O sacramento
da confissão
(Pe. Divino Antônio Lopes FP.)
É um estranho paradoxo. Frequentemente, os
conversos dizem que uma das coisas mais duras para se
fazerem católicos é o pensamento de terem de “ir
confessar-se”. E, no entanto, para nós, que
crescemos na Igreja, o sacramento da Penitência é
provavelmente o que, à parte o Batismo, menos quereríamos
deixar. A paz de mente e de alma que o sacramento da
Penitência nos dá não tem sucedâneo. É uma paz que brota da
certeza – não de uma esperança insegura – de que os nossos
pecados foram perdoados, de que estamos em amizade com Deus.
Evidentemente, também o converso aprende a amar o sacramento
da Penitência logo que supera os seus vagos temores,
causados pela ignorância do que este sacramento é na
realidade.
A palavra “penitência” tem dois
significados. Em primeiro lugar, temos a virtude da
penitência, a virtude sobrenatural que nos leva a detestar
os nossos pecados por um motivo que a fé nos dá a conhecer,
e ao propósito consequente de não ofender mais a Deus e de
desagravá-lo por isso. Neste sentido, o termo
“penitência” é sinônimo de “arrependimento”.
Antes de Cristo, a virtude da penitência era o único meio
pelo qual os homens podiam alcançar o perdão dos seus
pecados. Mesmo hoje, para os que estão fora da Igreja de boa
fé e não dispõem do sacramento da Penitência, ela é o único
meio de alcançar o perdão dos pecados.
Além de ser uma virtude, a Penitência é um
sacramento. Define-se como “o sacramento instituído
por Jesus Cristo para perdoar os pecados cometidos depois do
Batismo”. Ou, para dar uma definição mais longa e
descritiva, podemos dizer que a Penitência é “o
sacramento pelo qual o sacerdote, como instrumento vivo de
Deus, perdoa os pecados cometidos depois do Batismo, quando
o pecador está sinceramente arrependido, diz as suas faltas
em confissão ao sacerdote e se submete à satisfação ou pena
que este lhe impõe”.
Pela sua morte na cruz, Jesus Cristo redimiu
o homem do pecado e das consequências do pecado,
especialmente da morte eterna, que é seu efeito. Não é,
pois, de surpreender que Jesus tenha instituído no mesmo dia
em que ressuscitou dentre os mortos o sacramento pelo qual
os pecados podem ser perdoados.
Ao entardecer do Domingo da Ressurreição,
Jesus aparece aos Apóstolos, reunidos na sala alta onde
tinham celebrado a Última Ceia. Estes retrocedem
assombrados, com uma mistura de temor e esperança
incipiente, enquanto Jesus lhes fala para tranquilizá-los.
Mas deixemos que seja São João quem o conte:
“Veio Jesus e, pondo-se no meio
deles, disse-lhes: A paz seja convosco. E, dizendo isto,
mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos alegraram-se
vendo o Senhor. Disse-lhes Ele outra vez: A paz seja
convosco. Como meu Pai me enviou, assim eu vos envio.
Dizendo isto, soprou e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo;
aqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados;
aqueles os retiverdes, ser-lhe-ão retidos”
(20,19-23).
Parafraseando estas palavras de Jesus numa
linguagem mais moderna, o que Jesus disse foi: “Como
Deus, tenho o poder de perdoar os pecados. Agora vos
transmito o uso desse poder. Sereis meus representantes.
Quaisquer pecados que perdoardes, Eu os perdoarei. Quaisquer
pecados que não perdoardes, eu não os perdoarei”.
Jesus sabia bem que muitos de nós esqueceríamos as valentes
promessas do Batismo e cometeríamos pecados graves depois.
Sabia que muitos de nós perderíamos a graça, a participação
na própria vida divina que nos foi dada no Batismo. Sendo
infinita e inesgotável a misericórdia de Deus, era
inevitável, digamos assim, que Ele desse uma segunda
oportunidade (e uma terceira, e uma quarta, e uma
centésima, se necessário) aos que recaíssem no
pecado.
É lógico que, com a morte dos Apóstolos, não
se interrompesse o poder que Jesus lhes deu de perdoar os
pecados, bem como o de mudar o pão e o vinho no seu Corpo e
Sangue. Jesus não veio à terra para salvar apenas um
minúsculo punhado de almas escolhidas. Não veio para salvar
unicamente os contemporâneos dos seus Apóstolos. Jesus veio
para salvar todos os homens que quisessem salvar-se, até o
fim dos tempos. Quando morria na cruz, tinha-nos presentes a
você e a mim, tanto como a Timóteo e a Tito.
É evidente que o poder de perdoar os pecados
é parte do poder sacerdotal, e, portanto, tinha que se
transmitir de geração em geração por meio do sacramento da
Ordem Sagrada. É um poder que cada sacerdote exerce quando
estende as mãos sobre o pecador contrito e diz: “Eu te
absolvo dos teus pecados, em nome do Pai, e do Filho, e do
Espírito Santo”. Temos ouvido estas palavras muitas
vezes. São “a fórmula da absolvição”.
Pode acontecer uma vez ou outra que o
sacramento da Penitência nos pareça uma carga. Talvez até
tenhamos chegado a exclamar nalguma ocasião: “Oxalá
não tivesse que ir confessar-me!” Mas também não há
dúvida de que, em momentos de serenidade, teremos
compreendido o amor que devemos a este sacramento e como não
quereríamos passar sem ele. Basta pensar um pouco em tudo o
que o sacramento da Penitência faz por nós!
Em primeiro lugar, se uma pessoa se separou
de Deus por um ato grave e deliberado de desobediência
(quer dizer, por um pecado mortal), o sacramento
da Penitência reconcilia essa alma com Deus; a graça
santificante volta a essa alma. Ao mesmo
tempo, os pecados são perdoados. Do mesmo modo que a
escuridão desaparece de um quarto mal se acende a luz, o
pecado tem que desaparecer da alma assim que chega a graça
santificante.
Se alguém vai confessar-se sem pecado mortal,
nem por isso o sacramento é recebido em vão. Neste caso, a
alma recebe um incremento de graça santificante, o que
significa que se aprofunda e se fortalece nela aquela
participação na vida divina pela qual está unida a Deus. E
quer se esteja ou não em pecado mortal, são sempre perdoados
todos os pecados veniais que o penitente tenha cometido e de
que esteja arrependido. Trata-se desses pecados leves e mais
comuns que não nos separam de Deus, mas dificultam a plena
irradiação da sua graça na nossa alma, como as nuvens
dificultam a irradiação solar.
Além de restaurar
ou aumentar a graça santificante e de perdoar os pecados
mortais e veniais, que outras vantagens nos proporciona este
sacramento?
Se se trata de pecados mortais, é cancelado
pela Penitência o castigo eterno que deles resulta
inevitavelmente. Sabemos que quem rejeita Deus pelo pecado
mortal e entra na eternidade impenitente, separa-se d’Ele
para sempre; vai para o inferno. Mas quando
Deus, no sacramento da Penitência, une outra vez essa alma a
Si e a absolve do pecado mortal, elimina também o perigo de
desastre eterno a que essa alma estava destinada.
Ao mesmo tempo que perdoa o castigo eterno
devido pelo pecado mortal, o sacramento da Penitência perdoa
pelo menos parte da pena temporal devida pelo pecado. Esta
pena temporal é simplesmente a dívida de satisfação que devo
a Deus pelos meus pecados, inclusive depois de terem sido
perdoados. É questão de “consertar os estragos”,
poderíamos dizer.
Vejamo-lo por um exemplo caseiro: um rapaz
deixa-se arrebatar por um momento de ira e dá um ponta-pé
numa mesinha, derrubando e quebrando um objeto de cerâmica.
“Sinto muito, mamãe – diz ele, arrependido –.
Não deveria tê-lo feito”. “Bem –
diz a mãe –; se está arrependido, não o castigarei.
Mas terá que recolher os pedaços quebrados, e, além disso,
espero que compre um objeto novo com as suas economias”.
A mãe perdoa a desobediência e absolve o filho do castigo,
mas espera que ele ofereça uma satisfação pela sua rebeldia.
Esta é a satisfação que devemos a Deus por
havê-lo ofendido, e a que chamamos “pena temporal
devida pelo pecado”. E ou pagamos essa pena com
orações, mortificações e outras boas ações feitas em estado
de graça nesta vida, ou teremos que pagá-la no purgatório.
Esta é a divida que os sacramento da Penitência reduz, ao
menos em parte, proporcionalmente ao grau do nosso
arrependimento. Quanto mais fervorosas forem as nossas
disposições, mais se reduz a satisfação temporal que
devemos.
