SANTA MISSA
NO RITO ROMANO TRADICIONAL
(Pe. Franz Hörl)
RITUALIDADE E
SACRALIDADE
(continuação)
3) CERIMÔNIAS
a) Pelo visível ao invisível
“No lugar de um conjunto representativo de
símbolos crescido historicamente, colocou-se, depois do
Concílio, uma aula doutrinária, inventada na hora”.
Declarou o Concílio de Trento: “E porque a
natureza humana é tal que não pode, facilmente e sem socorro
externo, elevar-se à meditação das coisas divinas, a Igreja,
Mãe piedosa, instituiu, por isso, certos ritos para serem
pronunciados na Missa, em voz baixa, outros em voz alta.
Adotou também cerimônias, tais como bênçãos sagradas, luzes,
incenso, vestes e muitas outras coisas, transmitidas pela
disciplina e Tradição Apostólica, para realçar tão grande
Sacrifício e, por estes sinais visíveis da religião e da
piedade, despertar o espírito dos fiéis para a contemplação
das altíssimas realidades ocultas neste Sacrifício”.
O Cardeal Bellarmino explicou a importância
das cerimônias assim: A magnificência da religião espiritual
pode-se apresentar ao homem que é condicionado pelo
corporal, somente, representando-lhe não os “mistérios nus”,
mas revestidos e ornamentados com esplendor exterior, a fim
de que sejam compreendidos espiritualmente com maior
reverência.
Qual, pois, é a função das ações litúrgicas?
As cerimônias, tomadas por si mesmas, não
contém perfeição nem sacralidade. Sendo, porém, atos
religiosos exteriores:
*impulsionam o espírito; através de sinais de
veneração do sagrado.
*elevam o sentido ao celestial,
*nutrem a piedade,
*inflamam a caridade,
*aumentam a fé,
*aprofundam a devoção,
*instruem as pessoas de pouca formação,
*embelezam e celebração,
*preservam a religião e
*diferenciam os fiéis verdadeiros dos
cristãos falsos e hereges.
O fundamento disso é o princípio de São Tomás
de Aquino: “Per visibilia ad invisibilia” (pelas coisas
visíveis às invisíveis), princípio este, aliás, que
encontramos também no Prefácio de Natal: “Dum visibiliter
Deum cognoscimus, per hunc in invisibilem amorem rapiamur”.
– Conhecendo a Deus de modo visível, por Ele sejamos
arrebatados ao amor das coisas invisíveis.
b) Perfeição formal e intensificação de
gestos litúrgicos
As prescrições cerimoniais têm funções
diferenciadas. Algumas das prescrições servem para conferir
às execuções beleza e perfeição formal, p.ex. a posição das
mãos, quando o celebrante faz o sinal da cruz sobre si
mesmo, ou sobre as oferendas eucarísticas ou sobre os fiéis,
abençoando-os; ou o regulamento detalhado a respeito da
sequência e com que movimentos do braço e com que passos o
sacerdote deve incensar o altar.
Outros gestos cerimoniais hão de conferir às
orações que os acompanham maior intensidade, p.ex. bater no
peito ao “mea culpa” do Confiteor, ou levantar as mãos no
“sursum corda” do Prefácio.
Outros gestos servem para expressar a
reverência dos nomes divinos ou dos santos por meio de
inclinação, ou reverenciar pela genuflexão os dons
consagrados, ou venerar objetos sagrados como o altar e a
patena, beijando-os.
Por conseguinte, as cerimônias da liturgia
tradicional contêm um repertório rico de gestos rituais,
mais diferenciados e intensos do que é o caso da Missa Nova.
A liturgia clássica diferencia vários modos
p.ex. de inclinações da cabeça e do corpo: do corpo uma
“inclinatio profunda”, como no Confiteor, ou uma “inclinatio
media” como na oração “ostende nobis” (logo após o
Confiteor); da cabeça uma inclinação profunda, média e leve
conforme for pronunciado o nome de Jesus, de Maria ou de um
Santo ou do Papa governante. As diferentes formas de
inclinação correspondem à doutrina da Igreja sobre os graus
diferentes de veneração: a Deus - o culto de adoração, a Mãe
de Deus - o culto de especial veneração e às pessoas
destacadas - a veneração simples.
