Instituto Missionário dos Filhos e Filhas da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo e das Dores de Maria Santíssima

 

 

Sexta palestra

 

 

Catequese Litúrgica sobre a Santa Missa segundo o Rito Romano clássico

 

(Pe. Franz Hörl)

 

“O Missal Romano é a obra mais sublime e significante da literatura eclesiástica; é o espelho verídico da vida da Igreja; é o hino sagrado para cuja perfeição colaboraram Céu e Terra.”

(Ildefons Schuster, 1929)

 

A) História: fases de desenvolvimento

 

Das origens até o século III

 

Na véspera da Paixão, os Apóstolos receberam do Senhor a ordem e o poder de celebrar o sacrifício da Nova Aliança. Conforme à palavra de Nosso Senhor Jesus Cristo: “Fazei isto em  memória de mim!”, os Apóstolos tinham que repetir ‘aquilo’ que o próprio Cristo fez na sala da Última Ceia.

A continuação daquela ordem, porém, exigia, ao mesmo tempo, que a simples repetição daqueles gestos e palavras do Senhor fosse estendida, e que a “memória” eucarística fosse rodeada de uma coroa de orações, hinos e ritos, de um lado para conservar o núcleo central fundado pelo Cristo o mais puro possível; mas, pelo outro lado também, para desenvolver a “liturgia” no seu duplo sentido de “obra a favor dos homens” e como “obra dos homens para Deus”.

A celebração eucarística recebeu a sua forma fundamental no círculo dos Apóstolos, antes que eles se separassem para pregar o Evangelho a todo o mundo. Assim se explica que a Missa, nas diversas famílias rituais do século IV, embora cada uma mostrasse particularidades específicas, possuía, em princípio, a sua unidade estrutural. A unidade da liturgia dos primeiros três séculos era uma unidade de tipo, não de detalhe!

Existiam detalhes inteiramente diferenciados e variáveis. Alguns detalhes, aos poucos, tornaram-se costumes, sendo conservados como tradições, enquanto outras partes do tipo comum das diversas igrejas locais, foram aumentadas ou diminuídas; assim se formou a diversidade das famílias de ritos.

O mandado “fazei isto” não foi entendido em relação à Última Ceia inteira, como se encontrava originalmente na celebração da Ceia Pascal judaica. A primitiva comunidade cristã não repetia a Última Ceia de Jesus Cristo como tal, mas tão somente as suas ações propriamente eucarísticas, isto é a consagração de pão e de vinho.

A Última Ceia seguia a seqüência de quebrar e oferecer o pão antes da ceia principal, e, depois dela, havia o cálice de bênção. Agora, porém, se uniu as palavras de consagração sobre o pão e o vinho numa ação única e se acrescentou uma ação de graças (“eucharistia”), relembrando a obra de salvação, como sugere o Apóstolo São Paulo: “Todas as vezes, pois, que comeis desse pão e bebeis desse cálice, anunciais a morte do Senhor...” (1Cor. 11,26).

Sendo separada da Ceia Pascal judaica, celebrada uma só vez ao ano, agora, a celebração eucarística podia ser realizada semanalmente. O “Dia do Senhor” (Apc. 1,10) formou, de agora adiante, o novo contexto da Eucaristia. A oração de ação de graças, chamada ‘eucaristia’, tornou-se o nome pela própria liturgia da missa.

Na origem a Eucaristia era unida a um jantar (cf. 1Cor. 11,17-34). Por causa de abusos, porém, logo a Eucaristia separou-se do jantar. Existe um testemunho que nos anos de 111 a 113, na Bitínia, se celebrava a Eucaristia de manhã. Em meados de século II, em Roma, antecedeu à celebração eucarística uma liturgia da palavra.

Nos começos, se formulava ainda livremente a Oração Eucarística, mas, aos poucos, fórmulas e textos fixos por escrito substituíam as improvisações. A primitiva liberdade de formulação, que obedecia só ao critério da ortodoxia, cedeu a motivos importantes de conservar a tradição e também a unidade com a igreja metropolitana e de proteção contra heresias.

Depois, os Concílios exigiram textos fixos e aprovados das orações litúrgicas importantes.

 

B) Estrutura e partes da Santa Missa

 

Orações ao pé do Altar: o salmo 42

 

No rito da santa Missa se distingue as duas partes principais que são a Ante-Missa e a Missa do Sacrifício. A Ante-Missa com a liturgia da Palavra inicia com as Orações ao Pé do Altar.

