc
evocando esta vitória messiânica de Cristo e a vantagem de
sua restauração. Tanto mais, que “na Escritura se une e
se evoca o anúncio da nova criação e a do novo êxodo. É
lícito, pois, crer que, ao mesmo tempo, que na morada dos
hebreus no deserto, o segundo evangelista pensa na
restauração da paz paradisíaca, quando mostra a Jesus
Messias vivendo na companhia das feras; não há lugar a
temê-las, porque é uma afirmação bíblica constante,
ilustrada especialmente pelo salmo 91, e que se aplica mais
ainda ao Messias, que o homem domina facilmente ao mundo
inferior quando se mantêm em amizade perfeita com Deus e
triunfa do mal moral... Situado como está num contexto
escatológico, a fórmula evangélica “com as feras” (= metà
ton theríon) evoca especialmente o pacto com as feras
selvagens (metà ton theríon) que em Oséias (2, 18) acompanha
a restauração da aliança”
(Feuillet, L’ épisode de la
tentation d’après Saint Marc: Est. Bib. (1960) 68-69; cf. Mc
16, 17-18; Lc 10, 17-19).
O relato de Mc,
é primitivo? Assim o sustenta muitos. Seria um resumo da
tentação, que havia dado origem a uma elaboração em Mt-Lc,
ou que estas são produto de uma mistura de fontes.
Porém, isso não
é evidente. Batismo e tentação estão intimamente ligados,
como o estão a passagem do mar Vermelho e a morada no
deserto. Isto é primitivo. Porém esta vinculação está muito
melhor marcada por Mt-Lc. A mesma vitória sobre o diabo,
essencial na tentação, em Mc está mais citada que
apresentada em forma explícita que tem em Mt-Lc. “Tudo
sucede como se o autor do segundo evangelho, conhecendo um
relato da tentação muito mais desenvolvido, do gênero do
qual nos hão conservado os outros dois sinóticos, o houvesse
voluntariamente abreviado, sem dúvida, porque é considerada
que a discussão entre Jesus e Satanás, com ajuda dos textos
da Escritura, como também as duas últimas tentações com suas
circunstâncias estranhas, podiam desorientar a seus leitores
de origem pagã e debilitar a proclamação qual ele pretendia
fazer da transcendência de Cristo. Também se pode estimar,
mas simplesmente, que o ambiente cristão especial, cujas
tradições ele refletia, tinha o costume de passar
rapidamente sobre este episódio, que se contentava em
resumir”
(Feuillet, a. c: Est. Bib.
(1960) 73; Dupont,
L’arrière-fond biblique du récit des tentations de Jésus:
New Test. Studies (1957) 287 ss).
PIB comenta Mc 1, 12.
Logo:
fórmula de transição preferida por Marcos, e tem o mais das
vezes o sentido atenuado de: “e depois”, sem
sequência imediata estrita. – A fórmula de transição usada
por Mateus é “e então”, ao passo que Lucas emprega:
“e aconteceu”.
Em Mc 1,
14-15 diz: “Depois que João foi
preso, veio Jesus para a Galiléia proclamando o Evangelho de
Deus: ‘Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo.
Arrependei-vos e crede no Evangelho”.
São João
Crisóstomo escreve:
“São Marcos evangelista segue na
ordem a São Mateus. É assim que, depois que disse que os
anjos o serviam, acrescentou: ‘Depois que foi entregue João
chegou Jesus’. Depois das tentações e de ser servido pelos
anjos, partiu para a Galiléia”,
e:
“E assim como nos mostra que das perseguições convêm fugir e
não esperar”
(Teofilacto),
e também:
“Ele se
retirou também com o fim de conservar-se para os
ensinamentos e curas antes de sua Paixão e, uma vez
cumpridas todas estas coisas, fazer-se obediente até a
morte”
(São João Crisóstomo),
e ainda:
“Preso
São João, começou o Senhor a pregar oportunamente, pelo que
continua: ‘Pregando o Evangelho’, porque onde tem fim a lei
é consequente que tenha origem o Evangelho”
(São Beda),
e:
“Desaparecendo a sombra, aparece a verdade. São João no
cárcere, a lei na Judéia; Jesus na Galiléia, São Paulo
pregando às gentes o Evangelho do reino. A pobreza sucede o
reino terreno, o reino sempiterno se dá à pobreza dos
cristãos. A honra terrena se compara à espuma, à água
congelada, ao fumo ou ao sonho”
(São Jerônimo),
e também:
“Cumprido já o tempo, ou seja, quando verdadeiramente chegou
a plenitude dos tempos e enviou Deus a seu Filho (Gl 4), foi
conveniente que o gênero humano obtivesse a última graça de
Deus. Por isso disse que o reino de Deus se havia
aproximado. Porém, o reino de Deus é, enquanto à substância,
o mesmo que o reino dos Céus... Se entende por reino de Deus
aquele em que Deus reina; isto é, nas regiões dos vivos,
quando se vive nas boas promessas de ver a Deus face a face.
