Instituto Missionário dos Filhos e Filhas da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo e das Dores de Maria Santíssima

 

 

Terceira palestra

 

 

O sacramento da confissão

 

(Pe. Divino Antônio Lopes FP.)

 

É um estranho paradoxo. Frequentemente, os conversos dizem que uma das coisas mais duras para se fazerem católicos é o pensamento de terem de “ir confessar-se”.  E, no entanto, para nós, que crescemos na Igreja, o sacramento da Penitência é provavelmente o que, à parte o Batismo, menos quereríamos deixar. A paz de mente e de alma que o sacramento da Penitência nos dá não tem sucedâneo. É uma paz que brota da certeza – não de uma esperança insegura – de que os nossos pecados foram perdoados, de que estamos em amizade com Deus. Evidentemente, também o converso aprende a amar o sacramento da Penitência logo que supera os seus vagos temores, causados pela  ignorância do que este sacramento é na realidade.

A palavra “penitência” tem dois significados. Em primeiro lugar, temos a virtude da penitência, a virtude sobrenatural que nos leva a detestar os nossos pecados por um motivo que a fé nos dá a conhecer, e ao propósito consequente de não ofender mais a Deus e de desagravá-lo por isso. Neste sentido, o termo “penitência” é sinônimo de “arrependimento”. Antes de Cristo, a virtude da penitência era o único meio pelo qual os homens podiam alcançar o perdão dos seus pecados. Mesmo hoje, para os que estão fora da Igreja de boa fé e não dispõem do sacramento da Penitência, ela é o único meio de alcançar o perdão dos pecados.

Além de ser uma virtude, a Penitência é um sacramento. Define-se como “o sacramento instituído por Jesus Cristo para perdoar os pecados cometidos depois do Batismo”. Ou, para dar uma definição mais longa e descritiva, podemos dizer que a Penitência é “o sacramento pelo qual o sacerdote, como instrumento vivo de Deus, perdoa os pecados cometidos depois do Batismo, quando o pecador está sinceramente arrependido, diz as suas faltas em confissão ao sacerdote e se submete à satisfação ou pena que este lhe impõe”.

Pela sua morte na cruz, Jesus Cristo redimiu o homem do pecado e das consequências do pecado, especialmente da morte eterna, que é seu efeito. Não é, pois, de surpreender que Jesus tenha instituído no mesmo dia em que ressuscitou dentre os mortos o sacramento pelo qual os pecados podem ser perdoados.

Ao entardecer do Domingo da Ressurreição, Jesus aparece aos Apóstolos, reunidos na sala alta onde tinham celebrado a Última Ceia. Estes retrocedem assombrados, com uma mistura de temor e esperança incipiente, enquanto Jesus lhes fala para tranquilizá-los. Mas deixemos que seja São João quem o conte: “Veio Jesus e, pondo-se no meio deles, disse-lhes: A paz seja convosco. E, dizendo isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos alegraram-se vendo o Senhor. Disse-lhes Ele outra vez: A paz seja convosco. Como meu Pai me enviou, assim eu vos envio. Dizendo isto, soprou e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo; aqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; aqueles os retiverdes, ser-lhe-ão retidos” (20,19-23).

Parafraseando estas palavras de Jesus numa linguagem mais moderna, o que Jesus disse foi: “Como Deus, tenho o poder de perdoar os pecados. Agora vos transmito o uso desse poder. Sereis meus representantes. Quaisquer pecados que perdoardes, Eu os perdoarei. Quaisquer pecados que não perdoardes, eu não os perdoarei”. Jesus sabia bem que muitos de nós esqueceríamos as valentes promessas do Batismo e cometeríamos pecados graves depois. Sabia que muitos de nós perderíamos a graça, a participação na própria vida divina que nos foi dada no Batismo. Sendo infinita e inesgotável a misericórdia de Deus, era inevitável, digamos assim, que Ele desse uma segunda oportunidade (e uma terceira, e uma quarta, e uma centésima, se necessário) aos que recaíssem no pecado.

É lógico que, com a morte dos Apóstolos, não se interrompesse o poder que Jesus lhes deu de perdoar os pecados, bem como o de mudar o pão e o vinho no seu Corpo e Sangue. Jesus não veio à terra para salvar apenas um minúsculo punhado de almas escolhidas. Não veio para salvar unicamente os contemporâneos dos seus Apóstolos. Jesus veio para salvar todos os homens que quisessem salvar-se, até o fim dos tempos. Quando morria na cruz, tinha-nos presentes a você e a mim, tanto como a Timóteo e a Tito.

É evidente que o poder de perdoar os pecados é parte do poder sacerdotal, e, portanto, tinha que se transmitir de geração em geração por meio do sacramento da Ordem Sagrada. É um poder que cada sacerdote exerce quando estende as mãos sobre o pecador contrito e diz: “Eu te absolvo dos teus pecados, em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. Temos ouvido estas palavras muitas vezes. São “a fórmula da absolvição”.

Pode acontecer uma vez ou outra que o sacramento da Penitência nos pareça uma carga. Talvez até tenhamos chegado a exclamar nalguma ocasião: “Oxalá não tivesse que ir confessar-me!” Mas também não há dúvida de que, em momentos de serenidade, teremos compreendido o amor que devemos a este sacramento e como não quereríamos passar sem ele. Basta pensar um pouco em tudo o que o sacramento da Penitência faz por nós!

Em primeiro lugar, se uma pessoa se separou de Deus por um ato grave e deliberado de desobediência (quer dizer, por um pecado mortal), o sacramento da Penitência reconcilia essa alma com Deus; a graça santificante volta a essa alma. Ao mesmo tempo, os pecados são perdoados. Do mesmo modo que a escuridão desaparece de um quarto mal se acende a luz, o pecado tem que desaparecer da alma assim que chega a graça santificante.

Se alguém vai confessar-se sem pecado mortal, nem por isso o sacramento é recebido em vão. Neste caso, a alma recebe um incremento de graça santificante, o que significa que se aprofunda e se fortalece nela aquela participação na vida divina pela qual está unida a Deus. E quer se esteja ou não em pecado mortal, são sempre perdoados todos os pecados veniais que o penitente tenha cometido e de que esteja arrependido. Trata-se desses pecados leves e mais comuns que não nos separam de Deus, mas dificultam a plena irradiação da sua graça na nossa alma, como as nuvens dificultam a irradiação solar.

Além de restaurar ou aumentar a graça santificante e de perdoar os pecados mortais e veniais, que outras vantagens nos proporciona este sacramento?

Se se trata de pecados mortais, é cancelado pela Penitência o castigo eterno que deles resulta inevitavelmente. Sabemos que quem rejeita Deus pelo pecado mortal e entra na eternidade impenitente, separa-se d’Ele para sempre; vai para o inferno. Mas quando Deus, no sacramento da Penitência, une outra vez essa alma a Si e a absolve do pecado mortal, elimina também o perigo de desastre eterno a que essa alma estava destinada.

Ao mesmo tempo que perdoa o castigo eterno devido pelo pecado mortal, o sacramento da Penitência perdoa pelo menos parte da pena temporal devida pelo pecado. Esta pena temporal é simplesmente a dívida de satisfação que devo a Deus pelos meus pecados, inclusive depois de terem sido perdoados. É questão de “consertar os estragos”, poderíamos dizer.

Vejamo-lo por um exemplo caseiro: um rapaz deixa-se arrebatar por um momento de ira e dá um ponta-pé numa mesinha, derrubando e quebrando um objeto de cerâmica. “Sinto muito, mamãe – diz ele, arrependido –. Não deveria tê-lo feito”. “Bem – diz a mãe –; se está arrependido, não o castigarei. Mas terá que recolher os pedaços quebrados, e, além disso, espero que compre um objeto novo com as suas economias”. A mãe perdoa a desobediência e absolve o filho do castigo, mas espera que ele ofereça uma satisfação pela sua rebeldia.

Esta é a satisfação que devemos a Deus por havê-lo ofendido, e a que chamamos “pena temporal devida pelo pecado”. E ou pagamos essa pena com orações, mortificações e outras boas ações feitas em estado de graça nesta vida, ou teremos que pagá-la no purgatório. Esta é a divida que os sacramento da Penitência reduz, ao menos em parte, proporcionalmente ao grau do nosso arrependimento. Quanto mais fervorosas forem as nossas disposições, mais se reduz a satisfação temporal que devemos.