Essas orações começam com o santo Sinal-da-Cruz, e contêm o salmo 42, o ato penitencial, versículos e orações ao subir para o altar que hão de preparar interiormente o sacerdote, e os acólitos em representação do povo, para a celebração do sacrifício da Missa.

Logo no início, essas orações dirigem a nossa atenção à idéia do Sacrifício (“Introibo ad altare Dei”), do próprio estado pecaminoso e da necessidade de perdão (“Confiteor”) e de pureza do coração (“Aufer a nobis”). Psicologicamente mostra-se aqui a sensibilidade de que para tudo quanto é grande precisa de preparação; para o alto se consegue subir só devagar.

As Orações ao Pé do Altar sublinham a sacralidade da ação litúrgica que se está por realizar, e que exige uma conveniente disposição tanto do sacerdote quanto dos fieis. Sem uma saudação pessoal, nem uma introdução espontânea inicia-se a celebração: mas logo, olhando juntos para Deus, se nos apresenta a teocêntrica, i. é que Deus é o centro da ação sagrada e isso se faz perceptível no formulário fixo do orar da Igreja, acima dos tempos.

A origem das Orações ao Pé do Altar é um exemplo ilustrativo pelo desenvolvimento orgânico da liturgia da Missa:

Até o século VII, VIII o celebrante (no caso o Papa) parava em oração, ou se prostrava diante do altar; até o século IX se confessava a própria indignidade com o pedido de perdão; mais tarde se começava a recitar o salmo 42 – e mais outros salmos – ao caminhar para o altar; no século XII se introduzia diversos versículos de salmos que ligavam o ato penitencial à Oração ‘Aufer a nobis’ que se usava desde o século X. Ao longo dos séculos formou-se, portanto, aquele conjunto de orações preparatórias que encontrou a sua forma definitiva no Missal do Papa Pio V.

Ao salmo 42 ‘Judica me’, rezado alternando entre sacerdote e acólito (povo), antecede o versículo 4 do mesmo salmo como antífona, ‘Introibo ad altare Dei’, para acompanhar muito expressivamente em oração a aproximação do altar, significando o caráter de sacrifício da celebração eucarística. Já nas primeiríssimas palavras que o sacerdote pronuncia após o Sinal da Cruz, manifesta-se o tanto que a santa Missa é orientada para o altar, e, com isso, para o sacrifício e, finalmente, para Deus.

O salmo 42 é uma oração de saudades pelo santuário de Deus. Davi falou essas palavras do salmo quando, fugindo do seu filho Absalão, tinha que ficar longe do Santuário em Jerusalém. O salmo expressa também a alegre certeza de poder-se aproximar de novo do altar de Deus e participar nas festas do Senhor.

O versículo ‘Subirei ao altar de Deus, do Deus que alegra a minha juventude’ (‘Introibo ad altare Dei. Ad Deum que laetificat juventutem meam.’) se reza, ao todo, três vezes, porque serve também de antífona.

Falando de ‘juventude’, isso não se refere à idade biológica, mas à vida de graça. Na vida natural do corpo, segue ao crescimento a fase de maior força, para depois entrar em decadência. Na vida de graça há de ser diferente, porque nela podemos adquirir cada dia mais e mais força. Enquanto as nossas forças podem ter entrado em fase de enfraquecimento e debilidade, a nossa vida espiritual pode tornar-se cada vez mais perfeita, porque Deus oferece-nos a possibilidade de crescer na Sua graça cada dia.

“Embora em nós o homem exterior vá caminhando para a sua ruína, o homem interior se renova dia-a-dia”, escreve São Paulo (2 Cor 4,16). Santo Ambrósio fala também da juventude da graça em contrário da velhice do pecado.

 

“Judica me, Deus, et discerne causam meam de gente non sancta: ab homine iniquo et doloso erue me. – Julga-me, ó Deus, e separa a minha causa duma gente não santa. Livra-me do homem iníquo e enganador.”

 

Vivemos num mundo que não é perfeito: O Diabo nos tenta, pessoas sem Deus e inimigas da fé nos perseguem. Mas também dentro de nos mesmos sentimos ainda o velho homem do pecado, porque a nossa vontade não é sempre conforme à vontade de Deus, e a carne se opõe ao espírito. É por isso que pedimos a Deus que nos livre dos inimigos exteriores e nos transforme a nos mesmos em homens novos segundo à justiça verdadeira  e à santidade.

