Temei o inferno
(Mt 25, 30)
Pe. Divino Antônio Lopes FP.
“Ali haverá choro
e ranger de dentes”.
Naquele tempo falava Jesus aos príncipes
dos sacerdotes e aos fariseus em parábolas, dizendo: O reino
dos céus é semelhante a um homem rei que preparou as bodas
para seu filho. E mandou os seus servos chamarem os
convidados para as bodas, mas eles não quiseram vir.
Novamente mandou os outros servos, dizendo-lhes: ide dizer
aos convidados: Eis que preparei o meu banquete, os meus
vitelos e animais cevados estão mortos, e tudo se encontra
preparado: Vinde às bodas. Eles, porém, desprezaram-nos e
partiram: um para a sua quinta, outra para o seu negócio; e
os restantes lançaram mãos dos servos e mataram-nos. Então,
o rei ao ouvir isto irou-se. E tendo enviado os seus
exércitos destruiu aqueles homicidas e incendiou-lhes a
cidade. Depois disse aos servos: As bodas na verdade estão
preparadas, mas os que foram convidados não eram dignos de
tomarem parte nelas. Ide, pois, às saídas dos caminhos e
chamem para as bodas todos quantos encontrardes. E tendo
saído os seus servos para os caminhos, juntaram a todos
quantos encontraram, maus e bons, de sorte que a sala do
banquete se encheu de convidados. Então entrou o rei para
ver os que estavam à mesa, e viu ali um homem que não estava
vestido com a veste nupcial. E disse-lhe: Amigo, como
entraste aqui não trazendo veste nupcial? Mas ele calou-se.
Então o rei disse aos ministros: Ligai-o de pés e mãos e
lançai-o nas trevas exteriores: Aí haverá choro e ranger de
dentes. Porque muitos são os chamados, mas poucos os
escolhidos (Mt 22, 1-14).
É este um quadro admirável pintado pelo
Divino Mestre. Nele sobressai em cores vivas o amor
expansivo e generoso do rei, desejando a todo custo que se
encha a sala do banquete, e o rigor que usou para com um que
entrara sem vestimenta que o costume e dignidade do convívio
ordenavam: “Ligai-o de pés e
mãos, e lançai-o nas trevas exteriores, onde haverá choro e
ranger de dentes”. Dois pilares fundamentais
levantados pelo sumo arquiteto no vasto edifício da eterna
salvação, para que não haja nem o abuso da
confiança nem o desalento, mas, entre
um e outro, encontrássemos o temor confiante.
Devemos temer o inferno,
porque podemos cair nele, como por desventura lá caem tantos
outros: “O pensamento do inferno
poderá livrar-te do próprio inferno... porque esse
pensamento te fará recorrer a Deus” (Santo
Afonso Maria de Ligório).
Um nobre oficial francês fazia uma visita
a um hospital. Percorrendo as
enfermarias teve ocasião de observar – o que nunca imaginara
– as terríveis misérias e enfermidades causadas pela
luxúria. Naquele espetáculo hediondo, naqueles corpos meio
apodrecidos reconheceu, ele, o castigo imposto por Deus, já
nesta vida, ao mais vergonhoso dos pecados.
Quando terminou a visita, horrorizado,
exclamou: “Sou cristão e creio que existe um inferno
onde serão castigados os impuros; mas, para fazer-me
conceber sumo horror a esse pecado, basta o que acabo de ver
neste hospital”.
Pregava ao ar livre,
pela grande concorrência, o célebre missionário da Companhia
de Jesus, o venerável Padre Antônio Baldinucci, sobre
a terrível verdade do inferno.
“Meus irmãos,
disse ele, quereis saber quão grande é o número daqueles que
são condenados? Olhai para esta árvore”.
Voltam-se todos para uma frondosa árvore que
ali estava, e no mesmo instante, sopra uma forte rajada de
vento, agitam-se todos os ramos e as folhas caem em tal
abundância, que não ficou mais que um pequeno número delas
espalhadas e fáceis de contar.
“Eis aqui, tornou
o missionário, o número de almas que se perdem e o que se
salvam. Tomai vossas precauções para serdes do número das
últimas”.
“Zombo de tudo isto”
Foi em 1837. Um jovem alferes (antigo
posto militar), achando-se em Paris, lembrou-se de ir à
igreja da Assunção apenas por um passatempo. Quando admirava
a Igreja, reparou num padre que confessava e pensou
fazer-lhe uma partida: fingir que se queria confessar,
porque era bastante descrente para crer na confissão.
- Senhor padre, quero confessar-me.
- Da melhor boa vontade, meu filho.
- Devo notar-lhe, entretanto, que sou um
pecador especial: não creio, e até zombo de tudo isto.
- Não crê? Então, o que veio aqui fazer? Por
acaso zomba também de mim?! Ponhamos de lado a confissão e
conversemos um pouco. Diga-me: qual é o seu posto e que
pretende?