Outro efeito do sacramento da Penitência é devolver-nos os méritos das boas obras que tenhamos feito e que se tenham perdido pelo pecado mortal. Como sabemos, toda boa ação que realizamos em estado de graça santificante, com a intenção de agradar a Deus, é uma ação meritória, isto é, merece-nos um aumento de graça nesta vida e de glória no céu. Mesmo as ações mais simples – uma palavra amável, um gesto de cortesia –, feitas com amor de Deus, causam este efeito; muito mais as orações, Missas e sacramentos. No entanto, o pecado mortal cancela todos esses méritos acumulados, como uma jogada insensata na roleta pode fazer perder as economias de toda uma vida. Ao perdoar-nos o pecado moral, Deus podia, em perfeita justiça, deixar que os nossos méritos passados continuassem perdidos para sempre. Mas, na sua bondade infinita, não o faz, não nos obriga a começar outra vez do princípio: o sacramento da Penitência não só perdoa os nossos pecados, como nos devolve também os méritos que tínhamos perdido voluntariamente.

Finalmente, além de todos esses benefícios, o sacramento da Penitência dá-nos direito a quaisquer graças atuais de que possamos necessitar – e na medida em que delas necessitemos – para podermos satisfazer os nossos pecados passados e vencer as nossas tentações futuras. Esta é a “graça sacramental” especial da Penitência, que nos fortifica contra as recaídas no pecado. É o remédio espiritual que fortalece e ao mesmo tempo cura. Esta é a razão pela qual toda pessoa desejosa de ter verdadeira vida interior sente necessidade de confessar-se com frequência. A confissão frequente é uma das melhores defesas contra o pecado mortal. Seria, pois, o cúmulo da estupidez dizer: “Eu não preciso confessar-me porque não cometi nenhum pecado mortal”.

Todos estes efeitos do sacramento da Penitência – a restauração ou o aumento da graça santificante, o perdão dos pecados, a remissão da pena, a devolução do mérito e a graça para vencer as tentações – são possíveis graças aos infinitos méritos de Jesus Cristo que este sacramento imprime na nossa alma. Jesus Cristo na cruz realizou já a sua obra por nós; no sacramento da Penitência damos a Deus simplesmente a oportunidade de partilhar conosco os infinitos méritos do seu Filho.

 

Preparação da confissão

 

Provavelmente, muitos de nós recebemos o sacramento da Penitência com razoável frequência. E, sem dúvida, quando somos severamente tentados, ou de algum modo temos o espírito atribulado, encontramos nesse sacramento uma fonte abundante de fortaleza e paz. Agradecemos a Deus por nos ter dado essa oportunidade tão à mão de obtermos orientação e conselho espiritual, além das graças que a Penitência nos dá. Se somos sensatos, procuraremos o mesmo confessor regularmente, para que possa conhecer melhor as nossas necessidades.

Não obstante, pode ser que muitos de nós – sem grandes tentações nem problemas de peso – recebamos o sacramento da Penitencia rotineiramente. Vamos confessar-nos com frequência porque damos crédito à afirmação de que é bom para a nossa alma. Dizemos os nossos pecados e cumprimos depois a penitência, e não passamos disso. Não sentimos sensação alguma de renovação ao sairmos do confessionário; não nos vemos melhorar apreciavelmente de confissão para confissão. Qual pode ser a causa desta espécie de apatia? Que está faltando da nossa parte para nos confessarmos com fruto?

O catecismo dá uma lista de cinco condições para recebermos dignamente o sacramente da Penitência. Primeiro, examinarmos a nossa consciência. Segundo, doer-nos dos nossos pecados. Terceiro, fazer o firme propósito de não pecar daí por diante. Quarto, confessar os nossos pecados ao sacerdote. Quinto, querer cumprir a penitência que o confessor nos impõe. Omitir qualquer destes pontos pode ocasionar, no pior dos casos, uma confissão completamente indigna, uma confissão sacrílega; e, no melhor, uma confissão com menos fruto, em que a nossa alma receba muito pouca graça.

Consideremos em primeiro lugar o exame de consciência. Define-se como o esforço sincero por recordar todos os pecados cometidos desde a última confissão válida. Devemos cumprir essa tarefa antes de nos aproximarmos do confessionário. Se alguém tem dificuldade em examinar a sua consciência – por exemplo, por estar afastado da confissão há muito tempo ou por ter pouca formação religiosa –, o sacerdote o ajudará com gosto a fazê-lo, se lhe falar disso. Mas o normal é ter os pecados antecipadamente preparados para desfilarem em revista perante o sacerdote, logo que este nos possa ouvir.

A questão é saber se o nosso exame de consciência tem a profundidade e a seriedade que deveria ter. É fácil, especialmente se nos confessamos com frequência, descurar este ponto. “O mesmo que da última vez”, dizemos. “Descuidei as orações, usei o nome de Deus com pouca reverência, perdi a paciência uma vez e disse duas ou três mentiras pequenas”. E com essa olhada rápida julgamos estar preparados para a confissão. Parece que esquecemos que o que vamos receber é nada menos que um sacramento, um sacramento por cuja eficácia Cristo morreu em agonia. O nosso exame de consciência deveria ser uma preparação pausada e cuidadosa: caso contrário, não nos deve surpreender que a nossa quota de graça seja pequena.

Antes de mais nada, o nosso exame deve começar com uma oração fervorosa, pedindo ao Espírito Santo luzes para podermos reconhecer os nossos pecados claramente, confessá-los adequadamente e arrepender-nos sinceramente. Só depois nos dedicaremos a inventariá-los. Sem pressas nem nervosinhos (deixando que outros passem à nossa frente no confessionário, se chega a nossa vez e ainda não estamos preparados), repassaremos os mandamentos da lei de Deus e da Igreja e os nossos deveres particulares de estado, aplicando-os à nossa pessoa. Devemos preocupar-nos de recordar os pecados mortais se, infelizmente, existem. Cada pecado mortal deveria doer-nos como a proverbial punhalada. Mas, como pretendemos fazer uma confissão muita frutífera, buscaremos também os nossos pecados veniais, aquelas coisas que impedem o nosso pleno amor a Deus.

Podemos sentir a inclinação de despachar um ou outro mandamento demasiado depressa. Dizemos: “O primeiro mandamento? Não adorei nenhum deus falso”. Não, evidentemente. Mas que acontece com as irreverências na igreja, com as distrações na oração, com um pouco de superstição talvez? “O quinto mandamento? Não matei ninguém”. Não; mas que acontece com as broncas em casa, quando começo a gritar e deixo todo mundo ressentido? Que dizer sobre o rancor que guardo contra fulano e sicrano? Que dizer sobre a minha secreta esperança de que fulano “se meta na enrascada que andava procurando”? “O sexto? Não cometi adultério ou fornicação”. Não, mas que dizer desse olho curioso na praia, dessas piadas marrom de escritório? “o oitavo? Ah, sim! Disse uma ou duas mentirinhas certa vez”. Sim? E que dizer daquela murmuração daninha que soprei, daquelas reticências e preconceitos contra essa pessoa de outro país ou raça? Quando de verdade começarmos a examinar-nos sobre a virtude da caridade, surpreender-nos-á ver que necessitamos de mais tempo do que pensávamos.

E que acontece com a honestidade da nossa conduta em assuntos de dinheiro, com a justiça com os subordinados, com a nossa generosidade em repartir com os menos afortunados os nosso bens materiais? Que acontece com a nossa plena aceitação de tudo o que a Igreja ensina? E com a temperança e a sobriedade na comida e, sobretudo, nas bebidas? (ou teremos que embebedar-nos para perceber que não somos comedidos?) E com o exemplo de vida cristã que damos aos que nos rodeiam?

Não é necessário continuar aqui a lista. Uma fraqueza a que nos inclinamos é comparar-nos com o vizinho da frente ou com a vizinha do lado, e concluir que, depois de tudo, não somos tão maus assim. Esquecemos que o único com quem temos o direito de comparar-nos é Jesus Cristo. Ele é o nosso modelo, ninguém mais.