Outro efeito do sacramento da Penitência é
devolver-nos os méritos das boas obras que tenhamos feito e
que se tenham perdido pelo pecado mortal. Como sabemos, toda
boa ação que realizamos em estado de graça santificante, com
a intenção de agradar a Deus, é uma ação meritória, isto é,
merece-nos um aumento de graça nesta vida e de glória no
céu. Mesmo as ações mais simples – uma palavra amável, um
gesto de cortesia –, feitas com amor de Deus, causam este
efeito; muito mais as orações, Missas e sacramentos. No
entanto, o pecado mortal cancela todos esses méritos
acumulados, como uma jogada insensata na roleta pode fazer
perder as economias de toda uma vida. Ao perdoar-nos o
pecado moral, Deus podia, em perfeita justiça, deixar que os
nossos méritos passados continuassem perdidos para sempre.
Mas, na sua bondade infinita, não o faz, não nos obriga a
começar outra vez do princípio: o sacramento da
Penitência não só perdoa os nossos pecados, como nos devolve
também os méritos que tínhamos perdido voluntariamente.
Finalmente, além de todos esses benefícios, o
sacramento da Penitência dá-nos direito a quaisquer graças
atuais de que possamos necessitar – e na medida em que delas
necessitemos – para podermos satisfazer os nossos pecados
passados e vencer as nossas tentações futuras. Esta é a
“graça sacramental” especial da Penitência, que
nos fortifica contra as recaídas no pecado. É o remédio
espiritual que fortalece e ao mesmo tempo cura. Esta é a
razão pela qual toda pessoa desejosa de ter verdadeira vida
interior sente necessidade de confessar-se com frequência. A
confissão frequente é uma das melhores defesas contra o
pecado mortal. Seria, pois, o cúmulo da estupidez dizer:
“Eu não preciso confessar-me porque não cometi nenhum
pecado mortal”.
Todos estes efeitos do sacramento da
Penitência – a restauração ou o aumento da graça
santificante, o perdão dos pecados, a remissão da pena, a
devolução do mérito e a graça para vencer as tentações – são
possíveis graças aos infinitos méritos de Jesus Cristo que
este sacramento imprime na nossa alma. Jesus Cristo na cruz
realizou já a sua obra por nós; no sacramento da Penitência
damos a Deus simplesmente a oportunidade de partilhar
conosco os infinitos méritos do seu Filho.
Preparação da confissão
Provavelmente, muitos de nós recebemos o
sacramento da Penitência com razoável frequência. E, sem
dúvida, quando somos severamente tentados, ou de algum modo
temos o espírito atribulado, encontramos nesse sacramento
uma fonte abundante de fortaleza e paz. Agradecemos a Deus
por nos ter dado essa oportunidade tão à mão de obtermos
orientação e conselho espiritual, além das graças que a
Penitência nos dá. Se somos sensatos, procuraremos o
mesmo confessor regularmente, para que possa conhecer melhor
as nossas necessidades.
Não obstante, pode ser que muitos de nós –
sem grandes tentações nem problemas de peso – recebamos o
sacramento da Penitencia rotineiramente. Vamos confessar-nos
com frequência porque damos crédito à afirmação de que é bom
para a nossa alma. Dizemos os nossos pecados e cumprimos
depois a penitência, e não passamos disso. Não sentimos
sensação alguma de renovação ao sairmos do confessionário;
não nos vemos melhorar apreciavelmente de confissão para
confissão. Qual pode ser a causa desta espécie de apatia?
Que está faltando da nossa parte para nos confessarmos com
fruto?
O catecismo dá uma lista de cinco
condições para recebermos dignamente o sacramente da
Penitência. Primeiro,
examinarmos a nossa consciência. Segundo,
doer-nos dos nossos pecados. Terceiro, fazer o
firme propósito de não pecar daí por diante. Quarto,
confessar os nossos pecados ao sacerdote. Quinto,
querer cumprir a penitência que o confessor nos impõe.
Omitir qualquer destes pontos pode ocasionar, no pior dos
casos, uma confissão completamente indigna, uma confissão
sacrílega; e, no melhor, uma confissão com menos fruto, em
que a nossa alma receba muito pouca graça.
Consideremos em primeiro lugar o exame de
consciência. Define-se como o esforço sincero por recordar
todos os pecados cometidos desde a última confissão válida.
Devemos cumprir essa tarefa antes de nos aproximarmos do
confessionário. Se alguém tem dificuldade em examinar a sua
consciência – por exemplo, por estar afastado da confissão
há muito tempo ou por ter pouca formação religiosa –, o
sacerdote o ajudará com gosto a fazê-lo, se lhe falar disso.
Mas o normal é ter os pecados antecipadamente preparados
para desfilarem em revista perante o sacerdote, logo que
este nos possa ouvir.
A questão é saber se o nosso exame de
consciência tem a profundidade e a seriedade que deveria
ter. É fácil, especialmente se nos confessamos com
frequência, descurar este ponto. “O mesmo que da
última vez”, dizemos. “Descuidei as orações,
usei o nome de Deus com pouca reverência, perdi a paciência
uma vez e disse duas ou três mentiras pequenas”. E
com essa olhada rápida julgamos estar preparados para a
confissão. Parece que esquecemos que o que vamos receber é
nada menos que um sacramento, um sacramento por cuja
eficácia Cristo morreu em agonia. O nosso exame de
consciência deveria ser uma preparação pausada e cuidadosa:
caso contrário, não nos deve surpreender que a nossa quota
de graça seja pequena.
Antes de mais nada, o nosso exame deve
começar com uma oração fervorosa, pedindo ao Espírito Santo
luzes para podermos reconhecer os nossos pecados claramente,
confessá-los adequadamente e arrepender-nos sinceramente. Só
depois nos dedicaremos a inventariá-los. Sem pressas nem
nervosinhos (deixando que outros passem à nossa frente no
confessionário, se chega a nossa vez e ainda não estamos
preparados), repassaremos os mandamentos da lei de Deus e da
Igreja e os nossos deveres particulares de estado,
aplicando-os à nossa pessoa. Devemos preocupar-nos de
recordar os pecados mortais se, infelizmente, existem. Cada
pecado mortal deveria doer-nos como a proverbial punhalada.
Mas, como pretendemos fazer uma confissão muita frutífera,
buscaremos também os nossos pecados veniais, aquelas coisas
que impedem o nosso pleno amor a Deus.
Podemos sentir a inclinação de despachar um
ou outro mandamento demasiado depressa. Dizemos: “O primeiro
mandamento? Não adorei nenhum deus falso”. Não,
evidentemente. Mas que acontece com as irreverências na
igreja, com as distrações na oração, com um pouco de
superstição talvez? “O quinto mandamento? Não matei
ninguém”. Não; mas que acontece com as broncas em
casa, quando começo a gritar e deixo todo mundo ressentido?
Que dizer sobre o rancor que guardo contra fulano e sicrano?
Que dizer sobre a minha secreta esperança de que fulano “se
meta na enrascada que andava procurando”? “O sexto?
Não cometi adultério ou fornicação”. Não, mas que
dizer desse olho curioso na praia, dessas piadas marrom de
escritório? “o oitavo? Ah, sim! Disse uma ou duas
mentirinhas certa vez”. Sim? E que dizer daquela
murmuração daninha que soprei, daquelas reticências e
preconceitos contra essa pessoa de outro país ou raça?
Quando de verdade começarmos a examinar-nos sobre a virtude
da caridade, surpreender-nos-á ver que necessitamos de mais
tempo do que pensávamos.
E que acontece com a honestidade da nossa
conduta em assuntos de dinheiro, com a justiça com os
subordinados, com a nossa generosidade em repartir com os
menos afortunados os nosso bens materiais? Que acontece com
a nossa plena aceitação de tudo o que a Igreja ensina? E com
a temperança e a sobriedade na comida e, sobretudo, nas
bebidas? (ou teremos que embebedar-nos para perceber que não
somos comedidos?) E com o exemplo de vida cristã que damos
aos que nos rodeiam?
Não é necessário continuar aqui a lista. Uma
fraqueza a que nos inclinamos é comparar-nos com o vizinho
da frente ou com a vizinha do lado, e concluir que, depois
de tudo, não somos tão maus assim. Esquecemos que o único
com quem temos o direito de comparar-nos é Jesus Cristo. Ele
é o nosso modelo, ninguém mais.