Aquela região se pode entender, seja pelo amor, seja por
alguma outra prova daqueles que levam a imagem divina. Isto
se entende por céus. É bem claro que o reino de Deus não se
encerra em nenhum lugar e tempo”
(São João Crisóstomo),
e ainda:
“Disse o
Senhor que o tempo da lei foi cumprido. É como se dissesse.
Até o tempo presente tem imperado a lei; para frente será
renovado o reino de Deus que, segundo o Evangelho, à
vida. Esta se identifica convenientemente com o reino
dos céus. Quando vemos que algum mortal vive segundo o
Evangelho, não dizemos que tem o reino dos céus? Este não é
alimento, nem bebida, mas justiça, paz e gozo no Espírito
Santo. E continua: ‘Fazei penitência”
(Teofilacto),
e:
“Faça
penitência quem quiser unir-se ao eterno Bem, isto é, ao
reino de Deus”
(São Jerônimo).
Edições
Theologica cometa Mc 1, 14-15.
“Evangelho de Deus”: Esta expressão encontramo-la em
São Paulo (Rm 1, 1; 2 Cor 11,7; etc.) como equivalente à de
“Evangelho de Jesus Cristo” (Fl 1, 1; 2 Ts 1, 8;
etc.), insinuando-se deste modo a divindade de Jesus Cristo.
A chegada iminente do Reino exige uma conversão autêntica do
homem a Deus (Mt 4,17; 10, 7; Mc 6, 12; etc.). Já os
Profetas tinham falado da necessidade de converter-se e de
abandonar os maus caminhos que seguia Israel, longe de Deus
(Jr 3, 22; Is 30,15; Os 14, 2; etc.). Tanto João Batista
como Cristo e os Seus Apóstolos insistem em que é preciso
converter-se, mudar de atitude e de vida como condição
prévia para receber o Reino de Deus. O Papa João Paulo II
realça a importância da conversão perante o Reino de Deus,
expressão clara da Sua misericórdia:
“Portanto, a Igreja professa e
proclama a conversão. A conversão a Deus consiste sempre em
descobrir a Sua misericórdia, isto é, esse amor que é
paciente e benigno (cfr 1 Cor 13, 4) à medida do Criador e
Pai: o amor, a que ‘Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus
Cristo’ (2 Cor 1, 3) é fiel até às últimas consequências
na história da aliança com o homem: até à cruz, até à morte
e à ressurreição de Seu Filho. A conversão a Deus é sempre
fruto do ‘reencontro’ deste Pai, rico em misericórdia. O
autêntico conhecimento de Deus, Deus da misericórdia e do
amor benigno, é uma fonte constante e inexaurível de
conversão, não somente como momentâneo ato interior, mas
também como disposição permanente, como estado de espírito.
Aqueles que assim chegam ao conhecimento de Deus, aqueles
que assim O ‘veem’, não podem viver de outro modo que
não seja convertendo-se a Ele continuamente. Passam a viver
em estado de conversão; e é este estado que constitui a
característica mais profunda da peregrinação de todo o homem
sobre a terra, em estado de peregrino”
(Dives in misericórdia, n° 13).
O Pe. Juan Leal comenta Mc 1,
14-15.
V. 14.
Depois de ter sido entregue...:
Se entende a prisão.
O Evangelho
de Deus:
Deus,
mais provavelmente, é um genitivo subjetivo. A boa nova
procedente de Deus.
V. 15.
Se cumpriu o tempo
é uma frase escatológica. Antes esta frase que proclama o
tempo já como cumprido, os fatos precedentes devem
considerar-se como o cumprimento, cujo efeito dura.
O tempo é
determinado nos conselhos de Deus. Quando Jesus anunciava o
reino de Deus, esta expressão despertava, sem dúvida,
nas mentes judias, ações à leitura dos livros sagrados e da
literatura extrabíblica, uma realidade bem concreta. O reino
de Deus tinha já um sentido preciso pela Escritura.
Que Deus era o
Rei de Israel foi uma ideia muito antiga no povo escolhido (Nm
23, 21; Js 8, 23; 1 Sm 8, 12, etc.).
Porém, a
expressão reino de Deus (Dn 2, 44; Sl 145, 11-12), ou
as expressões equivalentes Deus reina (Is 52, 7; Sl
93, 1; 96, 10; 97, 1; 99, 1) ou Deus rei (Sl 98, 6),
através da história e a consequência de múltiplos
acontecimentos, vindo a concretizar-se num significado muito
particular; vindo a ter um significado claramente
escatológico, designando os tempos vindouros, em que,
por uma intervenção maravilhosa de Deus, se haviam de
cumprir todas as profecias e o povo escolhido havia de
entrar a participar dos bens prometidos. Esta esperança
palpita em toda a literatura da última época.
Dois aspectos
compreendiam a noção do reino de Deus. Esse reino seria
precedido de um juízo divino que abateria a todos os
malvados, todas as potências hostis, o reino do mal em uma
palavra. E então começaria a era ditosa do reino de Deus,
reino de justiça e de paz.