Antes de receber o sacramento da Penitência, é importante examinarmos bem a consciência; mas é mais importante ainda assegurar-nos de que temos dor sincera dos nossos pecados. Podemos esquecer-nos involuntariamente de confessar um pecado – até mortal – e mesmo assim fazer uma boa confissão, receber o perdão dos nossos pecados. Mas também podemos confessar todos os nossos pecados com a máxima precisão e, no entanto, sair do confessionário com eles ainda em nossa alma, se não temos uma contrição sincera.

Que é, pois, essa contrição tão essencial para recebermos validamente o sacramento da Penitência? A palavra “contrição” deriva do latim e significa “moer”, “pulverizar”. A ideia de reduzir o eu a pó é a que nos leva a apresentar-nos diante de Deus com profunda humildade. O Concílio de Trento, que tratou amplamente do sacramento da Penitência, diz que a contrição é “um pesar de coração e detestação do pecado cometido, com o propósito de nunca mais cometê-lo”.

E fácil compreender a necessidade da contrição como condição para o perdão. Se ofendemos alguém, seria uma loucura pensar que essa pessoa nos perdoará mesmo que não sintamos dor da ofensa cometida nem lho façamos saber. Não é de surpreender, pois, que Deus, a quem ofendemos com uma desobediência deliberada aos seus mandamentos, exija que nos arrependamos das nossas ofensas para sermos absolvidos da culpa. Deus não perdoa nenhum pecado, mortal ou venial, se não estamos arrependidos.

Mas também temos a outra cara da moeda, muito mais consoladora. Nos assuntos humanos, deparamos às vezes com gente rancorosa e vingativa, que nunca perdoa um insulto, por mais que nos doa o mal cometido e nos desculpemos. Deus não é assim. Deus perdoa toda ofensa, por odiosa que seja, se o pecador tem verdadeira contrição.

Temos que distinguir duas espécies de contrição: a perfeita e a imperfeita. A diferença entre elas baseia-se nos motivos que as produzem, nos “porquês” do nosso arrependimento. A contrição perfeita é a dor dos pecados que nasce de um perfeito amor a Deus. Ama-se a Deus sobre todas as coisas por Ele mesmo, simplesmente por ser infinitamente bom e merecedor da nossa lealdade absoluta, e essa consideração nos leva ao pesar de o termos ofendido. Esta é a contrição perfeita.

Deve-se notar que este “amor a Deus sobre todas as coisas por Ele mesmo” não implica necessariamente um sentimento de amor à maneira humana, emocional. É fácil sentirmos um amor mais ardente por certas pessoas que por Deus; mas isto não quer dizer que prefiramos essas pessoas a Deus. Santa Branca, mãe de São Luís (o rei Luís IX de França), dá-nos um bom exemplo disso. Não se pode duvidar do ardente amor materno que sentia por seu filho, e, no entanto, disse-lhe certa vez: “Preferiria ver-te morto aos meus pés a ver-te cometer um só pecado mortal!”. Se formos capazes de dizer a mesma coisa sinceramente, se estivermos dispostos a renunciar por Deus a qualquer pessoa ou coisa antes que ofendê-Lo, então temos perfeito amor de Deus. E se é este o amor que inspira a nossa dor pelos pecados, então temos uma contrição perfeita.

 De passagem, diremos que uma contrição perfeita perdoa o pecado mortal imediatamente, sempre que tenhamos a intenção de nos acusarmos dele na nossa próxima confissão. Isto deveria levar-nos a incluir um ato de perfeito amor a Deus nas nossas orações diárias, para nos recordarmos de que Deus é o mais importante da nossa vida, não só pelo que fez por nós, mas pelo que é. Se nos mantemos “em forma” desta maneira, temos melhores possibilidades de fazer um ato de perfeita contrição, caso venhamos a precisar dela, contando sempre com a graça de Deus.

A contrição imperfeita é uma espécie de dor mais egoísta, mas deve ficar claro que não é uma má espécie de dor. Embora não tenha o poder de perdoar o pecado mortal fora da confissão, é uma dor suficientemente sincera para nos conseguir o perdão no sacramento da Penitência.

Os motivos que inspiram a contrição imperfeita são o ódio ao pecado por ser essencialmente um mal, ou o temor à justiça divina: a perda do céu e o desterro eterno no inferno. A dor que brota de um ou de ambos os motivos constitui a contrição imperfeita. Para a contrição imperfeita, não é suficiente o medo ao inferno como o maior dos males, de modo que decido explicitamente que, se não houvesse inferno, pecaria com gosto. Este é o tipo de temor que tem o cachorro quando vê o chicote nas mãos do seu amo. É um temor completamente egoísta, de escravos. O nosso temor a Deus deve nascer da consideração de que Ele é o nosso máximo bem, deve ser como o de uma criança para com um pai amoroso, não como o de um escravo para com um capataz severo.

Ambas as espécies de contrição, a perfeita e a imperfeita, devem incluir, evidentemente, o firme propósito de não pecar daí para a frente. É óbvio que não estamos contritos de um pecado se continuamos dispostos a cometê-lo novamente, se tivermos ocasião. Este propósito de não mais pecar deve abranger todos os pecados mortais, não só os que se confessaram; e deve incluir todos os pecados veniais que confiamos nos sejam perdoados.

Ao referimo-nos à contrição perfeita, é conveniente fazer notar que, embora apague o pecado mortal imediatamente, há o expresso preceito que nos proíbe de receber a Sagrada Comunhão enquanto não o tenhamos confessado no sacramento da Penitência.

 

A contrição

 

Quando é real a dor?

 

Às vezes, tropeçamos com alguém na rua ou no ônibus e dizermos: “Sinto muito”. Dizemo-lo por cortesia, ainda que não o sintamos de maneira nenhuma. Por dentro, temos vontade de exclamar: “Por que esse indivíduo não olha por onde anda?” Ou se alguém se aborrece por algo que dissemos com toda a inocência, dizemos: “Sinto muito”, ainda que por dentro estejamos comentando: “Por que será que este homem é tão suscetível?”

É muito fácil multiplicar os exemplos de ocasiões em que as pessoas dizem “Sinto muito” sem sentir nada. Mas quando se trata, como é o caso, de nos prepararmos para receber o sacramento da Penitência, ou a nossa contrição é cem por centro sincera ou é melhor não nos confessarmos. Receber o sacramento da Penitência sem dor verdadeira é fazer uma confissão indigna, e o sacramento seria inválido e infrutífero. Se não temos contrição autêntica, Deus não nos perdoará os pecados. Como podemos, pois, saber se a nossa contrição é autêntica ou não? Quais os requisitos essenciais de um ato de contrição genuíno?

 

Os teólogos enumeram quatro condições.

O primeiro e o mais evidente dos requisitos é que a contrição seja interior. Quando dizemos a Deus: “Sinto muito haver-te ofendido”, não fazemos um mero ato de cortesia nem apresentamos a obrigatória desculpa cortês. O nosso coração deve estar nas nossas palavras. Simplesmente devemos querer dizer o que dizemos. Mas isto não significa necessariamente que devamos sentir uma dor emocional. Como o amor, a dor é um ato da vontade, não um golpe de emoção. Assim como podemos amar a Deus sem experimentar sensações, podemos ter uma profunda dor dos nossos pecados sem sentir reação emocional alguma. Se com toda a sinceridade nos determinamos a evitar tudo o que possa ofender a Deus, com a ajuda da sua graça, então temos contrição interior.

Além de interior, a nossa contrição deve ser sobrenatural. A razão se baseia no “porque” da nossa contrição. Se um homem se arrepende de embebedar-se porque depois fica com uma ressaca tremenda, essa dor é natural. Se uma mulher se lamenta de ter falado mal, murmurado maliciosamente, porque isso lhe fez perder a sua melhor amiga, essa dor é natural. Se um menino lamenta a sua desobediência porque por isso lhe darão uns açoites, a sua dor é natural. Essa dor natural não tem nada a ver com Deus, com a alma ou com motivos sobrenaturais. Não é que essa dor seja má, mas é insuficiente em relação a Deus.