A cerimônia diferencia p.ex. quando o
celebrante, antes da mistura com o vinho, abençoa a água,
que simboliza os fiéis, fazendo sobre ela o sinal da cruz,
mas não sobre o vinho como símbolo para Cristo. Certas
orações são, cerimonialmente, intensificadas por gestos que
as acompanham ou por repetições. O “Confiteor” mostra, de
modo impressionante, como atos do espírito são traduzidos em
gestos corporais, e, ao mesmo tempo, reforçados e
aprofundados justamente pela figura expressa exteriormente.
No “Confiteor”, o sacerdote permanece numa profunda
inclinação, expressão de humilde confissão de culpa, e
também é símbolo pelo pecador curvado em si mesmo, que não
levanta mais o olhar para o Céu, mas olha somente para a
Terra. Apenas depois a oração de intercessão do povo (ou
seja do acólito) para ele, “misereatur tui omnipotens Deus”,
o sacerdote, deixando essa posição, se ergue.
No “Confiteor” junta as mãos em sinal de
concentração, de entrega a Deus, de súplica de misericórdia
e perdão. As três batidas no peito no “mea culpa”, conhecida
já na antiguidade grega como gesto de tristeza,e, no
Evangelho, como sinal de arrependimento (Lc 18,13), quer
acertar os pecados enraizados no coração e destroçar a
origem de todos os pecados que é o orgulho do coração
pecador, a fim de que Deus crie um coração novo e puro no
interior (Ez 36,26).
As genuflexões no “et incarnatus est” do
“Credo” e no “et verbum caro factum est” do Evangelho final
querem lembrar sensivelmente que o mistério da encarnação
divina forma o ponto cardeal de toda a história do mundo e
que também exige como devida resposta uma confissão de fé em
Jesus Cristo, expressa num gesto corporal.
Quando, ao bater-se no peito, se fala três
vezes o “Domine, non sum dignus”, isto não significa uma
repetição desnecessária, mas é uma condição para
possibilitar uma boa disposição para receber o Santíssimo
Sacramento na comunhão.
Outros gestos que acompanham a entoação e a
recitação do “Gloria” e do “Credo”: abre-se e levanta-se as
mãos ao elevar o olhar para o alto, tornam visível a
elevação interior da oração no gesto externo; do mesmo modo
a inclinação da cabeça ao honrar as pessoas divinas (“Deo”
ou “Deum”) e o nome de Jesus (“Jesum Christum”), ao realizar
os atos internos de adoração (“adoramus te”, “simul adoratur”),
de agradecimento (“gratias agimus tibi”) e de prece (“suscipe
deprecationem nostram”), dá expressão não somente verbal,
mas também num movimento corporal.
Os gestos relativos ao conteúdo das orações
do ofertório, levantar os olhos (“suscipe sancte pater” ou
“offerimus tibi”) e inclinar-se (“in spiritu humilitatis”,
“suscipe sancta Trinitas”) intensificam a força expressiva
destas orações.
A riqueza de expressão simbólica dos gestos
de oração no princípio do Cânon Romano manifesta-se assim:
Ainda antes de iniciar a própria oração, o celebrante
estende as mãos, as levanta e em seguida junta-as. Qual o
significado?
A extensão das mãos em forma de cruz há de
caracterizar o Cânon todo como representação da paixão do
Senhor, há de recordar o Cristo orando com as mãos
estendidas na cruz. A elevação das mãos expressa a elevação
da mente e do coração, que deve ser a atitude durante todo o
Cânon. Juntar as mãos, logo em seguida, expressa o caráter
de suplica; levantar os olhos para o Céu, ou seja, para o
crucifixo indica a direção da oração para Deus; rebaixar os
olhos imediatamente junto com a inclinação profunda diante
do altar quer mostrar a oração, que é penetrada da
consciência de pecado e de culpa, em humildade como a oração
do Publicano no Templo. Apoiar as mãos postas no altar
caracteriza o Cânon como oração do Mediador e em conjunto
com o único sacrifício do altar.