- Sou alferes, e se a sorte for propícia,
serei tenente, e quem sabe, também major.
- E quando já major, que será depois?
- Serei coronel; e com meus quarenta e cinco
anos poderei subir ao posto de general.
- E depois, que pretende mais?
- Já então casado, podia ainda ser promovido
a marechal, e desfrutar então os meus galões (distintivo
de certos postos ou graduações militares).
- Pois bem. Faça de conta que já está casado,
oficial superior, general, talvez mesmo marechal. E depois?
- Depois... Depois não sei, senhor padre, o
que acontecerá.
- Sim, sim, o senhor não sabe. Eu sei e
vou dizê-lo. Depois morrerá, será julgado por Deus;
e se continuar assim, irá ao inferno por toda a
eternidade. Eis o que acontecerá, embora zombe
de tudo isto.
O oficial com mostras de desagrado indicava
querer retirar-se.
- Um momento. O senhor é um rapaz honrado e
eu tenho cá os meus melindres.
Creia que me ofendeu e que me deve uma
reparação. Ela será simples: durante oito dias, antes de se
deitar, dirá: Um dia morrerei... serei julgado...
depois o inferno; mas eu, zombo de tudo isto.
Eis tudo. Mas, vai dar-me a sua palavra de militar de que
não há de faltar?
Cada vez mais contrariado prometeu tudo e
saiu.
À noite, conforme o prometido principiou:
eu morrerei, serei julgado... e não foi
capaz de continuar. Pela primeira vez temeu o inferno.
E se eu lá caísse? Provas não tenho para
negá-lo. Por que não acredito nele? Ainda não eram
passados oito dias, e de novo lá estava o jovem militar para
se confessar deveras, terminando a confissão banhado em
lágrimas de sincero arrependimento.
O temor do inferno tinha transformado aquele
coração.
Os santos e o temor do inferno
São Bruno,
fundador dos Cartuxos, dizia:
“Feliz
o homem que tem a mente fixa no céu e foge do mal com
assídua vigilância. Oh! Vivem, porém, os homens como se a
morte não existisse e como se o inferno fosse uma fábula...”
São Francisco Borja
meditava com frequência nas penas do inferno, figurando-se
já morto, julgado por Deus e condenado ao inferno pelos
muitos pecados.
São João Vianney
escrevia: “Se
um condenado dissesse: ‘Meu Deus, eu vos amo!’
Não haveria mais inferno. Mas não! Essa
pobre alma perdeu a faculdade de amar que havia recebido e
que não soube aproveitar... Oh! Se os condenados tivessem
apenas meia hora do tempo que nós perdemos!”
São Boaventura
que levou a vida tão pura e tão cheia de penitências, dizia
que se Deus revelasse que só um filho de Adão se condenaria
ao inferno, nem por isso deixaria aquela aspereza de vida
por temor de ser esse infeliz condenado ao
eterno cárcere.
Bandidos que se convertem
O Beato Pedro Lèfébre, um dos
primeiros companheiros de Santo Inácio de Loiola,
dirigindo-se em 1540 de Parma para Roma, foi surpreendido
pela noite numa região infestada de ladrões e de bandidos.
Pedindo auxílio a Deus, avistou luz numa casa ao longe, e lá
foi pedir pousada. Era tempo frio e chuvoso. Os donos, gente
acolhedora e respeitosa, pediram ao padre que se aproximasse
do fogo para se enxugar. Entretanto, ouvem-se passos
precipitados e depois pancadas violentas na porta. Era uma
quadrilha de dezesseis salteadores que assaltam e roubam a
casa. Depois, colocam-se em redor duma mesa a comer e a
beber no meio de cantos grosseiros e de palavrões
indecentes. A família tremia toda, só o Beato Pedro Lèfébre
de nada afligia, deixando-se ficar sentado, calmo,
pensativo, de olhos fitos na fogueira. Pergunta-lhe o chefe
dos ladrões que fazia ali. O padre não respondeu; torna o
facínora:
Não respondes?! És surdo, és mudo, ou
surdo-mudo? Não, respondeu o padre, nem sou surdo, nem mudo.
Não respondi porque um grande pensamento ocupa meu espírito.
– Qual é? Depressa. Fala – Penso que a alegria dos pecadores
é muito breve e enganosa. Este fogo faz-me lembrar o
inferno, ao qual eles não poderão escapar se não deixarem a
vida de perdição e se não voltarem para Deus.
Estas palavras foram ditas com tal unção, que
os bandidos ficam todos comovidos e ali mesmo, e naquela
noite, detestam a vida criminosa e confessam todos os seus
pecados.
É Mons. de Segúr quem conta o
fato seguinte. Era o capelão da escola militar de São Ciro o
Padre Rigolot. Num retiro que fez aos alunos, falou numa
noite sobre o inferno e do espontâneo temor que deve
acompanhar esta verdade. Acabada a prática, retirou-se para
o quarto com uma luz na mão. Ao abrir a porta ouviu que era
chamado por alguém que o seguia na escada. Era um velho
capitão de bigodes compridos e modo rude.