A nossa dor é sobrenatural quando nasce de considerações sobrenaturais; quer dizer, quando o seu “porque” se baseia na fé em algumas verdades que Deus ensinou. Por exemplo, Deus nos disse que devemos amá-lo sobre todas as coisas e que pecar é negar-lhe esse amor. Deus nos disse que um pecado mortal causa a perda do céu e nos faz merecedores do inferno, e que o pecado venial deve ser reparado no purgatório. Disse-nos que o pecado é a causa de que Jesus tenha morrido na cruz e que é uma ofensa à bondade infinita de Deus. disse-nos que o pecado é odioso por sua própria natureza. Quando a nossa dor se baseia nestas verdades que Deus revelou, é dor sobrenatural. Elevou-se acima de meras considerações naturais.

Em terceiro lugar, a nossa dor deve ser suprema. Quer dizer, devemos encarar realmente o mal moral do pecado como o máximo mal que existe, maior que qualquer mal físico ou meramente natural que nos possa ocorrer. Significa que, quando dizemos a Deus que nos arrependemos dos nossos pecados, estamos dispostos, com a ajuda da sua graça, a sofrer qualquer coisa antes que ofende-lo outra vez. A frase “com a ajuda da sua graça” é muito importante. A dor suprema não exclui um sincero temor de pecar outra vez, se fazemos depender a vitória apenas das nossas forças humanas. Pelo contrário, devemos desconfiar de nós e da nossa auto-suficiência; devemos reconhecer que dependemos da graça divina.

Ao mesmo tempo, sabemos que nunca nos faltará a graça de Deus, se fizermos o que está ao nosso alcance. Seria um grande erro tentar verificar se a nossa dor é ou não suprema imaginando tentações extraordinárias. Por exemplo, não faz nenhum sentido que um homem se pergunte: “Permaneceria casto se me fechassem num quarto com uma mulher nua e sedutora?” Sem culpa nossa, Deus jamais permitirá que tenhamos que enfrentar tentações que superem a nossa capacidade de resistência; e se Ele permitisse tentações extraordinárias, podemos ter a certeza absoluta de que nos daria todas as graças extraordinárias de que necessitaríamos para vencê-las.

Por último, a nossa dor – interior, sobrenatural e suprema – deve ser também universal. Isto significa que devemos arrepender-nos de todos os pecados mortais sem exceção. Um só pecado mortal nos separaria de Deus e nos privaria da graça santificante. Ou nos arrependemos de todos ou não poderemos recuperar a graça de Deus. Ou todos são perdoados ou nenhum. Se déssemos quatro bofetadas a um amigo, seria ridículo dizer-lhe: “Arrependo-me de três delas, mas não da quarta”.

Deve-se notar que essas quatro condições se aplicam tanto à contrição perfeita como à imperfeita. Especialmente quanto à segunda condição, as pessoas tem às vezes uma noção errada, e confundem a dor natural com a contrição imperfeita, quando não são de maneira nenhuma a mesma coisa. Também a contrição imperfeita deve ser sobrenatural nos seus motivos; deve basear-se num motivo conhecido pela fé, como a crença no céu e no inferno ou na fealdade essencial do pecado. Uma simples dor natural não é contrição nenhuma, nem mesmo imperfeita.

Suponhamos que ofendi um amigo espalhando uma calúnia acerca dele. Quero agora recuperar a sua amizade e peço-lhe desculpas dizendo: “Arrependo-me do que fiz, Pedro, mas reservo-me o direito de fazê-lo outra vez se me der vontade”. Não é preciso ser professor de psicologia para adivinhar  que Pedro continuará magoado, e com razão. Minha pretensa desculpa não o é absolutamente. Se de verdade lamento havê-lo ofendido, propor-me-ei com toda a firmeza não ofendê-lo outra vez.

Passa-se o mesmo com as ofensas a Deus. Não há ato de contrição verdadeiro se não se fizer acompanhar do propósito de emenda. Este propósito não é outra coisa senão a simples e sincera determinação de evitar o pecado no futuro, bem como as ocasiões próximas de pecado, tanto quanto nos seja possível. Sem esse propósito, não pode haver perdão dos pecados, nem mesmo dos veniais.

Ocasião próxima de pecado é qualquer circunstância que nos possa levar a ele. Algumas ocasiões de pecado são próximas por sua própria natureza: livros e revistas declaradamente obscenos, por exemplo. Outras podem ser ocasiões próximas só para determinados indivíduos. Assim, um bar pode ser ocasião de pecado para quem tenha dificuldade de beber com moderação; estacionar o carro à noite à luz da lua pode ser ocasião de pecado para os jovens namorados que viajam nele. Geralmente, as experiências do passado nos dirão quais são para nós as ocasiões próximas de pecado. Ao fazermos o ato de contrição, devemos renunciar resolutamente a todas essas ameaças ao nosso bem espiritual, quer provenham de pessoas, de lugares, de coisas ou de certas atividades.

Deve-se notar que o nosso propósito de emenda – a nossa resolução de evitar o pecado e as ocasiões próximas de pecado – deve abranger não só os pecados mortais que tenhamos cometido, mas todos os pecados mortais possíveis sem exceção. Sem esta resolução universal, nenhum pecado mortal pode ser perdoado.

A situação é diferente com relação ao pecado venial. O pecado venial não nos separa de Deus, não extingue a sua graça em nossa alma. por conseguinte, é possível obter o perdão de determinado pecado venial, mesmo que os outros fiquem por perdoar. Isto significa que o nosso propósito de emenda deve estender-se  a todos os pecados veniais que esperamos nos sejam perdoados, mas não necessariamente a todos os pecados veniais cometidos. Agarrar-se a algum pecado venial enquanto se renuncia a outros, denota, evidentemente, um nível muito baixo de amor a Deus, mas aqui não estamos falando do que é melhor, mas do mínimo necessário.

Sem dor não pode haver perdão, e sem propósito de emenda não pode haver dor genuína. É um princípio evidente e, no entanto, é possível que algumas pessoas, que se horrorizariam ante o pensamento de fazer uma má confissão ocultando um pecado mortal, não sentem o mesmo horror ante uma confissão inválida por falta de um propósito firme de emenda. Se alguém é culpado de pecados mortais, não basta que os diga ao confessor ou recite um ato de contrição rotineiro. Se o penitente não está sincera e firmemente resolvido a não tornar a cometer um pecado mortal, a sua confissão é um ato de hipocrisia. É uma confissão tão má como a daquele que ocultasse conscientemente um ou mais pecados mortais ao confessor.

No entanto, ao ganharmos consciência da necessidade de fazer um propósito de emenda sincero, não devemos cair no erro de confundir o momento atual com as possibilidades do futuro. Uma pessoa pode muito bem experimentar sentimentos como este: “Arrependo-me sinceramente dos meus pecados mortais, e real e verdadeiramente não quero cometer nenhum pecado mortal outra vez. Mas conheço a minha fraqueza e sei como, sob pressão, tenho quebrado os meus bons propósitos no passado. Já antes me propus não cair outra vez, mais cai. Como posso, pois, estar certo de que o meu propósito de agora é firme?”

Podemos estar certos de ter um firme propósito de emenda agora, se mantivermos a nossa mente no agora, sem procurar complicações imaginando um futuro hipotético. Ainda que no passado tenhamos falhado doze vezes, cem vezes, isso não significa que estejamos condenados a falhar sempre. Esta pode ser a vez em que saltemos o fosso. Precisamente esta pode ser a vez em que, com a paciente graça de Deus, alcancemos o triunfo.

Ainda que seja um axioma avalizado por um longo uso, não é verdade que o inferno esteja cheio de boas intenções. O que está de boas intenções é o caminho do céu; o do inferno esta cheio de desânimos e desespero. Como podemos triunfar nalguma coisa se não tentamos uma vez, e outra, e outra ainda, sem desanimar? Quem escala uma montanha pode avançar três passos e retroceder dois; mas, se é bastante tenaz, bastante forte, chegará a alcançar o cume.

Uma pessoa que tenha a desgraça de cair num hábito de pecado – seja de impureza, de ira, contra a caridade ou qualquer outra virtude – precisa de ter ideias absolutamente claras acerca do verdadeiro propósito de emenda: o que conta na confissão é este momento de agora e esta intenção de agora. Pode ser que depois haja mais tropeços e mais quedas, antes da vitória final. Mas o único pecador que é derrotado é aquele que deixa de lutar.