Antes de receber o sacramento da Penitência,
é importante examinarmos bem a consciência; mas é mais
importante ainda assegurar-nos de que temos dor sincera dos
nossos pecados. Podemos esquecer-nos involuntariamente de
confessar um pecado – até mortal – e mesmo assim fazer uma
boa confissão, receber o perdão dos nossos pecados.
Mas também podemos confessar todos os nossos pecados com a
máxima precisão e, no entanto, sair do confessionário com
eles ainda em nossa alma, se não temos uma contrição sincera.
Que é, pois, essa contrição tão essencial
para recebermos validamente o sacramento da Penitência? A
palavra “contrição” deriva do latim e
significa “moer”, “pulverizar”.
A ideia de reduzir o eu a pó é a que nos leva a
apresentar-nos diante de Deus com profunda humildade. O
Concílio de Trento, que tratou amplamente do sacramento da
Penitência, diz que a contrição é
“um pesar de coração e detestação do
pecado cometido, com o propósito de nunca mais cometê-lo”.
E fácil compreender a necessidade da
contrição como condição para o perdão. Se ofendemos alguém,
seria uma loucura pensar que essa pessoa nos perdoará mesmo
que não sintamos dor da ofensa cometida nem lho façamos
saber. Não é de surpreender, pois, que Deus, a quem
ofendemos com uma desobediência deliberada aos seus
mandamentos, exija que nos arrependamos das nossas ofensas
para sermos absolvidos da culpa. Deus não perdoa
nenhum pecado, mortal ou venial, se não estamos arrependidos.
Mas também temos a outra cara da moeda, muito
mais consoladora. Nos assuntos humanos, deparamos às vezes
com gente rancorosa e vingativa, que nunca perdoa um
insulto, por mais que nos doa o mal cometido e nos
desculpemos. Deus não é assim. Deus perdoa toda
ofensa, por odiosa que seja, se o pecador tem verdadeira
contrição.
Temos que distinguir duas espécies de
contrição: a perfeita e a imperfeita. A
diferença entre elas baseia-se nos motivos que as produzem,
nos “porquês” do nosso arrependimento. A
contrição perfeita é a dor dos pecados que nasce de um
perfeito amor a Deus. Ama-se a Deus sobre todas as
coisas por Ele mesmo, simplesmente por ser infinitamente bom
e merecedor da nossa lealdade absoluta, e essa consideração
nos leva ao pesar de o termos ofendido. Esta é a contrição
perfeita.
Deve-se notar que este “amor a Deus
sobre todas as coisas por Ele mesmo” não implica
necessariamente um sentimento de amor à maneira humana,
emocional. É fácil sentirmos um amor mais ardente por certas
pessoas que por Deus; mas isto não quer dizer que prefiramos
essas pessoas a Deus. Santa Branca, mãe de São Luís (o rei
Luís IX de França), dá-nos um bom exemplo disso. Não se pode
duvidar do ardente amor materno que sentia por seu filho, e,
no entanto, disse-lhe certa vez: “Preferiria ver-te
morto aos meus pés a ver-te cometer um só pecado mortal!”.
Se formos capazes de dizer a mesma coisa sinceramente, se
estivermos dispostos a renunciar por Deus a qualquer pessoa
ou coisa antes que ofendê-Lo, então temos perfeito amor de
Deus. E se é este o amor que inspira a nossa dor pelos
pecados, então temos uma contrição perfeita.
De passagem, diremos que uma contrição
perfeita perdoa o pecado mortal imediatamente, sempre que
tenhamos a intenção de nos acusarmos dele na nossa próxima
confissão. Isto deveria levar-nos a incluir um ato de
perfeito amor a Deus nas nossas orações diárias, para nos
recordarmos de que Deus é o mais importante da nossa vida,
não só pelo que fez por nós, mas pelo que é. Se nos mantemos
“em forma” desta maneira, temos melhores possibilidades de
fazer um ato de perfeita contrição, caso venhamos a precisar
dela, contando sempre com a graça de Deus.
A contrição imperfeita é uma
espécie de dor mais egoísta, mas deve ficar claro que não é
uma má espécie de dor. Embora não tenha o poder de perdoar o
pecado mortal fora da confissão, é uma dor suficientemente
sincera para nos conseguir o perdão no sacramento da
Penitência.
Os motivos que inspiram a contrição
imperfeita são o ódio ao pecado por ser essencialmente um
mal, ou o temor à justiça divina: a perda do céu e o
desterro eterno no inferno. A dor que brota de um ou de
ambos os motivos constitui a contrição imperfeita. Para a
contrição imperfeita, não é suficiente o medo ao inferno
como o maior dos males, de modo que decido explicitamente
que, se não houvesse inferno, pecaria com gosto. Este é o
tipo de temor que tem o cachorro quando vê o chicote nas
mãos do seu amo. É um temor completamente egoísta, de
escravos. O nosso temor a Deus deve nascer da consideração
de que Ele é o nosso máximo bem, deve ser como o de uma
criança para com um pai amoroso, não como o de um escravo
para com um capataz severo.
Ambas as espécies de contrição, a perfeita e
a imperfeita, devem incluir, evidentemente, o firme
propósito de não pecar daí para a frente. É óbvio que não
estamos contritos de um pecado se continuamos dispostos a
cometê-lo novamente, se tivermos ocasião. Este propósito de
não mais pecar deve abranger todos os pecados mortais, não
só os que se confessaram; e deve incluir todos os pecados
veniais que confiamos nos sejam perdoados.
Ao referimo-nos à contrição perfeita, é
conveniente fazer notar que, embora apague o pecado mortal
imediatamente, há o expresso preceito que nos proíbe de
receber a Sagrada Comunhão enquanto não o tenhamos
confessado no sacramento da Penitência.
A contrição
Quando é real a dor?
Às vezes, tropeçamos com alguém na rua ou no
ônibus e dizermos: “Sinto muito”. Dizemo-lo por cortesia,
ainda que não o sintamos de maneira nenhuma. Por dentro,
temos vontade de exclamar: “Por que esse indivíduo não
olha por onde anda?” Ou se alguém se aborrece por
algo que dissemos com toda a inocência, dizemos: “Sinto
muito”, ainda que por dentro estejamos comentando:
“Por que será que este homem é tão
suscetível?”
É muito fácil multiplicar os exemplos de
ocasiões em que as pessoas dizem “Sinto muito” sem sentir
nada. Mas quando se trata, como é o caso, de nos prepararmos
para receber o sacramento da Penitência, ou a nossa
contrição é cem por centro sincera ou é melhor não nos
confessarmos. Receber o sacramento da Penitência sem dor
verdadeira é fazer uma confissão indigna, e o sacramento
seria inválido e infrutífero. Se não temos contrição
autêntica, Deus não nos perdoará os pecados. Como
podemos, pois, saber se a nossa contrição é autêntica ou
não? Quais os requisitos essenciais de um ato de contrição
genuíno?
Os teólogos enumeram quatro condições.
O primeiro e o mais evidente
dos requisitos é que a contrição seja interior.
Quando dizemos a Deus: “Sinto muito haver-te ofendido”, não
fazemos um mero ato de cortesia nem apresentamos a
obrigatória desculpa cortês. O nosso coração deve estar nas
nossas palavras. Simplesmente devemos querer dizer o que
dizemos. Mas isto não significa necessariamente que
devamos sentir uma dor emocional. Como o amor, a dor
é um ato da vontade, não um golpe de emoção. Assim como
podemos amar a Deus sem experimentar sensações, podemos ter
uma profunda dor dos nossos pecados sem sentir reação
emocional alguma. Se com toda a sinceridade nos determinamos
a evitar tudo o que possa ofender a Deus, com a ajuda da sua
graça, então temos contrição interior.
Além de interior, a nossa contrição
deve ser sobrenatural. A razão
se baseia no “porque” da nossa contrição. Se um homem se
arrepende de embebedar-se porque depois fica com uma ressaca
tremenda, essa dor é natural. Se uma mulher se lamenta de
ter falado mal, murmurado maliciosamente, porque isso lhe
fez perder a sua melhor amiga, essa dor é natural. Se um
menino lamenta a sua desobediência porque por isso lhe darão
uns açoites, a sua dor é natural. Essa dor natural não tem
nada a ver com Deus, com a alma ou com motivos
sobrenaturais. Não é que essa dor seja má, mas é
insuficiente em relação a Deus.
A nossa dor é sobrenatural quando nasce de
considerações sobrenaturais; quer dizer, quando o seu
“porque” se baseia na fé em algumas verdades que Deus
ensinou. Por exemplo, Deus nos disse que devemos amá-lo
sobre todas as coisas e que pecar é negar-lhe esse amor.