Os sinais da cruz, em formas diferentes,
acompanhando numerosas orações, ou também acompanhados de
orações, manifestam expressamente a relação de certas partes
da Missa para com o sacrifício da cruz que é a causa do
perdão dos pecados e da vida eterna. Assim p.ex. depois do
“Confiteor”, na prece de perdão (“† indulgentiam,
absolutionem et remissionem peccatorum”), na conclusão do
“Credo” (“† et vitam venturi saeculi”), ao receber a santa
Comunhão (“Corpus Domini nostri Jesu Christi † custodiat
animam tuam in vitam eternam”).
No “Sanctus”, o sinal da cruz nas palavras
“Benedictus que venit in nomine Domini”, lembra que com a
entrada de Jesus em Jerusalém começou a paixão do Senhor,
que testemunham também os numerosos sinais da cruz feitos
durante o Cânon sobre as oferendas antes e depois da
consagração.
Ainda em gestos mínimos como p.ex. os dedos
polegares cruzados ao estender as mãos sobre as oferendas (“hanc
igitur oblationem”), faz-se presente o sinal da salvação
para relegar ao cordeiro sacrificado que é Cristo.
Os gestos do sacerdote que acompanham as
palavras da consagração, expressam visivelmente, no nível
cerimonial, que se trata aqui de uma ação na pessoa de
Cristo, imitando o que Cristo fez na instituição do
Sacramento do Altar, na sala da última ceia.
c) A riqueza do simbolismo
A Missa tradicional abre o cofre das suas
riquezas a quem começa a compreender a linguagem dos
símbolos e se deixa guiar, pelas cerimônias sagradas, do
visível ao invisível.
A liturgia clássica se serve de
intermediações sensíveis para falar ao homem, usando todos
os elementos intermediários do mundo: luz, cores, sons,
incenso, gestos. Sem querer prender os sentidos humanos ao
mundo, a liturgia transcende esses elementos para deixar
perceber no visível o invisível, no terrestre o celeste, no
transitório o definitivo. Trata-se de passagens do humano
para o divino, da ação para a contemplação, do presente para
o futuro-eterno. É, sobretudo, a forma clássica da liturgia
que corresponde a essa dinâmica das transições, porque no
seu rito importa o movimento do homem para Deus, do exterior
para o interior, do debaixo para o de cima, do agora para o
que há de vir.
4) CORRESPONDÊNCIA DE FORMA E CONTEÚDO
Na liturgia tradicional, essa dinâmica de
transição do visível ao invisível é garantida, sobretudo,
pela correspondência de forma e conteúdo. Não é só uma
questão de estética litúrgica, mas de condições fundamentais
do culto em si. As formas exteriores de reverência e
adoração são o melhor caminho para garantir as atitudes
interiores correspondentes. Orações preparatórias,
genuflexões e inclinações não são “bugigangas” que também
poderiam faltar, sem que por isso fosse atingida a
realização piedosa de uma ação sagrada. O encontro interior
com o sagrado deve manifestar-se também exteriormente, ou
seja, deve ser apoiado por uma forma exterior. A liturgia
tradicional insiste no que os sentimentos interiores sejam
sinceros quando, ao mesmo tempo, se manifestam
exteriormente. E ela sabe que força de formação pode exercer
o sensível à disposição espiritual.
Escreveu Santo Agostinho: “Os que oram tomam
uma posição do corpo como convém a pessoas que suplicam um
favor: dobram os joelhos, estendem as mãos, ou até se
prostram no chão ou fazem qualquer outro gesto visível dessa
natureza, embora Deus conheça o desejo invisível e a
intenção do coração e não dependa destes sinais exteriores
para ver o interior do homem todo aberto. Não obstante,
através destes atos o homem põe-se cada vez mais num estado
em que consegue orar e implorar com maior humildade e maior
intensidade”.
O que antes já sentiu na alma e que é a causa
destes gestos, aumenta ainda a intensidade do coração,
através de repetidas realizações exteriores.
Por meio da multiplicidade de sinais
sagrados, da beleza dos altares, da preciosidade dos cálices
e paramentos, das incessantes manifestações de reverência, o
Rito clássico garante a correspondência de fé interior com a
forma exterior. Não há uma divisão entre o que se crê e o
que se vê. Aqui encontra-se uma união e harmonia perfeitas
entre o que é realizado e como é realizado. O Rito clássico
não exige que se acredite em algo que não se vê
simbolicamente.
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