 

“Quia tu es, Deus, fortitudo mea: quare me repulisti, et quare tristis incedo, dum affligit me inimicus. – Tu que és, ó Deus, a minha fortaleza, porque me repeliste? E porque hei de eu andar triste, enquanto me aflige o inimigo?”

 

Só Deus é a nossa fortaleza; é por isso que devemos confiar não em nós mesmos, mas só em Deus. Tal há de ser a atitude fundamental do cristão.

No salmo 17, olhando para toda a sua vida passada, Davi se lembra de tantas vezes que Deus lhe socorreu e lhe ajudou. “Eu te amo, Senhor, minha força.”

Embora que às vezes possa parecer como se Deus tivesse nos abandonado, num instante, Deus pode mudar tudo para o bem.

Por isso o salmo continua: “Emitte lucem tuam et veritatem tuam: ipsa me deduxerunt et adduxerunt in montem sanctum tuum, et in tabernacula tua. – Envia a Tua luz e a Tua verdade; estas me conduzirão e me levarão ao Teu santo monte e aos Teus tabernáculos.”

Aqui o sacerdote pede para iluminar a sua inteligência e inflamar o seu coração, sobretudo agora que está para subir ao altar que é a colina mística do Golgota.

 

“Confitebor tibi in cithara Deus, Deus meus: quare tristis es anima mea, et quare conturbas me? – Ó Deus, Deus meu, eu Te louvarei com a cítara. Por que estás triste, minha alma? E por que me inquietas?”

 

O louvor de Deus na cítara se entende como expressão de alegria máxima. Para uma alegria tão grande não bastam algumas secas palavras, mas só canto e música podem dar-lhe a devida expressão.

De certo modo, aqui o sacerdote fala a si mesmo de deixar as tristezas para trás, agora, que está para celebrar o santo sacrifício da Missa.

 

“Spera in Deo, quoniam adhuc confitebor illi: salutare vultus mei, et Deus meus. – Espera em Deus, porque eu ainda O hei de louvar, a Ele que é a minha salvação e o meu Deus.

O salmo termina com estas palavras cheias de confiança; exprime a virtude da esperança que jamais devemos perder, porque a esperança permanece como uma estrela luminosa acima de todas as desgraças da terra.

Resumindo podemos dizer, que o salmo 42 é todo apropriado para se tornar a voz da Igreja: nas dificuldades exteriores e interiores deste mundo, a Igreja deseja estar diante de Deus, ser guiada por Ele, e cantar-Lhe alegremente os louvores e a gratidão da Sua fidelidade.

O salmo 42 também reflete a estrutura básica e a dinâmica interna da celebração da santa Missa, enquanto aqui se encontra a doutrina clássica das três vias da vida espiritual: 1) purificação, 2) iluminação, 3) união.

1. A purificação interior e a necessária separação do mundo longe de Deus manifesta bem e primeiro versículo: “Discerne causam meam de gente non  sancta, ab homine iníquo et doloso erue me.” – Ao que corresponde na Missa o ato penitencial com o Confiteor.

2. A prece do terceiro versículo – “emitte lucem tuam et veritatem tuam” – se realiza, sobretudo, na Liturgia da Palavra, no anúncio da Epístula e do Evangelho.

3. Da união com Deus nos fala o quarto versículo: “Introibo ad altare Dei.” E se refere especialmente à ação sacrifical e à sagrada Comunhão.

 

A Igreja sempre finaliza a oração dos salmos com a pequena Doxologia (a grande Doxologia é o “Gloria in excelsis Deo”): “Gloria Patri, et Filio, et Spiritui Sancto. Sicut erat in principio, et nunc et semper: et in saecula saeculorum. Amen.” Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo. Assim como era no princípio e agora e sempre, por todos os séculos dos séculos. Ámen.

É um breve louvor à Santíssima Trindade, para o qual devemos inclinar a cabeça em sinal de adoração. Esta oração nos une aos coros dos Anjos e aos Santos do Céu que interminavelmente cantam o louvor de Deus.

 

C) Aspectos teológicos

 

LEX ORANDI – LEX CREDENDI

 

O encontro com a liturgia clássica faz compreender a própria essência da Igreja, o que ela é na sua vida.