Deus nos disse que um pecado mortal causa a perda do céu e
nos faz merecedores do inferno, e que o pecado venial deve
ser reparado no purgatório. Disse-nos que o pecado é a causa
de que Jesus tenha morrido na cruz e que é uma ofensa à
bondade infinita de Deus. disse-nos que o pecado é odioso
por sua própria natureza. Quando a nossa dor se baseia
nestas verdades que Deus revelou, é dor sobrenatural.
Elevou-se acima de meras considerações naturais.
Em terceiro lugar, a nossa
dor deve ser suprema. Quer dizer, devemos encarar
realmente o mal moral do pecado como o máximo mal que
existe, maior que qualquer mal físico ou meramente natural
que nos possa ocorrer. Significa que, quando dizemos a
Deus que nos arrependemos dos nossos pecados, estamos
dispostos, com a ajuda da sua graça, a sofrer qualquer coisa
antes que ofende-lo outra vez. A frase “com a ajuda
da sua graça” é muito importante. A dor suprema não exclui
um sincero temor de pecar outra vez, se fazemos depender a
vitória apenas das nossas forças humanas. Pelo contrário,
devemos desconfiar de nós e da nossa auto-suficiência;
devemos reconhecer que dependemos da graça divina.
Ao mesmo tempo, sabemos que nunca nos faltará
a graça de Deus, se fizermos o que está ao nosso alcance.
Seria um grande erro tentar verificar se a nossa dor é ou
não suprema imaginando tentações extraordinárias. Por
exemplo, não faz nenhum sentido que um homem se pergunte:
“Permaneceria casto se me fechassem num quarto com uma
mulher nua e sedutora?” Sem culpa nossa, Deus jamais
permitirá que tenhamos que enfrentar tentações que superem a
nossa capacidade de resistência; e se Ele permitisse
tentações extraordinárias, podemos ter a certeza absoluta de
que nos daria todas as graças extraordinárias de que
necessitaríamos para vencê-las.
Por último, a nossa dor – interior,
sobrenatural e suprema – deve ser também
universal. Isto significa que devemos arrepender-nos
de todos os pecados mortais sem exceção. Um só pecado
mortal nos separaria de Deus e nos privaria da graça
santificante. Ou nos arrependemos de todos ou não
poderemos recuperar a graça de Deus. Ou todos são perdoados
ou nenhum. Se déssemos quatro bofetadas a um amigo, seria
ridículo dizer-lhe: “Arrependo-me de três delas, mas não da
quarta”.
Deve-se notar que essas quatro
condições se aplicam tanto à contrição perfeita como à
imperfeita. Especialmente
quanto à segunda condição, as pessoas tem às vezes uma noção
errada, e confundem a dor natural com a contrição
imperfeita, quando não são de maneira nenhuma a mesma coisa.
Também a contrição imperfeita deve ser sobrenatural nos seus
motivos; deve basear-se num motivo conhecido pela fé, como a
crença no céu e no inferno ou na fealdade essencial do
pecado. Uma simples dor natural não é contrição nenhuma, nem
mesmo imperfeita.
Suponhamos que ofendi um amigo espalhando uma
calúnia acerca dele. Quero agora recuperar a sua amizade e
peço-lhe desculpas dizendo: “Arrependo-me do que fiz, Pedro,
mas reservo-me o direito de fazê-lo outra vez se me der
vontade”. Não é preciso ser professor de psicologia para
adivinhar que Pedro continuará magoado, e com razão.
Minha pretensa desculpa não o é absolutamente. Se de verdade
lamento havê-lo ofendido, propor-me-ei com toda a firmeza
não ofendê-lo outra vez.
Passa-se o mesmo com as ofensas a Deus.
Não há ato de contrição verdadeiro se não se fizer
acompanhar do propósito de emenda. Este propósito
não é outra coisa senão a simples e sincera determinação de
evitar o pecado no futuro, bem como as ocasiões próximas de
pecado, tanto quanto nos seja possível. Sem esse propósito,
não pode haver perdão dos pecados, nem mesmo dos veniais.
Ocasião próxima de pecado é qualquer
circunstância que nos possa levar a ele. Algumas ocasiões de
pecado são próximas por sua própria natureza: livros e
revistas declaradamente obscenos, por exemplo. Outras podem
ser ocasiões próximas só para determinados indivíduos.
Assim, um bar pode ser ocasião de pecado para quem tenha
dificuldade de beber com moderação; estacionar o carro à
noite à luz da lua pode ser ocasião de pecado para os jovens
namorados que viajam nele. Geralmente, as experiências do
passado nos dirão quais são para nós as ocasiões próximas de
pecado. Ao fazermos o ato de contrição, devemos
renunciar resolutamente a todas essas ameaças ao nosso bem
espiritual, quer provenham de pessoas, de lugares, de coisas
ou de certas atividades.
Deve-se notar que
o nosso propósito de emenda – a nossa resolução de evitar o
pecado e as ocasiões próximas
de pecado – deve abranger não só os pecados mortais que
tenhamos cometido, mas todos os pecados mortais possíveis
sem exceção. Sem esta resolução universal, nenhum pecado
mortal pode ser perdoado.
A situação é diferente com relação ao pecado
venial. O pecado venial não nos separa de Deus, não extingue
a sua graça em nossa alma. por conseguinte, é possível obter
o perdão de determinado pecado venial, mesmo que os outros
fiquem por perdoar. Isto significa que o nosso propósito de
emenda deve estender-se a todos os pecados veniais que
esperamos nos sejam perdoados, mas não necessariamente a
todos os pecados veniais cometidos. Agarrar-se a algum
pecado venial enquanto se renuncia a outros, denota,
evidentemente, um nível muito baixo de amor a Deus, mas aqui
não estamos falando do que é melhor, mas do mínimo
necessário.
Sem dor não pode haver perdão, e sem
propósito de emenda não pode haver dor genuína.
É um princípio evidente e, no entanto, é possível que
algumas pessoas, que se horrorizariam ante o pensamento de
fazer uma má confissão ocultando um pecado mortal, não
sentem o mesmo horror ante uma confissão inválida por falta
de um propósito firme de emenda. Se alguém é culpado de
pecados mortais, não basta que os diga ao confessor ou
recite um ato de contrição rotineiro. Se o penitente
não está sincera e firmemente resolvido a não tornar a
cometer um pecado mortal, a sua confissão é um ato de
hipocrisia. É uma confissão tão má como a
daquele que ocultasse conscientemente um ou mais pecados
mortais ao confessor.
No entanto, ao ganharmos consciência da
necessidade de fazer um propósito de emenda sincero, não
devemos cair no erro de confundir o momento atual com as
possibilidades do futuro. Uma pessoa pode muito bem
experimentar sentimentos como este:
“Arrependo-me sinceramente dos meus pecados
mortais, e real e verdadeiramente não quero cometer nenhum
pecado mortal outra vez. Mas conheço a minha fraqueza e sei
como, sob pressão, tenho quebrado os meus bons propósitos no
passado. Já antes me propus não cair outra vez, mais cai.
Como posso, pois, estar certo de que o meu propósito de
agora é firme?”
Podemos estar certos de ter um firme
propósito de emenda agora, se mantivermos a nossa mente no
agora, sem procurar complicações imaginando um futuro
hipotético. Ainda que no passado tenhamos falhado doze
vezes, cem vezes, isso não significa que estejamos
condenados a falhar sempre. Esta pode ser a vez em que
saltemos o fosso. Precisamente esta pode ser a vez em que,
com a paciente graça de Deus, alcancemos o triunfo.
Ainda que seja um axioma avalizado por um
longo uso, não é verdade que o inferno esteja cheio de boas
intenções. O que está de boas intenções é o caminho do
céu; o do inferno esta cheio de desânimos e desespero.
Como podemos triunfar nalguma coisa se não tentamos uma vez,
e outra, e outra ainda, sem desanimar? Quem escala uma
montanha pode avançar três passos e retroceder dois; mas, se
é bastante tenaz, bastante forte, chegará a alcançar o cume.
Uma pessoa que tenha a desgraça de cair
num hábito de pecado – seja de impureza, de ira, contra a
caridade ou qualquer outra virtude – precisa de ter ideias
absolutamente claras acerca do verdadeiro propósito de
emenda: o que conta na confissão é este momento de agora e
esta intenção de agora. Pode ser que depois haja mais
tropeços e mais quedas, antes da vitória final. Mas o único
pecador que é derrotado é aquele que deixa de lutar.