Jesus falou do
reino como futuro (Mc 14, 25; Lc 11, 2, etc), porém, também
como presente em si mesmo e seu ministério (Lc 7, 18-23; 10,
23 ss; 11, 20. 31 ss).
Se discute se significa tem chegado ou se está
próximo. No sentido de tem chegado o entende Dodd,
autor da teoria da escatologia realizada. Porém,
parece mais provável se está próximo. Jesus proclama
a nova situação, que consiste em levar adiante a luta contra
Satanás no poder do Espírito.
Entretanto, João
em sua profecia anuncia um futuro; Jesus anuncia já o que
tem sucedido: Se cumpriu... O tempo perfeito para
anunciar a aproximação de uma consumação escatológica
futura.
Se confirma este
significado se temos também em conta o uso que fazem do
verbo... os LXX, precisamente na seção do Deutero-Isaías.
A proximidade
da salvação que anuncia o Deutero-Isaías se refere à volta
do desterro. A volta, todavia, não teve lugar, porém, já se
encontra atuante nas vitórias preliminares de Ciro (Is 41,
25, etc.), que são sinais da restauração iminente.
É a mesma
situação que reflete Marcos 1, 15 a respeito do reino: o
reino não chegou, todavia, porém é tal sua proximidade, que
já se sente atuante na pessoa de Jesus. O ato decisivo
chegará quando Jesus cumprir, com sua morte redentora, a
missão do Servo “isaiano” , para a qual foi
solenemente investido pela voz celeste na cena do batismo.
Esse trecho
da Palavra de Deus (Mc 1, 14-15) é comentado pelo Pe. Manuel
de Tuya.
Mc e Mt advertem
que este relato tem lugar “depois” da prisão de João,
que é muito posterior (Jo 3, 2 ss; 4, 1-3), e que supõe já a
vida pública de Cristo. O que pretende aqui Mc é apresentar
um esboço do que vai ser a missão de Cristo; Cristo vem para
a Galiléia. Mt faz ver que se estabelece em Cafarnaum (Mt 4,
12-13), abandonado já Nazaré. Porém esta viagem de Cristo,
em sua vida pública, a Galiléia é o segundo. No primeiro, o
Batista ainda não havia sido encarcerado (Jo 3, 24; 4, 3).
Os evangelistas contam essa viagem conforme o plano geral de
seu evangelho e destacando episódios distintos. Porém, os
três sinóticos apresentam este modo geral da pregação e
viagem apostólica de Cristo por toda Galiléia. O tema que Mc
recolhe é esquemático, porém nele sintetiza o fundo de sua
pregação. Mc o apresenta em forma rítmica:
“Cumpriu-se o tempo e o Reino de
Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho”.
A “plenitude
dos tempos” (Gl 4, 4) para o estabelecimento do pleno
reinado de Deus, anunciado nas profecias, já chegava. Era a
missão de Cristo “semeá-lo” por toda a Galiléia.
A expressão
“o tempo é cumprido”, o mesmo que “o reino de
Deus” eram frases escatológicas. No ambiente judeu
recordavam o messianismo e as maravilhas a ele ligadas.
É discutido o
sentido exato da palavra éggiken, pelo mesmo pode
significar que o reino de Deus “se aproxima” que
“chegou”. Se se tem em conta o uso desta palavra em
Isaías, na versão dos LXX, e a dependência que daquela
passagem tem esta palavra nos sinóticos (Is 50, 8; 51, 1;
56, 1), o sentido aqui é de uma iminente proximidade. Nos
evangelhos, Cristo fala umas vezes do reino como já chegado
(o identifica com sua pessoa e seus atos) e outras o deixa
ver como num futuro próximo.
Diante desta
expectativa e iminência , se pedem duas coisas:
“arrepender-se” (metanoeîte), no sentido de mudar
de modo de pensar, deixando a má conduta moral e o que
pudesse ser prejuízos de interpretação “tradicional”
sobre o Messias; e “crede no Evangelho”, na boa nova
que Cristo vai ensinar. Será a fé que salva (Mc 16, 16).
Esta última frase não excluiria uma formulação literária
muito marcada de Mc, ou na boca de um catequista. Em sua
redação atual, uma destas duas conclusões pareceria mais
natural. “Evangelho”, afinal, é termo eclesiástico.
PIB comenta Mc 1,
14-15.
V. 14.
Pela
narração de São Marcos seríamos levados a crer que Jesus
começou a pregar a boa nova somente depois que João Batista
foi preso por Herodes Antipas (cf. 6, 17); mas cf. Jo 3,
22-24, onde se diz expressamente que, quando João foi preso,
havia vários meses que Jesus pregava.
V. 15.
O reino
de Deus, de que Jesus fala, é o reino que Ele mesmo
fundou e inaugurou sobre a terra e que terá a sua consumação
não só na sociedade exterior, mas também e, sobretudo, no
coração dos que lhe pertencem. Arrependimento e fé são as
disposições necessárias para se pertencer a Ele.
Pe. Divino
Antônio Lopes FP.
Anápolis, 24 de
fevereiro de 2009
Vide também:
Tentado por Satanás
Tentado pelo diabo
Os anjos o serviam
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