 

Agradecer a Deus pela confissão

 

Os que não compreendem a fé católica afirmam com certa frequencia: “Eu nunca poderei acreditar na confissão. Se erro, direi a Deus na intimidade da minha alma que sinto muito, e Deus me perdoará. Não tenho por que dizer os meus pecados a um simples homem para que Deus me perdoe”. Parece uma afirmação razoável, não é verdade? E, no entanto, está tão cheia de falácias (enganos) como de buracos uma rede de pescador.

Em primeiro lugar, a questão não é saber se eu gosto da confissão ou se prefiro que se perdoem os meus pecados de outro modo. A questão é saber como Deus quer que se perdoem os pecados. Se Jesus Cristo, verdadeiro Deus, ao instituir o sacramento da Penitência, como meio necessário para o perdão dos pecados cometidos depois do Batismo, fez da confissão dos pecados ao sacerdote parte essencial do sacramento, então esse é o modo de fazê-lo. Nós não temos a liberdade de escolher e de recusar, quando Deus já se pronunciou. Não podemos dizer: “Eu gostaria mais que fosse de outra maneira”.

Jesus quis que a acusação dos nossos pecados fosse parte essencial do sacramento da Penitência. Ao conferir aos seus sacerdotes no Domingo da Ressurreição o poder de perdoar os pecados, Ele disse: “Aqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; aqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20, 23). E, com a infinita sabedoria de Deus, Jesus não disse essas palavras levianamente; e essas palavras não tem sentido a não ser que pressuponham a acusação dos pecados. Como é que os Apóstolos e os sacerdotes que os sucederiam poderiam saber que pecados perdoar e que pecados não perdoar se não soubessem que pecados eram esses? E como é que poderiam conhecer esses pecados se não fosse o próprio pecador a manifestá-los?

A história da Igreja confirma o significado patente dessas palavras do Senhor. Os escritos primitivos dizem-nos que, já desde o começo da Igreja, só se concedia o perdão aos penitentes depois de confessarem os seus pecados. A principal diferença entre os primeiros séculos e os nossos dias é que, quando a Igreja estava na sua infância, o perdão dos pecados não era concedido sem mais nem menos. Se o pecado era do conhecimento público – como a idolatria, o adultério ou o assassinato, o pecador devia submeter-se a uma penitência que durava toda a vida, e só lhe era concedido o sacramento da Penitência no leito de morte.

O que os críticos da confissão (e de outras doutrinas da Igreja) esquecem é que nem todas as palavras de Jesus estão registradas nos Evangelhos. Quando consideramos que Jesus pregou e ensinou durante um período de quase três anos, percebemos como é pouco o que as poucas páginas dos quatro evangelistas registram em comparação com tudo o que Jesus deve ter ensinado. Podemos estar certos, por exemplo, de que, na noite do Domingo da Ressurreição, os Apóstolos aproveitaram a fundo a ocasião para perguntar a Jesus qual o significado exato das suas palavras: “A quem perdoardes os pecados…” e sobre as condições que teriam que exigir para esse perdão.

A historia mostra-nos que a manifestação dos pecados para obter o perdão é tão antiga como a Igreja Católica. Em consequência, o sectário que afirma que “a confissão é uma invenção dos padres para ter as pessoas na mão” está exibindo a sua ignorância religiosa tanto quanto os seus preconceitos. A réplica evidente a esse crítico é perguntar-lhe: “Bem, se os padres inventaram a confissão, então por que não se eximiram eles próprios da obrigação de confessar-se?” O Papa tem que confessar-se, os bispos tem que confessar-se, os padres tem que confessar-se, tal como toda a gente.

Todas essas objeções à confissão que ouvimos  de vez em quando baseiam-se na suposição de que o sacramento da Penitência é um horrível suplício que devemos temer e evitar tanto quanto possível. Nós, os católicos praticantes, sabemos que não é assim, que essa suposição é uma patranha. Sabemos que o sacramento da Penitência é um dos maiores presentes que Deus nos fez, um presente sem o qual não poderíamos passar e que sempre teremos de agradecer.

Em primeiro lugar, ao requerer a explícita confissão dos nossos pecados, Deus nos protege contra a universal fraqueza humana, que nos leva a justificar-nos. Está muito bem dizer: “Na intimidade da minha alma, direi a Deus que me arrependo, e Deus me perdoará”. Se nos fosse pedido somente isso, seria muito fácil enganarmo-nos, pensando que estávamos arrependidos, quando, na realidade, continuaríamos apegados aos nossos pecados e os tornaríamos a cometer com a maior sem-cerimônia. Mas quando temos que trazê-los a luz, quando temos que pôr-nos de joelhos e manifestá-los de viva voz, então temos que enfrentar a verdade. Já não é tão fácil que nos enganemos. Deus, que nos fez e sabe com que facilidade nos enganamos, proporcionou-nos um bendito meio para não nos iludirmos.

Outro dos benefícios da confissão, digno de ser levado em conta como parte do sacramento da Penitência, é que nos proporciona um conselho autorizado para as nossas necessidades espirituais. Assim como um médico nos ajuda com a sua ciência a curar e a prevenir as doenças físicas, na confissão encontramos um perito nos males da alma, que nos prescreve os remédios e as salvaguardas necessárias para conservarmos a saúde espiritual e crescermos em santidade.

Também não é desprazível a saúde psicológica que obtemos na confissão, tal como a sensação de alívio que se segue à manifestação dos nossos pecados, a paz e o Júbilo interiores que acompanham a certeza de termos sido perdoados, a libertação dos sentimentos de culpa que nos perturbavam e desalentavam. Não nos surpreende que um eminente psiquiatra (não católico) tenha dito: “Se todas as religiões tivessem a confissão, haveria muito menos pacientes nos nossos manicômios”. Não nos surpreende também que aquele que conhece os benefícios deste sacramento exclame: “Obrigado, meu Deus, pela Confissão!”

Depois do Batismo, há uma só coisa que nos pode separar de Deus: o pecado mortal, o repúdio consciente e deliberado da vontade de Deus em matéria grave. O principal fim do sacramento da Penitência é restaurar na alma do pecador a vida divina (a graça santificante) que havia perdido. Por conseguinte, os pecados que devemos dizer na confissão são todos os pecados mortais cometidos depois do Batismo e não confessados previamente.

Já que o pecado venial não atinge em nós a vida da graça, não somos obrigados a mencioná-los na confissão. Mas é muito proveitoso fazê-lo, ainda que não seja  obrigatório: nada nos pode dar maior certeza de terem sido perdoados do que submetê-los à absolvição de um sacerdote; além disso, no sacramento da Penitência recebemos graças especiais, que nos dão forças para evitar esses pecados no futuro. Mas é verdade que o pecado venial pode ser perdoado fora da confissão por um ato de contrição sincero (ao menos se for uma contrição perfeita) e um propósito de emenda.

Também não há obrigação de confessar os pecados mortais duvidosos. Mas, novamente, é mais prudente manifestar esses pecados na confissão, para o bem da nossa paz interior e por causa da graça que recebemos contra as recaídas. No entanto, não é imprescindível confessar os pecados mortais duvidosos para se fazer uma boa confissão. Se o fazermos, devemos mencionar as nossas dúvidas ao sacerdote e confessá-los depois “como estiverem na presença de Deus”. Um exemplo de pecado mortal duvidoso seria um acesso de ira vingativa, que desperta em nós a dúvida de saber que se essa ira foi plenamente deliberada ou não. Outro exemplo poderia ser os dos pensamentos impuros, com a dúvida posterior de saber se consentimos ou resistimos com a prontidão suficiente.

Não é necessário sublinhar que devemos ter muito cuidado em não nos enganarmos nesta matéria. Devemos fugir de nos procurarmos convencer de que um pecado mortal é duvidoso quando há indícios razoáveis do contrário.

Ao confessarmos os nossos pecados mortais, temos obrigação de dizer o número de vezes que cometemos cada pecado. Para um católico praticante que se confessa frequentemente, não há nenhum problema nisso. Quem não se tenha confessado há muito tempo pode ver-se em dificuldades. Deve lembrar-se então de que Deus não pede a ninguém o impossível. Se não puder recordar o número exato de vezes que cometeu certo pecado, basta que faça uma estimativa sincera. Um modo prático de proceder nesses casos é fazer o cálculo com base no número de pecados cometidos por semana ou por mês.