Agradecer a
Deus pela confissão
Os que não compreendem a fé católica afirmam
com certa frequencia: “Eu nunca poderei acreditar na
confissão. Se erro, direi a Deus na intimidade da minha alma
que sinto muito, e Deus me perdoará. Não tenho por que dizer
os meus pecados a um simples homem para que Deus me perdoe”.
Parece uma afirmação razoável, não é verdade? E, no entanto,
está tão cheia de falácias (enganos) como de buracos
uma rede de pescador.
Em primeiro lugar, a questão não é saber se
eu gosto da confissão ou se prefiro que se perdoem os meus
pecados de outro modo. A questão é saber como Deus quer que
se perdoem os pecados. Se Jesus Cristo, verdadeiro Deus, ao
instituir o sacramento da Penitência, como meio necessário
para o perdão dos pecados cometidos depois do Batismo, fez
da confissão dos pecados ao sacerdote parte essencial do
sacramento, então esse é o modo de fazê-lo. Nós não temos a
liberdade de escolher e de recusar, quando Deus já se
pronunciou. Não podemos dizer: “Eu gostaria mais que
fosse de outra maneira”.
Jesus quis que a acusação dos nossos pecados
fosse parte essencial do sacramento da Penitência. Ao
conferir aos seus sacerdotes no Domingo da Ressurreição o
poder de perdoar os pecados, Ele disse:
“Aqueles a quem perdoardes os
pecados, ser-lhes-ão perdoados; aqueles a quem os
retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20,
23). E, com a infinita sabedoria de Deus,
Jesus não disse essas palavras levianamente; e essas
palavras não tem sentido a não ser que pressuponham a
acusação dos pecados.
Como é que os Apóstolos e os sacerdotes
que os sucederiam poderiam saber que pecados perdoar e que
pecados não perdoar se não soubessem que pecados eram esses?
E como é que poderiam conhecer esses pecados se não fosse o
próprio pecador a manifestá-los?
A história da Igreja confirma o significado
patente dessas palavras do Senhor. Os escritos primitivos
dizem-nos que, já desde o começo da Igreja, só se concedia o
perdão aos penitentes depois de confessarem os seus pecados.
A principal diferença entre os primeiros séculos e os nossos
dias é que, quando a Igreja estava na sua infância, o perdão
dos pecados não era concedido sem mais nem menos. Se o
pecado era do conhecimento público – como a idolatria, o
adultério ou o assassinato, o pecador devia submeter-se a
uma penitência que durava toda a vida, e só lhe era
concedido o sacramento da Penitência no leito de morte.
O que os críticos da confissão (e de
outras doutrinas da Igreja) esquecem é que nem todas as
palavras de Jesus estão registradas nos Evangelhos. Quando
consideramos que Jesus pregou e ensinou durante um período
de quase três anos, percebemos como é pouco o que as poucas
páginas dos quatro evangelistas registram em comparação com
tudo o que Jesus deve ter ensinado. Podemos estar certos,
por exemplo, de que, na noite do Domingo da Ressurreição, os
Apóstolos aproveitaram a fundo a ocasião para perguntar a
Jesus qual o significado exato das suas palavras: “A
quem perdoardes os pecados…” e sobre as condições
que teriam que exigir para esse perdão.
A historia mostra-nos que a manifestação dos
pecados para obter o perdão é tão antiga como a Igreja
Católica. Em consequência, o sectário que afirma que
“a confissão é uma invenção dos padres para ter as pessoas
na mão” está exibindo a sua ignorância religiosa
tanto quanto os seus preconceitos. A réplica evidente a esse
crítico é perguntar-lhe: “Bem, se os padres inventaram
a confissão, então por que não se eximiram eles próprios da
obrigação de confessar-se?” O Papa tem que
confessar-se, os bispos tem que confessar-se, os padres tem
que confessar-se, tal como toda a gente.
Todas essas objeções à confissão que ouvimos
de vez em quando baseiam-se na suposição de que o sacramento
da Penitência é um horrível suplício que devemos temer e
evitar tanto quanto possível. Nós, os católicos praticantes,
sabemos que não é assim, que essa suposição é uma patranha.
Sabemos que o sacramento da Penitência é um dos maiores
presentes que Deus nos fez, um presente sem o qual não
poderíamos passar e que sempre teremos de agradecer.
Em primeiro lugar, ao requerer a explícita
confissão dos nossos pecados, Deus nos protege contra a
universal fraqueza humana, que nos leva a justificar-nos.
Está muito bem dizer: “Na intimidade da minha alma,
direi a Deus que me arrependo, e Deus me perdoará”.
Se nos fosse pedido somente isso, seria muito fácil
enganarmo-nos, pensando que estávamos arrependidos, quando,
na realidade, continuaríamos apegados aos nossos pecados e
os tornaríamos a cometer com a maior sem-cerimônia. Mas
quando temos que trazê-los a luz, quando temos que pôr-nos
de joelhos e manifestá-los de viva voz, então temos que
enfrentar a verdade. Já não é tão fácil que nos enganemos.
Deus, que nos fez e sabe com que facilidade nos enganamos,
proporcionou-nos um bendito meio para não nos iludirmos.
Outro dos benefícios da confissão, digno de
ser levado em conta como parte do sacramento da Penitência,
é que nos proporciona um conselho autorizado para as nossas
necessidades espirituais. Assim como um médico nos ajuda com
a sua ciência a curar e a prevenir as doenças físicas, na
confissão encontramos um perito nos males da alma, que nos
prescreve os remédios e as salvaguardas necessárias para
conservarmos a saúde espiritual e crescermos em santidade.
Também não é desprazível a saúde psicológica
que obtemos na confissão, tal como a sensação de alívio que
se segue à manifestação dos nossos pecados, a paz e o Júbilo
interiores que acompanham a certeza de termos sido
perdoados, a libertação dos sentimentos de culpa que nos
perturbavam e desalentavam. Não nos surpreende que um
eminente psiquiatra (não católico) tenha dito: “Se
todas as religiões tivessem a confissão, haveria muito menos
pacientes nos nossos manicômios”. Não nos surpreende
também que aquele que conhece os benefícios deste sacramento
exclame: “Obrigado, meu Deus,
pela Confissão!”
Depois do Batismo, há uma só coisa que
nos pode separar de Deus: o pecado mortal, o repúdio
consciente e deliberado da vontade de Deus em matéria grave.
O principal fim do sacramento da Penitência é restaurar na
alma do pecador a vida divina (a graça santificante)
que havia perdido. Por conseguinte, os pecados que devemos
dizer na confissão são todos os pecados mortais cometidos
depois do Batismo e não confessados previamente.
Já que o pecado venial não atinge em nós a
vida da graça, não somos obrigados a mencioná-los na
confissão. Mas é muito proveitoso fazê-lo, ainda que não
seja obrigatório: nada nos pode dar maior certeza de
terem sido perdoados do que submetê-los à absolvição de um
sacerdote; além disso, no sacramento da Penitência recebemos
graças especiais, que nos dão forças para evitar esses
pecados no futuro. Mas é verdade que o pecado venial pode
ser perdoado fora da confissão por um ato de contrição
sincero (ao menos se for uma contrição perfeita) e um
propósito de emenda.
Também não há obrigação de confessar os
pecados mortais duvidosos. Mas, novamente, é mais prudente
manifestar esses pecados na confissão, para o bem da nossa
paz interior e por causa da graça que recebemos contra as
recaídas. No entanto, não é imprescindível confessar os
pecados mortais duvidosos para se fazer uma boa confissão.
Se o fazermos, devemos mencionar as nossas dúvidas ao
sacerdote e confessá-los depois “como estiverem na
presença de Deus”. Um exemplo de pecado mortal
duvidoso seria um acesso de ira vingativa, que desperta em
nós a dúvida de saber que se essa ira foi plenamente
deliberada ou não. Outro exemplo poderia ser os dos
pensamentos impuros, com a dúvida posterior de saber se
consentimos ou resistimos com a prontidão suficiente.
Não é necessário sublinhar que devemos ter
muito cuidado em não nos enganarmos nesta matéria. Devemos
fugir de nos procurarmos convencer de que um pecado mortal é
duvidoso quando há indícios razoáveis do contrário.
Ao confessarmos os nossos pecados mortais,
temos obrigação de dizer o número de vezes que cometemos
cada pecado. Para um católico praticante que se
confessa frequentemente, não há nenhum problema nisso. Quem
não se tenha confessado há muito tempo pode ver-se em
dificuldades. Deve lembrar-se então de que Deus não pede a
ninguém o impossível. Se não puder recordar o número
exato de vezes que cometeu certo pecado, basta que faça uma
estimativa sincera. Um modo prático de proceder nesses casos
é fazer o cálculo com base no número de pecados cometidos
por semana ou por mês.