A liturgia é o órgão mais nobre do Magistério ordinário da Igreja. E a respeito da toda especial ‘pedagogia’ da liturgia escreveu o Papa Pio XI, numa carta encíclica (1925), palavras surpreendentes: “Para ensinar o povo os conteúdos da Fé, mais do que todos os documentos do Magistério, mesmo os mais importantes, é muito mais eficiente a celebração anual dos sagrados mistérios.”

E declarou também: A liturgia é o instrumento mais importante do Magistério ordinário da Igreja, porque ela não é o ensinamento desta ou daquela pessoa, mas é a doutrina da Igreja.

O valor soberano da liturgia não é do tipo de um arsenal de argumentos, mas consiste no fato de que ela é a ‘pedagogia da Igreja’. Ela incorpora e traduz ao máximo o sentido católico das coisas. A liturgia exprime a Fé da Igreja de maneira particularmente positiva, interior e total; ela sempre representa todo o mistério cristão, ela passa muito além de uma simples instrução. Ela é o meio educativo do sentido de Deus, do sentido do homem, do sentido mais profundo e mais perfeito da elevação religiosa em Jesus Cristo.

O Papa Pio XII denominou a liturgia como ‘espelho fiel da doutrina’ que foi transmitida pelos antepassados e crida pelo povo cristão. A liturgia como um todo, portanto, contem a Fé católica, enquanto ela testemunha publicamente a Fé da Igreja. De fato, a liturgia no rito romano tradicional contem, mostra e ensina a Fé católica em toda a sua multiplicidade e riqueza. É, sobretudo, na liturgia que a Igreja ensina e confessa todo o seu cristianismo.

Em matéria religiosa, os homens caiem em muitos erros e confusões. Leviandades e banalidades, espíritos pequenos e estéreis, exploração sentimental e até financeira se põem nas almas no lugar da mensagem universal de Jesus Cristo.

Diante disso, o coração se enche de uma imensa gratidão para com a Igreja que, todos os domingos, anuncia aos seus filhos, em toda a pureza e plenitude, a doutrina da luz e da misericórdia, de maneira sublime, quando fala de Deus, de maneira cheia de ternura e compaixão, quando se dirige aos pecadores que nós, afinal de contas, somos.

Na realização da liturgia, o homem é posto para dentro da verdade. É na liturgia que o homem realiza o seu relacionamento verdadeiro e válido para com Deus e o mundo, e assim se liberta dos seus enganos, das idéias fixas, unilaterais, exaltadas, inúteis, de uma vida num mundo de aparências subjetivas.

O rito da missa tradicional é um testemunho claro e completo das verdades centrais da Fé, como expressão da Fé verdadeira de tal modo que a norma de orar – lex orandi – oferece ao mesmo tempo uma norma confiável do crer – lex credendi. Nenhum elemento central do Depósito da Fé é silenciado ou diminuído ou formulado ambivalentemente. Sem cortes ou ambigüidades pronuncia a forma tradicional da Missa aquilo que a Igreja crê, desde sempre há crido e para sempre crerá.

A celebração da liturgia na sua forma tradicional se opõe eficazmente a todos os cortes, diminuições e banalizações da Fé. Quem conhece só a liturgia nova pensa que isso seja tudo; nem imagina que as leituras bíblicas passam a ser reduzidas com cortes de conteúdos importantes; mal alguém repara que nas orações da liturgia renovada não se combate mais expressamente a heresia, não se pede mais o retorno dos que erram, não se dá mais uma prioridade clara do celestial al terrestre; os Santos são reduzidos a exemplos somente morais; silencia-se a seriedade do pecado, a Eucaristia é tão somente chamada de ‘Ceia’.

A riqueza litúrgica da Igreja é muito maior do que na Missa Nova se vê. A ampliação das possibilidades de celebrar o rito da Missa tradicional pretende expressamente presentear a todos os fieis os tesouros litúrgicos da Igreja. Assim também aqueles que até agora os desconhecem, terão a possibilidade de descobrirem essa maravilhosa herança bimilenar da liturgia católica romana.

O Apóstolo São Paulo admoesta o seu discípulo: “Timóteo, guarda o depósito (da Fé)” (1 Tim 6,20).

Da conservação do depósito da Fé – depositum fidei – faz parte preservar também o tesouro precioso da liturgia tradicional.

A Missa tradicional, formada em séculos, é expressão e garantia válidas do conhecimento integral do Culto Divino.

 

 

 

 

 

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