Ao referirmos os nossos pecados na confissão, temos que indicar a espécie de pecados que cometermos. Não basta dizer: “Pequei contra o segundo mandamento”. Devemos mencionar (supondo que o pecado foi mortal) se pecamos por blasfêmia, falso juramento, maldição ou profanação. Não basta dizer: “Pequei contra a justiça”. Temos que distinguir se foi roubo, fraude, dano à propriedade ou à reputação alheia. A maioria dos devocionários proporciona uma relação de possíveis pecados, que podem ajudar o penitente a  enumerá-los e classificá-los.

Não convém sobrecarregar a confissão com pormenores desnecessários das altas cometidas. Os incidentes que nos tenham levado a odiar o cunhado e as consequências que daí resultaram para a vida do lar, o modo como conseguimos aquele contrato que agora vemos que foi leonino, não são normalmente coisas que digam respeito à confissão. No entanto, deve-se mencionar qualquer circunstância que mude a espécie do pecado, isto é, qualquer circunstância que realmente acrescente ao pecado uma nova malícia. Assim, dizer que se roubou um copo dourado não basta se porventura esse copo é o cálice da paróquia; neste caso, ao pecado de roubo acrescenta-se o pecado de sacrilégio. Não basta dizer que se jurou  falso se o juramento causou um grave prejuízo a um terceiro nos seus bens ou na sua fama; neste caso, acrescenta-se a injustiça ao perjúrio.

Para fazer uma boa confissão, é importante não só dizer os pecados, mas também dizê-los de modo adequado. Se todo o espírito do sacramento da Penitência é de arrependimento pelo erro reconhecido, é evidente que devemos ir à confissão com uma profunda humildade de coração. Atitudes como as daquele que diz: “Bem, afinal de contas, não sou tão mau assim”, ou “imagino que sou como todo o mundo” ou “todos fazem coisas assim; não deve ser um pecado tão terrível”, seriam fatais para se fazer uma boa confissão.

A sinceridade é outra das condições exigidas pelo sacramento da Penitência. Isto significa nada mais (e nada menos) que devemos manifestar os nossos pecados com sinceridade e franqueza totais, sem intenção alguma de ocultá-los ou desfigurá-los. A nossa confissão seria insincera se tentássemos fazê-la usando frases vagas ou ambíguas, na esperança de que o confessor não perceba de que é que estamos falando; se andássemos por aí buscando um sacerdote duro de ouvido a quem escapem as nossas palavras atropeladas ou sussurradas; se intercalássemos desculpas e álibis com a intenção de salvar o nosso amor próprio.

Mencionamos estes defeitos não porque sejam prática comum, mas para que compreendamos melhor a essência de um boa confissão. A grande maioria dos católicos recebe frequentemente e com agradecimento o sacramento da Penitência: são um exemplo constante de como fazer uma boa confissão, e a sua sinceridade e humildade são fonte inesgotável de edificação para os sacerdote que os atendem.

 

A confissão

 

Acusação dos pecados

 

Nosso Senhor Jesus Cristo quis que o sacramento da Penitência fosse também um ato de penitência, um ato de humildade; mas não que se tornasse um peso intolerável para os membros do seu rebanho.

É verdade que todos os pecados mortais cometidos depois do Batismo devem ser explicitamente confessados, e este princípio é valido mesmo quando, por necessidade urgente, é preciso adiar temporariamente a confissão explícita.

Uma pessoa gravemente doente, que esteja tão fraca que não possa especificar os seus pecados, pode receber o sacramento da Penitência simplesmente manifestado que pecou e que se arrepende dos pecados cometidos. Pode-se absolver um grupo numeroso de soldados, à hora de entrarem em combate, se manifestam em termos gerais a sua culpa e, ao mesmo tempo, a sua contrição; mas, em casos de emergência como estes ou outros análogos, previstos pelas leis da Igreja, o pecador continua obrigado a manifestar em detalhe os pecados mortais da próxima vez que for confessar-se. Se alguém recebesse uma absolvição coletiva – nos casos muito especiais previstos pela Igreja – e não tivesse o propósito de confessar individualmente, numa próxima confissão individual, os pecados mortais não acusados, não receberia o sacramento da Penitência. Teria feito um ato inválido.

Aplica-se o mesmo princípio quando alguém se esquece de mencionar na confissão um ou mais pecados mortais que tenha cometido. Se depois se recorda desse pecado, deve mencioná-lo na próxima confissão, mas não é necessário que corra imediatamente ao confessor, e, entretanto, pode aproximar-se da comunhão. Devido à contrição universal do penitente, o pecado por ele esquecido já foi indiretamente perdoado; fica apenas a obrigação de mencioná-lo, se o recorda, na confissão seguinte, para que seja diretamente perdoado.

Seria de uma grande insensatez angustiar-se indevidamente à hora de preparar a confissão ou inquietar-se por medo de esquecer acidentalmente algum pecado. Mais insensato ainda seria deixar-se perturbar por vagas inquietações acerca de confissões passadas. Deus é justo juiz, mas não um juiz tirano. Tudo o que nos pede é que usemos dos meios razoáveis para fazer uma boa confissão. Não nos pedirá contas das inevitáveis fragilidades humanas, tais como a má memória.

Uma só coisa pode viciar a nossa confissão e torná-la “má” ou sacrílega: omitir consciente e deliberadamente a manifestação de um pecado que temos a certeza de ser mortal e que deveríamos confessar. Proceder assim é não querer cumprir uma das condições que Deus nos pede para nos conceder o seu perdão. Se não nos “abrimos” a Deus, Deus não abrirá o seu tribunal ao perdão.

O trágico de uma má confissão é que produz uma reação em cadeia de pecados. A não ser que – e até que – retifiquemos a confissão inválida, cada confissão e cada comunhão posteriores serão um novo sacrilégio, e um novo pecado se acrescentará ao anterior. Com o passar do tempo, a consciência poderá insensibilizar-se, mas nunca poderá ter verdadeira paz.

Felizmente, uma má confissão pode ser corrigida com facilidade, desde que o penitente decida emendar-se.  Basta que diga ao sacerdote: “Certa vez fiz uma má confissão e agora quero corrigi-la”. O confessor tomará esta declaração como ponto de partida e, interrogando com compreensão, ajudará o pecador a descarregar-se do seu pecado.

É necessário sublinhar a frase: “interrogando com compreensão”. A nossa relutância em confessar uma ação vergonhosa será muito menor se tivermos presente que aquele a quem nos dirigimos está cheio de compreensão e afeto. O sacerdote sentado do outro lado da grade do confessionário não está cheio de si nem disposto a franzir a sobrancelha a cada falta que lhe comuniquemos. Ele também é humano. Ele também se confessa. Em vez de nos desprezar pelo que temos a dizer-lhe, admirará a humildade com que estaremos vencendo a nossa vergonha. Quanto maior for o nosso pecado, mais alegria daremos ao sacerdote com o nosso arrependimento. Se o sacerdote chegasse a saber quem é o penitente, seu apreço por ele não diminuiria; ao contrário, aumentaria pela sinceridade e confiança depositada no confessor.

À parte estas considerações, sabemos – e é algo reconfortante para todos – que os pecados que dizemos em confissão estão cobertos pelo mais estrito vínculo de segredo que existe na terra. Este vínculo de segredo – “o sigilo sacramental” – proíbe o sacerdote de revelar por qualquer motivo, sem exceção alguma, o que lhe foi dito em confissão. O penitente é o único que pode dispensar o sacerdote deste sigilo. Nem mesmo ao próprio penitente pode o sacerdote mencionar fora da confissão as faltas de que tomou conhecimento, a não ser que o penitente assim o deseje e declare. Menos ainda pode, pois, o sacerdote aludir a esses temas diante de terceiras pessoas, parentes, amigos ou colegas.

O sacerdote está decidido a enfrentar a morte ou, o que é pior, as acusações falsas e a desonra, antes que violar o sigilo da confissão. No decorrer da história, muitos sacerdotes se viram obrigados a agir assim. Um sacerdote não pode revelar o que lhe disseram na confissão sacramental nem mesmo para salvar o mundo inteiro da destruição. Se porventura violasse o sigilo sacramental, seria condenado com o mais estrito tipo de excomunhão que a Igreja pode infligir.