Ao referirmos os nossos pecados na confissão,
temos que indicar a espécie de pecados que cometermos. Não
basta dizer: “Pequei contra o segundo mandamento”.
Devemos mencionar (supondo que o pecado foi mortal) se
pecamos por blasfêmia, falso juramento, maldição ou
profanação. Não basta dizer: “Pequei contra a justiça”.
Temos que distinguir se foi roubo, fraude, dano à
propriedade ou à reputação alheia. A maioria dos
devocionários proporciona uma relação de possíveis pecados,
que podem ajudar o penitente a enumerá-los e
classificá-los.
Não convém sobrecarregar a confissão com
pormenores desnecessários das altas cometidas. Os incidentes
que nos tenham levado a odiar o cunhado e as consequências
que daí resultaram para a vida do lar, o modo como
conseguimos aquele contrato que agora vemos que foi leonino,
não são normalmente coisas que digam respeito à confissão.
No entanto, deve-se mencionar qualquer circunstância que
mude a espécie do pecado, isto é, qualquer circunstância que
realmente acrescente ao pecado uma nova malícia. Assim,
dizer que se roubou um copo dourado não basta se porventura
esse copo é o cálice da paróquia; neste caso, ao pecado de
roubo acrescenta-se o pecado de sacrilégio. Não basta dizer
que se jurou falso se o juramento causou um grave
prejuízo a um terceiro nos seus bens ou na sua fama; neste
caso, acrescenta-se a injustiça ao perjúrio.
Para fazer uma boa confissão, é importante
não só dizer os pecados, mas também dizê-los de modo
adequado. Se todo o espírito do sacramento da Penitência é
de arrependimento pelo erro reconhecido, é evidente que
devemos ir à confissão com uma profunda humildade de
coração. Atitudes como as daquele que diz: “Bem,
afinal de contas, não sou tão mau assim”, ou
“imagino que sou como todo o mundo” ou “todos
fazem coisas assim; não deve ser um pecado tão terrível”,
seriam fatais para se fazer uma boa confissão.
A sinceridade é outra das condições exigidas
pelo sacramento da Penitência. Isto significa nada mais (e
nada menos) que devemos manifestar os nossos pecados com
sinceridade e franqueza totais, sem intenção alguma de
ocultá-los ou desfigurá-los. A nossa confissão seria
insincera se tentássemos fazê-la usando frases vagas ou
ambíguas, na esperança de que o confessor não perceba de que
é que estamos falando; se andássemos por aí buscando um
sacerdote duro de ouvido a quem escapem as nossas palavras
atropeladas ou sussurradas; se intercalássemos desculpas e
álibis com a intenção de salvar o nosso amor próprio.
Mencionamos estes defeitos não porque sejam
prática comum, mas para que compreendamos melhor a essência
de um boa confissão. A grande maioria dos católicos recebe
frequentemente e com agradecimento o sacramento da
Penitência: são um exemplo constante de como fazer uma boa
confissão, e a sua sinceridade e humildade são fonte
inesgotável de edificação para os sacerdote que os atendem.
A confissão
Acusação dos pecados
Nosso Senhor Jesus Cristo quis que o
sacramento da Penitência fosse também um ato de penitência,
um ato de humildade; mas não que se tornasse um peso
intolerável para os membros do seu rebanho.
É verdade que todos os pecados mortais
cometidos depois do Batismo devem ser explicitamente
confessados, e este princípio é valido mesmo quando, por
necessidade urgente, é preciso adiar temporariamente a
confissão explícita.
Uma pessoa gravemente doente, que esteja tão
fraca que não possa especificar os seus pecados, pode
receber o sacramento da Penitência simplesmente manifestado
que pecou e que se arrepende dos pecados cometidos. Pode-se
absolver um grupo numeroso de soldados, à hora de entrarem
em combate, se manifestam em termos gerais a sua culpa e, ao
mesmo tempo, a sua contrição; mas, em casos de emergência
como estes ou outros análogos, previstos pelas leis da
Igreja, o pecador continua obrigado a manifestar em detalhe
os pecados mortais da próxima vez que for confessar-se. Se
alguém recebesse uma absolvição coletiva – nos casos muito
especiais previstos pela Igreja – e não tivesse o propósito
de confessar individualmente, numa próxima confissão
individual, os pecados mortais não acusados, não receberia o
sacramento da Penitência. Teria feito um ato inválido.
Aplica-se o mesmo princípio quando alguém se
esquece de mencionar na confissão um ou mais pecados mortais
que tenha cometido. Se depois se recorda desse pecado, deve
mencioná-lo na próxima confissão, mas não é necessário que
corra imediatamente ao confessor, e, entretanto, pode
aproximar-se da comunhão. Devido à contrição universal do
penitente, o pecado por ele esquecido já foi indiretamente
perdoado; fica apenas a obrigação de mencioná-lo, se o
recorda, na confissão seguinte, para que seja diretamente
perdoado.
Seria de uma grande insensatez angustiar-se
indevidamente à hora de preparar a confissão ou inquietar-se
por medo de esquecer acidentalmente algum pecado. Mais
insensato ainda seria deixar-se perturbar por vagas
inquietações acerca de confissões passadas. Deus é justo
juiz, mas não um juiz tirano. Tudo o que nos pede é que
usemos dos meios razoáveis para fazer uma boa confissão. Não
nos pedirá contas das inevitáveis fragilidades humanas, tais
como a má memória.
Uma só coisa pode viciar a nossa confissão e
torná-la “má” ou sacrílega: omitir consciente e
deliberadamente a manifestação de um pecado que temos a
certeza de ser mortal e que deveríamos confessar. Proceder
assim é não querer cumprir uma das condições que Deus nos
pede para nos conceder o seu perdão. Se não nos “abrimos” a
Deus, Deus não abrirá o seu tribunal ao perdão.
O trágico de uma má confissão é que produz
uma reação em cadeia de pecados. A não ser que – e até que –
retifiquemos a confissão inválida, cada confissão e cada
comunhão posteriores serão um novo sacrilégio, e um novo
pecado se acrescentará ao anterior. Com o passar do tempo, a
consciência poderá insensibilizar-se, mas nunca poderá ter
verdadeira paz.
Felizmente, uma má confissão pode ser
corrigida com facilidade, desde que o penitente decida
emendar-se. Basta que diga ao sacerdote: “Certa vez
fiz uma má confissão e agora quero corrigi-la”. O confessor
tomará esta declaração como ponto de partida e, interrogando
com compreensão, ajudará o pecador a descarregar-se do seu
pecado.
É necessário sublinhar a frase: “interrogando
com compreensão”. A nossa relutância em confessar uma ação
vergonhosa será muito menor se tivermos presente que aquele
a quem nos dirigimos está cheio de compreensão e afeto. O
sacerdote sentado do outro lado da grade do confessionário
não está cheio de si nem disposto a franzir a sobrancelha a
cada falta que lhe comuniquemos. Ele também é humano. Ele
também se confessa. Em vez de nos desprezar pelo que temos a
dizer-lhe, admirará a humildade com que estaremos vencendo a
nossa vergonha. Quanto maior for o nosso pecado, mais
alegria daremos ao sacerdote com o nosso arrependimento. Se
o sacerdote chegasse a saber quem é o penitente, seu apreço
por ele não diminuiria; ao contrário, aumentaria pela
sinceridade e confiança depositada no confessor.
À parte estas considerações, sabemos – e é
algo reconfortante para todos – que os pecados que dizemos
em confissão estão cobertos pelo mais estrito vínculo de
segredo que existe na terra. Este vínculo de segredo – “o
sigilo sacramental” – proíbe o sacerdote de revelar por
qualquer motivo, sem exceção alguma, o que lhe foi dito em
confissão. O penitente é o único que pode dispensar o
sacerdote deste sigilo. Nem mesmo ao próprio penitente pode
o sacerdote mencionar fora da confissão as faltas de que
tomou conhecimento, a não ser que o penitente assim o deseje
e declare. Menos ainda pode, pois, o sacerdote aludir a
esses temas diante de terceiras pessoas, parentes, amigos ou
colegas.
O sacerdote está decidido a enfrentar a morte
ou, o que é pior, as acusações falsas e a desonra, antes que
violar o sigilo da confissão. No decorrer da história,
muitos sacerdotes se viram obrigados a agir assim. Um
sacerdote não pode revelar o que lhe disseram na confissão
sacramental nem mesmo para salvar o mundo inteiro da
destruição. Se porventura violasse o sigilo sacramental,
seria condenado com o mais estrito tipo de excomunhão que a
Igreja pode infligir.
De passagem, diremos que esta obrigação afeta
também os leigos. Se alguém chega a ouvir algo que um
penitente esteja dizendo na confissão é obrigado a não
revelar jamais e em hipótese nenhuma aquilo que ouviu.
Fazê-lo seria um pecado grave. Nem mesmo pode mencioná-lo à
pessoa a quem ouviu confessar-se. O penitente é o único que
não está preso ao sigilo da confissão; mas mesmo ele deve
abster-se de comentar com outros o que disse em confissão, a
menos que seja necessário.
É fácil ver que são raros os casos de
confissões sacrílegas, quer por se ocultar um pecado mortal,
quer por não haver verdadeiro arrependimento. É difícil que
alguém se dedique a perder o tempo fazendo algo que sabe ser
pior do que não confessar-se, além de ser inútil.
Também é fácil verificar que a maioria das
pessoas que recebem com frequência o sacramento da
Penitência não costumam ter pecados mortais a confessar. A
graça especial deste sacramento fortalece-nos contra as
tentações e cria as resistências da alma ao pecado, muito
mais do que as vitaminas em relação às infecções do corpo.
Seria um grande erro negligenciar a confissão frequente sob
o pretexto de que não temos pecados mortais de que
acusar-nos: precisamente essa confissão frequente nos faz
receber as graças necessárias para evitar o pecado mortal
com maior segurança. Mais ainda, o sacramento da Penitência
confere à alma que está livre de pecado pecado mortal um
aumento de graça santificante, um crescimento em vida
interior que não podemos desprezar.
No entanto, para se poder receber este
sacramento, é necessário confessar algum pecado atual,
porque o sacramento da Penitência foi instituído para
perdoar os pecados cometidos depois do Batismo. A pessoa que
não tivesse cometido absolutamente nenhum pecado não poderia
receber o sacramento da Penitência, pois não haveria matéria
sobre a qual o sacramento pudesse atuar, e é crença comum
que somente a Virgem Maria foi o ser humano adulto que
jamais cometeu o mais leve pecado venial (Evidentemente,
Jesus Cristo, como homem, esteve também livre de pecado).
Se não temos pecados mortais a confessar,
acusar-nos de um ou mais pecados veniais – de que estejamos
verdadeiramente arrependidos – dar-nos-á condições para
receber o sacramento da Penitência e as graças
correspondentes. Se não pudermos recorda-nos sequer de um
pecado venial cometido depois da última confissão, então
podemos voltar a confessar algum pecado da nossa vida
passada.
Pode ser um pecado confessado e absolvido há
muito tempo; mas aqui e agora tornamos a recordá-lo e
renovamos a nossa dor de coração por tê-lo cometido. O
pecado passado mais a contrição presente dar-nos-ão
condições para recebermos a absolvição e as graças do
sacramento.
Neste caso, a nossa confissão será mais ou
menos assim: “Abençoe-me, padre, porque pequei. Confessei-me
há uma semana. Não me recordo de ter cometido nenhum pecado
desde então, mas arrependo-me, dos pecados que possa ter
esquecido e de todos os pecados da minha vida passada,
especialmente dos meus pecados de ira” (por exemplo).
De fato, esta é a fórmula adequada para
qualquer confissão: começar com a saudação e o sinal da
cruz, e, depois de ter recebido a benção do sacerdote,
mencionar o tempo transcorrido desde a nossa última
confissão, e terminar com a inclusão dos nossos pecados da
vida passada de que estejamos particularmente contritos.
Assim, se acontece que os pecados agora mencionados não são
realmente pecados, mas apenas imperfeições, a inclusão de
algum pecado do passado habilita o sacerdote a dar-nos a
absolvição e nós podemos receber as graças do sacramento. Se
o penitente se confessa de ter esquecido as orações da manhã
duas vezes, de ter perdido a Missa do domingo por doença e
de ter conversado três vezes na igreja, e não acrescenta
mais nada, o sacerdote não pode dar-lhe a absolvição, pelo
menos sem fazer algumas perguntas. Numa confissão assim, não
há evidência real de pecado. Não é pecado esquecer as
orações da manhã; mais ainda, é evidente que não se pode
cometer pecado algum se realmente houve esquecimento. Para
que uma coisa seja pecado, é preciso que a má ação seja
conhecida e intencional. Também não é pecado omitir a Missa
de domingo por doença ou por outra razão grave. Como não é
necessariamente pecado conversar na Igreja, se não há uma
deliberada falta de reverência.
Na prática, nem sequer é necessário mencionar
estes “não pecados” na confissão; não há razão para
“incharmos” a nossa lista a fim de que pareça maior do que
é. Se adquirimos o hábito de terminar sempre a nossa
confissão com uma referência aos pecados da vida passada,
haverá matéria suficiente para que a nossa contrição
encontre terreno em que apoiar-se. O confessor não pensará
que lhe fazemos perder tempo por não podermos recordar
nenhum pecado desde a nossa última confissão. Não obstante,
nesses casos, devemos certificar-nos de não termos feito
superficialmente o nosso exame de consciência. Não convém ir
à confissão sem antes dedicar um tempo razoável a examinar a
consciência e a suscitar em nós um genuíno arrependimento
dos nossos pecados. Este é também o momento apropriado para
rezarmos um ato de contrição formal: antes de nos dirigirmos
ao confessionário.
Poderá ser útil incluir aqui outras
recomendações relativas à confissão:
1 – Ao enunciarmos os pecados, falar ao
confessor clara e distintamente, mas em voz muito baixa.
Pouco poderá ajudar-nos o sigilo da confissão se dissermos
os nossos pecados com um vozeirão tal que os ouçam todos os
que estão na igreja. As pessoas que ouvem mal podem pedir
para confessar-se na sacristia. As pessoas que tem um sério
impedimento para falar, podem levar a sua confissão
previamente escrita num papel e entregá-lo ao sacerdote, que
o destruirá depois de o ter lido.
2 – Nunca mencionemos os pecados dos outros
(por exemplo, do marido ou da sogra), e, especialmente,
nunca digamos nomes.
3 – A não ser que seja necessário para
reparar uma confissão mal feita, não queiramos fazer um
confissão geral (que abranja toda ou a maior parte da nossa
vida) sem consultar previamente o confessor. Uma confissão
geral rara vez é aconselhável, exceto talvez em ocasiões
decisivas da vida, tais como o casamento, a ordenação ou a
profissão religiosa.
4 – Escutemos atentamente o sacerdote quando
nos impõe a penitência, bem como os conselhos que nos possa
dar. Se não os ouvimos bem, devemos dizê-lo. Se ficamos com
alguma dúvida ou temos um conselho a pedir, não hesitemos em
dizê-lo.
5 – Continuemos escutando atentamente o
sacerdote enquanto pronuncia as palavras da absolvição. Já
nos doemos dos nossos pecados e esta dor permanece na alma.
Não é correto recitar verbalmente um ato de contrição
enquanto o sacerdote pronuncia as palavras da absolvição.
6 – Finalmente, devemos permanecer alguns
minutos na igreja depois de nos termos confessado, para
agradecer a Deus as graças que acaba de conceder-nos e
cumprir também a penitência que o confessor nos impôs, se
esta consiste em algumas orações.
Pecado e
castigo
O pecado e o castigo andam juntos. Falando do
pecado, poderíamos dizer que o castigo é seu
“estabilizador incorporado”, pelo qual se satisfazem
as exigências da justiça divina. Deus é infinitamente
misericordioso, rápido em perdoar o pecador contrito. Mas,
ao mesmo tempo, é infinitamente justo; não pode permanecer
indiferente ante o mal moral. A Ele não pode “dar na
mesma” o que cada homem faz com a sua liberdade. Se
não houvesse castigo para o pecado, o bem e o mal poderiam
colocar-se um junto ao outro em pé de igualmente; a justiça
seria uma palavra vã.
Por outro lado, Deus é um Deus justo, mas não
vingativo. Nos assuntos humanos, a aplicação do castigo
resulta muitas vezes não tanto da caridade como do
ressentimento. O castigo é frequentemente imposto mais para
salvar o amor-próprio ofendido do que a alma de quem ofende.
Com Deus passa-se o contrário. Se, por um lado, a sua
justiça exige que o pecado seja reparado com uma compensação
adequada, por outro, o que Deus procura não é essa
compensação em si; seu objetivo é sempre a salvação de quem
o ofende: antes do pecado, tornando o seu preço demasiado
elevado; depois do pecado, tornando dolorosas as suas
consequências.