De passagem, diremos que esta obrigação afeta também os leigos. Se alguém chega a ouvir algo que um penitente esteja dizendo na confissão é obrigado a não revelar jamais e em hipótese nenhuma  aquilo que ouviu. Fazê-lo seria um pecado grave. Nem mesmo pode mencioná-lo à pessoa a quem ouviu confessar-se. O penitente é o único que não está preso ao sigilo da confissão; mas mesmo ele deve abster-se de comentar com outros o que disse em confissão, a menos que seja necessário.

É fácil ver que são raros os casos de confissões sacrílegas, quer por se ocultar um pecado mortal, quer por não haver verdadeiro arrependimento. É difícil que alguém se dedique a perder o tempo fazendo algo que sabe ser pior do que não confessar-se, além de ser inútil.

Também é fácil verificar que a maioria das pessoas que recebem com frequência o sacramento da Penitência não costumam ter pecados mortais a confessar. A graça especial deste sacramento fortalece-nos contra as tentações e cria as resistências da alma ao pecado, muito mais do que as vitaminas em relação às infecções do corpo. Seria um grande erro negligenciar a confissão frequente sob o pretexto de que não temos pecados mortais de que acusar-nos: precisamente essa confissão frequente nos faz receber as graças necessárias para evitar o pecado mortal com maior segurança. Mais ainda, o sacramento da Penitência confere à alma que está livre de pecado pecado mortal um aumento de graça santificante, um crescimento em vida interior que não podemos desprezar.

No entanto, para se poder receber este sacramento, é necessário confessar algum pecado atual, porque o sacramento da Penitência foi instituído para perdoar os pecados cometidos depois do Batismo. A pessoa que não tivesse cometido absolutamente nenhum pecado não poderia receber o sacramento da Penitência, pois não haveria matéria sobre a qual o sacramento pudesse atuar, e é crença comum que somente a Virgem Maria foi o ser humano adulto que jamais cometeu o mais leve pecado venial (Evidentemente, Jesus Cristo, como homem, esteve também livre de pecado).

Se não temos pecados mortais a confessar, acusar-nos de um ou mais pecados veniais – de que estejamos verdadeiramente arrependidos – dar-nos-á condições para receber o sacramento da Penitência e as graças correspondentes. Se não pudermos recorda-nos sequer de um pecado venial cometido depois da última confissão, então podemos voltar a confessar algum pecado da nossa vida passada.

Pode ser um pecado confessado e absolvido há muito tempo; mas aqui e agora tornamos a recordá-lo e renovamos a nossa dor de coração por tê-lo cometido. O pecado passado mais a contrição presente dar-nos-ão condições para recebermos a absolvição e as graças do sacramento.

Neste caso, a nossa confissão será mais ou menos assim: “Abençoe-me, padre, porque pequei. Confessei-me há uma semana. Não me recordo de ter cometido nenhum pecado desde então, mas arrependo-me, dos pecados que possa ter esquecido e de todos os pecados da minha vida passada, especialmente dos meus pecados de ira” (por exemplo).

De fato, esta é a fórmula adequada para qualquer confissão: começar com a saudação e o sinal da cruz, e, depois de ter recebido a benção do sacerdote, mencionar o tempo transcorrido desde a nossa última confissão, e terminar com a inclusão dos nossos pecados da vida passada de que estejamos particularmente contritos. Assim, se acontece que os pecados agora mencionados não são realmente pecados, mas apenas imperfeições, a inclusão de algum pecado do passado habilita o sacerdote a dar-nos a absolvição e nós podemos receber as graças do sacramento. Se o penitente se confessa de ter esquecido as orações da manhã duas vezes, de ter perdido a Missa do domingo por doença e de ter conversado três vezes na igreja, e não acrescenta mais nada, o sacerdote não pode dar-lhe a absolvição, pelo menos sem fazer algumas perguntas. Numa confissão assim, não há evidência real de pecado. Não é pecado esquecer as orações da manhã; mais ainda, é evidente que não se pode cometer pecado algum se realmente houve esquecimento. Para que uma coisa seja pecado, é preciso que a má ação seja conhecida e intencional. Também não é pecado omitir a Missa de domingo por doença ou por outra razão grave. Como não é necessariamente pecado conversar na Igreja, se não há uma deliberada falta de reverência.

Na prática, nem sequer é necessário mencionar estes “não pecados” na confissão; não há razão  para “incharmos” a nossa lista a fim de que pareça maior do que é. Se adquirimos o hábito de terminar sempre a nossa confissão com uma referência aos pecados da vida passada, haverá matéria suficiente para que a nossa contrição encontre terreno em que apoiar-se. O confessor não pensará que lhe fazemos perder tempo por não podermos recordar nenhum pecado desde a nossa última confissão. Não obstante, nesses casos, devemos certificar-nos de não termos feito superficialmente o nosso exame de consciência. Não convém ir à confissão sem antes dedicar um tempo razoável a examinar a consciência e a suscitar em nós um genuíno arrependimento dos nossos pecados. Este é também o momento apropriado para rezarmos um ato de contrição formal: antes de nos dirigirmos ao confessionário.

Poderá ser útil incluir aqui outras recomendações relativas à confissão:

1 – Ao enunciarmos os pecados, falar ao confessor clara e distintamente, mas em voz muito baixa. Pouco poderá ajudar-nos o sigilo da confissão se dissermos os nossos pecados com um vozeirão tal que os ouçam todos os que estão na igreja. As pessoas que ouvem mal podem pedir para confessar-se na sacristia. As pessoas que tem um sério impedimento para falar, podem levar a sua confissão previamente escrita num papel e entregá-lo ao sacerdote, que o destruirá depois de o ter lido.

2 – Nunca mencionemos os pecados dos outros (por exemplo, do marido ou da sogra), e, especialmente, nunca digamos nomes.

3 – A não ser que seja necessário para reparar uma confissão mal feita, não queiramos fazer um confissão geral (que abranja toda ou a maior parte da nossa vida) sem consultar previamente o confessor. Uma confissão geral rara vez é aconselhável, exceto talvez em ocasiões decisivas da vida, tais como o casamento, a ordenação ou a profissão religiosa.

4 – Escutemos atentamente o sacerdote quando nos impõe a penitência, bem como os conselhos que nos possa dar. Se não os ouvimos bem, devemos dizê-lo. Se ficamos com alguma dúvida ou temos um conselho a pedir, não hesitemos em dizê-lo.

5 – Continuemos escutando atentamente o sacerdote enquanto pronuncia as palavras da absolvição. Já nos doemos dos nossos pecados e esta dor permanece na alma. Não é correto recitar verbalmente um ato de contrição enquanto o sacerdote pronuncia as palavras da absolvição.

6 – Finalmente, devemos permanecer alguns minutos na igreja depois de nos termos confessado, para agradecer a Deus as graças que acaba de conceder-nos e cumprir também a penitência que o confessor nos impôs, se esta consiste em algumas orações.

 

Pecado e castigo

 

O pecado e o castigo andam juntos. Falando do pecado, poderíamos dizer que o castigo é seu “estabilizador incorporado”, pelo qual se satisfazem as exigências da justiça divina. Deus é infinitamente misericordioso, rápido em perdoar o pecador contrito. Mas, ao mesmo tempo, é infinitamente justo; não pode permanecer indiferente ante o mal moral. A Ele não pode “dar na mesma” o que cada homem faz com a sua liberdade. Se não houvesse castigo para o pecado, o bem e o mal poderiam colocar-se um junto ao outro em pé de igualmente; a justiça seria uma palavra vã.

Por outro lado, Deus é um Deus justo, mas não vingativo. Nos assuntos humanos, a aplicação do castigo resulta muitas vezes não tanto da caridade como do ressentimento. O castigo é frequentemente imposto mais para salvar o amor-próprio ofendido do que a alma de quem ofende. Com Deus passa-se o contrário. Se, por um lado, a sua justiça exige que o pecado seja reparado com uma compensação adequada, por outro, o que Deus procura não é essa compensação em si; seu objetivo é sempre a salvação de quem o ofende: antes do pecado, tornando o seu preço demasiado elevado; depois do pecado, tornando dolorosas as suas consequências.