E para falar com propriedade, nem sequer se
pode dizer que é Deus quem castiga o pecador. É antes o
pecador quem se castiga a si mesmo. É ele quem escolhe
livremente o pecado e, portanto, o castigo que lhe é
inerente. Quem comete um pecado mortal opta livremente por
viver separado de Deus para sempre (o inferno), em troca de
fazer agora a sua própria vontade. Quem comete um pecado
venial aceita antecipadamente o purgatório, em troca de uma
insignificante satisfação atual. Esta escolha é um pouco
parecida à do bêbado que aceita a ressaca de amanhã em troca
dos seus excessos de hoje.
O pecado mortal provoca duas espécies de
castigo. Em primeiro lugar, o castigo eterno, a perda de
Deus para sempre, que é sua sequela inevitável. Perdoada a
culpa do pecado, seja pelo Batismo, seja no sacramento da
Penitência, fica perdoado este castigo eterno.
Além do castigo eterno, há também um castigo
temporal (quer dizer, por um certo período de tempo), que
podemos dever a Deus mesmo depois de o pecado mortal ter
sido perdoado, e que o pecado venial também merece. Este
castigo temporal é a reparação que devemos oferecer a Deus
(pelos méritos de Cristo) por termos violado a sua justiça,
mesmo depois de perdoado o pecado; é a satisfação que
oferecemos a Deus por nossas insuficiências na intensidade
da dor por nossos pecados. Pagamos este débito com os
sofrimentos do purgatório, a não ser que o cancelemos nesta
vida (como facilmente está ao nosso alcance) mediante
adequadas obras de penitência.
Há uma diferença notável entre os sacramentos
do Batismo e da Penitência quanto aos respectivos efeitos
sobre o castigo temporal. O Batismo é um renascimento
espiritual, um começar a vida outra vez. Quando um adulto é
batizado, não só se apagam os pecados mortais, juntamente
com o pecado original e o castigo eterno por eles devido,
como também todo o castigo temporal por eles merecido. Quem
morresse imediatamente depois do batismo iria para o céu
nesse mesmo instante. E isto seria assim mesmo que a dor dos
pecados cometidos antes do batismo fosse imperfeita.
Mas a pessoa que morresse logo depois de se
confessar, não iria imediatamente para o céu
necessariamente. Enquanto o castigo eterno devido pelo
pecado é perdoado por completo no sacramento da Penitência,
a porção do castigo temporal cancelada dependerá da
perfeição da dor que o penitente tiver tido. Quanto mais
ardente tenha sido a sua contrição, menor satisfação lhe
restará por oferecer aqui ou no purgatório.
Uma historieta (não da vida real, claro)
ilustrará este ponto. Conta-se de um homem que foi
confessar-se depois de viver muitos anos afastado de Deus.
Em penitência, o sacerdote prescreveu-lhe que rezasse um
terço todos os dias durante um mês. O penitente exclamou:
“Como é possível, se fui ingrato com Deus tantos anos! Com
certeza absoluta tenho que fazer muito mais do que isso!”
“Se você está tão arrependido – respondeu-lhe o sacerdote –,
talvez um terço diário durante uma semana seja suficiente”.
Então o penitente, comovido, começou a chorar: “Quanto Deus
me amou, quanto suportou a minha ingratidão e os meus
pecados! Não há nada que eu não fizesse por Ele agora”. “Se
está tão arrependido – replicou o sacerdote –, basta que
reze cinco pai-nossos e cinco ave-marias uma só vez”.
Esta história realça a importância das nossas
disposições interiores na recepção do sacramento da
Penitencia. Quanto mais profunda for a nossa dor e mais nos
sentirmos movidos por um desinteressado amor a Deus, menos
“relíquias” do pecado restarão; menos dívidas de castigo
temporal nos ficarão, sem dúvida, por satisfazer com
satisfação penitencial.
Quanto mais intensa for a nossa dor ao
confessar-nos, menos teremos que pagar a Deus depois, como
castigo temporal. Mas nem o nosso confessor nem nós mesmos
podemos avaliar adequadamente esta intensidade. Só Deus pode
ver o coração humano e só Ele sabe num determinado momento
qual a nossa dívida para com Ele. Por isso o sacerdote
impõe-nos sempre uma penitência para ser cumprida depois da
confissão: rezar certas orações ou praticar certas obras.
Para que a nossa confissão seja boa, devemos aceitar a
penitência que o sacerdote nos prescreve e ter a intenção de
cumpri-la no tempo que ele nos fixar.
A medida da penitência dependerá da gravidade
dos pecados confessados; quanto maior for o número e a
gravidade dos pecados cometidos, será lógico esperar uma
penitência maior. Mas o confessor não deseja impor uma
penitência que supere a capacidade do penitente. Se alguma
vez nos é prescrita uma penitência que nos parece impossível
de cumprir, seja por que motivo for, devemos dizê-lo ao
sacerdote, e ele a ajustará convenientemente.
Uma vez prescrita a penitência, temos
obrigação em consciência de cumpri-la e de cumpri-la do modo
que nos foi prescrita. Por exemplo, se me foi dito que
fizesse um ato de fé, esperança e caridade uma vez ao dia
durante uma semana, não seria correto ‘liquidar’ o assunto
rezando os sete atos de uma vez.
Negligenciar deliberadamente o cumprimento da
penitência seria pecado mortal, se se tratasse de uma
penitência grave imposta por pecados graves. Negligenciar
uma penitência leve seria um pecado venial. É claro que
esquecer-se dela não é pecado, pois ninguém pode pecar por
ter memória fraca. Se nos esquecemos de cumprir a
penitência, acontece simplesmente que a dívida temporal, da
qual a penitência nos teria absolvido, permanece ainda em
nosso débito. Por esta razão, deveríamos acostumar-nos a
cumpri-la imediatamente após a confissão, a não ser que o
confessor nos indique outra ocasião para fazê-lo.
Deve-se recordar que a penitência prescrita
na confissão tem uma eficácia especial para pagar a dívida
de castigo temporal, por ser parte do sacramento da
Penitência. Devemos, claro está, fazer voluntariamente
outros atos de penitência. Todas as nossas obras meritórias
podem ser oferecidas em satisfação dos nossos pecados, e é
conveniente fazê-lo assim; e não somente as orações que
rezamos, as Missas que oferecemos, ou os atos de religião ou
de caridade que praticamos, mas todas e cada uma de nossa
ações praticadas no decorrer da nossa jornada centrada em
Cristo; quer dizer, todas as ações (exceto as más,
evidentemente) realizadas em estado de graça e com um
sentido de oferenda a Deus. Estas ações ganham-nos méritos
para o céu e ao mesmo tempo são aceitas como satisfação
pelos nossos pecados.
Não obstante, oração por oração e obra por
obra, nada nos pode dar maior certeza de satisfazermos por
nossos pecados do que a penitência que nos é imposta na
confissão. Estas penitências oficiais têm uma eficácia
sacramental, um poder de reparação que nenhuma penitência
espontânea pode igualar.
É oportuno recordar que nenhuma de nossas
obras de penitência teria valor algum diante de Deus se
Jesus Cristo já não tivesse pago pelos nossos pecados. A
reparação oferecida por Jesus Cristo na Cruz é infinita,
mais do que suficiente para pagar a totalidade da dívida
espiritual de toda a humanidade. Mas Deus, por um desígnio
expresso, quer que partilhemos com Cristo a sua obra de
satisfação pelos pecados. Deus aplica os méritos de Cristo à
nossa dívida de castigo temporal na medida da nossa
disposição de fazer penitência. O valor real das nossas
penitências pessoais é insignificante aos olhos de Deus, mas
esse valor torna-se enorme quando unido aos méritos de Jesus
Cristo.
Este motivo permite que as nossas orações,
boas obras e sofrimentos possam ser oferecidos em satisfação
pelos pecados dos outros, além dos nossos. Deus quer que
participemos na obra de redenção. É parte do
privilégio de sermos membros do Corpo Místico de Cristo
podermos satisfazer com Ele o castigo temporal devido pelos
pecados dos outros. Conscientes desta possibilidade, devemos
aproveitar as oportunidades. Em cada doença (inclusive nessa
ligeira dor de cabeça de hoje), em cada frustração, em cada
contrariedade, saberemos ver a matéria prima da qual temos
que tirar satisfação pelos pecados e salvar almas. E nunca
nos assaltará a tentação (rara, certamente) de pensar que o
confessor nos impôs uma penitência muito grande. Se nós não
necessitamos dela, em algum lugar existe uma alma que dela
precisa (cfr. Pe. Leo J. Trese, A fé explicada).
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