E para falar com propriedade, nem sequer se pode dizer que é Deus quem castiga o pecador. É antes o pecador quem se castiga a si mesmo. É ele quem escolhe livremente o pecado e, portanto, o castigo que lhe é inerente. Quem comete um pecado mortal opta livremente por viver separado de Deus para sempre (o inferno), em troca de fazer agora a sua própria vontade. Quem comete um pecado venial aceita antecipadamente o purgatório, em troca de uma insignificante satisfação atual. Esta escolha é um pouco parecida à do bêbado que aceita a ressaca de amanhã em troca dos seus excessos de hoje.

O pecado mortal provoca duas espécies de castigo. Em primeiro lugar, o castigo eterno, a perda de Deus para sempre, que é sua sequela inevitável. Perdoada a culpa do pecado, seja pelo Batismo, seja no sacramento da Penitência, fica perdoado este castigo eterno.

Além do castigo eterno, há também um castigo temporal (quer dizer, por um certo período de tempo), que podemos dever a Deus mesmo depois de o pecado mortal ter sido perdoado, e que o pecado venial também merece. Este castigo temporal é a reparação que devemos oferecer a Deus (pelos méritos de Cristo) por termos violado a sua justiça, mesmo depois de perdoado o pecado; é a satisfação que oferecemos a Deus por nossas insuficiências na intensidade da dor por nossos pecados. Pagamos este débito com os sofrimentos do purgatório, a não ser que o cancelemos nesta vida (como facilmente está ao nosso alcance) mediante adequadas obras de penitência.

Há uma diferença notável entre os sacramentos do Batismo e da Penitência quanto aos respectivos efeitos sobre o castigo temporal. O Batismo é um renascimento espiritual, um começar a vida outra vez. Quando um adulto é batizado, não só se apagam os pecados mortais, juntamente com o pecado original e o castigo eterno por eles devido, como também todo o castigo temporal por eles merecido. Quem morresse imediatamente depois do batismo iria para o céu nesse mesmo instante. E isto seria assim mesmo que a dor dos pecados cometidos antes do batismo fosse imperfeita.

Mas a pessoa que morresse logo depois de se confessar, não iria imediatamente para o céu necessariamente. Enquanto o castigo eterno devido pelo pecado é perdoado por completo no sacramento da Penitência, a porção do castigo temporal cancelada dependerá da perfeição da dor que o penitente tiver tido. Quanto mais ardente tenha sido a sua contrição, menor satisfação lhe restará por oferecer aqui ou no purgatório.

Uma historieta (não da vida real, claro) ilustrará este ponto. Conta-se de um homem que foi confessar-se depois de viver muitos anos afastado de Deus. Em penitência, o sacerdote prescreveu-lhe que rezasse um terço todos os dias durante um mês. O penitente exclamou: “Como é possível, se fui ingrato com Deus tantos anos! Com certeza absoluta tenho que fazer muito mais do que isso!” “Se você está tão arrependido – respondeu-lhe o sacerdote –, talvez um terço diário durante uma semana seja suficiente”. Então o penitente, comovido, começou a chorar: “Quanto Deus me amou, quanto suportou a minha ingratidão e os meus pecados! Não há nada que eu não fizesse por Ele agora”. “Se está tão arrependido – replicou o sacerdote –, basta que reze cinco pai-nossos e cinco ave-marias uma só vez”.

Esta história realça a importância das nossas disposições interiores na recepção do sacramento da Penitencia. Quanto mais profunda for a nossa dor e mais nos sentirmos movidos por um desinteressado amor a Deus, menos “relíquias” do pecado restarão; menos dívidas de castigo temporal nos ficarão, sem dúvida, por satisfazer com satisfação penitencial.

Quanto mais intensa for a nossa dor ao confessar-nos, menos teremos que pagar a Deus depois, como castigo temporal. Mas nem o nosso confessor nem nós mesmos podemos avaliar adequadamente esta intensidade. Só Deus pode ver o coração humano e só Ele sabe num determinado momento qual a nossa dívida para com Ele. Por isso o sacerdote impõe-nos sempre uma penitência para ser cumprida depois da confissão: rezar certas orações ou praticar certas obras. Para que a nossa confissão seja boa, devemos aceitar a penitência que o sacerdote nos prescreve e ter a intenção de cumpri-la no tempo que ele nos fixar.

A medida da penitência dependerá da gravidade dos pecados confessados; quanto maior for o número e a gravidade dos pecados cometidos, será lógico esperar uma penitência maior. Mas o confessor não deseja impor uma penitência que supere a capacidade do penitente. Se alguma vez nos é prescrita uma penitência que nos parece impossível de cumprir, seja por que motivo for, devemos dizê-lo ao sacerdote, e ele a ajustará convenientemente.

Uma vez prescrita a penitência, temos obrigação em consciência de cumpri-la e de cumpri-la do modo que nos foi prescrita. Por exemplo, se me foi dito que fizesse um ato de fé, esperança e caridade uma vez ao dia durante uma semana, não seria correto ‘liquidar’ o assunto rezando os sete atos de uma vez.

Negligenciar deliberadamente o cumprimento da penitência seria pecado mortal, se se tratasse de uma penitência grave imposta por pecados graves. Negligenciar uma penitência leve seria um pecado venial. É claro que esquecer-se dela não é pecado, pois ninguém pode pecar por ter memória fraca. Se nos esquecemos de cumprir a penitência, acontece simplesmente que a dívida temporal, da qual a penitência nos teria absolvido, permanece ainda em nosso débito. Por esta razão, deveríamos acostumar-nos a cumpri-la imediatamente após a confissão, a não ser que o confessor nos indique outra ocasião para fazê-lo.

Deve-se recordar que a penitência prescrita na confissão tem uma eficácia especial para pagar a dívida de castigo temporal, por ser parte do sacramento da Penitência. Devemos, claro está, fazer voluntariamente outros atos de penitência. Todas as nossas obras meritórias podem ser oferecidas em satisfação dos nossos pecados, e é conveniente fazê-lo assim; e não somente as orações que rezamos, as Missas que oferecemos, ou os atos de religião ou de caridade que praticamos, mas todas e cada uma de nossa ações praticadas no decorrer da nossa jornada centrada em Cristo; quer dizer, todas as ações (exceto as más, evidentemente) realizadas em estado de graça e com um sentido de oferenda a Deus. Estas ações ganham-nos méritos para o céu e ao mesmo tempo são aceitas como satisfação pelos nossos pecados.

Não obstante, oração por oração e obra por obra, nada nos pode dar maior certeza de satisfazermos por nossos pecados do que a penitência que nos é imposta na confissão. Estas penitências oficiais têm uma eficácia sacramental, um poder de reparação que nenhuma penitência espontânea pode igualar.

É oportuno recordar que nenhuma de nossas obras de penitência teria valor algum diante de Deus se Jesus Cristo já não tivesse pago pelos nossos pecados. A reparação oferecida por Jesus Cristo na Cruz é infinita, mais do que suficiente para pagar a totalidade da dívida espiritual de toda a humanidade. Mas Deus, por um desígnio expresso, quer que partilhemos com Cristo a sua obra de satisfação pelos pecados. Deus aplica os méritos de Cristo à nossa dívida de castigo temporal na medida da nossa disposição de fazer penitência. O valor real das nossas penitências pessoais é insignificante aos olhos de Deus, mas esse valor torna-se enorme quando unido aos méritos de Jesus Cristo.

Este motivo permite que as nossas orações, boas obras e sofrimentos possam ser oferecidos em satisfação pelos pecados dos outros, além dos nossos. Deus quer que participemos na obra de redenção. É parte do privilégio de sermos membros do Corpo Místico de Cristo podermos satisfazer com Ele o castigo temporal devido pelos pecados dos outros. Conscientes desta possibilidade, devemos aproveitar as oportunidades. Em cada doença (inclusive nessa ligeira dor de cabeça de hoje), em cada frustração, em cada contrariedade, saberemos ver a matéria prima da qual temos que tirar satisfação pelos pecados e salvar almas. E nunca nos assaltará a tentação (rara, certamente) de pensar que o confessor nos impôs uma penitência muito grande. Se nós não necessitamos dela, em algum lugar existe uma alma que dela precisa (cfr. Pe. Leo J. Trese, A fé explicada).

 

 

 

 

 

Ver outros retiros