Perdão, senhor capelão,
disse com voz irônica, acabais de nos
fazer uma bela prática acerca do inferno. Esqueceu de dizer
se no fogo do inferno seremos fritos, assados ou cozidos.
Podereis dizê-lo? O capelão fitou o interlocutor com
firmeza, e chegando-lhe a luz ao nariz respondeu
tranquilamente: Haveis de ver isso,
capitão!
E cerrou a porta, não podendo deixar de
rir pela mesquinha figura do capitão. Anos depois,
achava-se o venerando sacerdote numa reunião de numerosos
convidados, quando vê aproximar-se um velho de bigode branco
que o saudou, perguntando-lhe se não era o Padre Rigolot. À
resposta afirmativa continuou: Permita-me, senhor
capelão, que lhe exprima todo o meu reconhecimento por me
ter salvado a alma. Sim, eu sou aquele capitão instrutor da
escola de São Ciro. As palavras que me dirigiu à porta do
seu quarto nunca mais pude esquecê-las. Aquele:
“Haveis de ver isso, capitão”, tem sido para mim
contínuo tormento. Lutei, mas por fim rendi-me. Confessei as
minhas culpas e hoje sou um cristão à militar; isto é:
completo.
Pregava o Padre de Bussy uma
importante missão que emocionava o povo todo. Era no inverno
e fazia muito frio. Na sala, onde o missionário recebia os
homens para esclarecer, estava um fogão com muito boa lenha.
Um dia, aproximou-se um jovem que lhe houvera
sido recomendado em consequência das suas desordens e
fanfarronices de impiedade; mas, em breve, reconheceu o
padre que nada podia fazer.
Venha cá, meu amigo,
lhe diz, sente-se e conversemos um pouco
enquanto nos aquecemos. Eu não confesso ninguém
forçosamente! O padre abriu o fogão e notou que
precisava de mais lenha.
Faz favor de me chegar duas ou três achas
(pedaço de madeira), diz ao jovem.
Este um tanto admirado fez o que lhe fora pedido.
Agora, continuou
o missionário, tenha a bondade de colocá-las no fogão, lá
bem para dentro. E logo que o outro metia a lenha pela
porta do fogão, o padre de Bussy toma-lhe de repente o braço
e mete-o até dentro. O rapaz solta um grito, dá um salto
para trás, e exclama: O que é isto?! Estará o senhor
doido? Não vê que me ia queimando?! – Que é senhor, que tem?
É bom ir se acostumando! No inferno, não será somente as
pontas dos dedos, mas o corpo todo; e esta fogueira não é
nada em comparação com a outra. Vamos, vamos, meu bom amigo,
é preciso habituar-se. E quis tomar-lhe de novo o braço.
O rapaz levantou-se para voltar daí a dias completamente
outro. O temor do inferno tinha-o vencido.
O inferno é uma grande invenção,
dizem alguns, ainda ninguém de lá
voltou para saber se existe. Não, ninguém de lá voltou; e
se vós mesmos lá entrardes, também não voltareis.
Se de lá se pudesse voltar, eu vos diria: ide
lá, e voltai a dizer se há ou não.
Mas, é esta uma experiência que se não pode
fazer, e grande insensatez será expor-se uma pessoa a um mal
tão grande e que não tem remédio.
Não, ninguém de lá voltou,
mas o inferno existe.
Existe, porque tal é a crença de todos os povos antigos e
modernos, tanto entre os idólatras selvagens, como entre os
cristãos civilizados.
Existe, porque a certeza do inferno acha-se
de tal maneira ligada ao Cristianismo, que entre tantas
heresias que atacaram os dogmas católicos, nenhuma delas
ousou negá-lo, refulgindo esta verdade no meio de tantas
ruínas.
Existe, porque os mais ilustres filósofos e
atilados gênios admitiram o inferno, não só entre os
cristãos, mas ainda entre os mesmos pagãos: Virgílio,
Ovídio, Horácio, Sócrates, Platão e tantos outros.
Existe, porque os mais obstinados ímpios
nunca conseguiram uma convicção da não existência do
inferno.
Perguntaram a Rousseau se havia inferno, ao
que respondeu: Eu não sei... Voltaire ouvindo dizer a
um seu amigo que tinha achado a prova da não existência do
inferno, escreveu-lhe: Sois muito
feliz! Quanto a mim estou muito longe disso.
Existe porque os santos o afirmaram nas
páginas heróicas de uma vida de martírio e sacrifício. É
Santo Agostinho abandonando os seus erros aos
trinta anos; é São Jerônimo em rígida
penitência na gruta de Belém; é São Francisco
de Assis revolvendo-se nos espinhos ou atirando-se para uma
fogueira em brasas vivas; são todos esses mártires que
preferiram ser queimados vivos a serem atirados às chamas do
inferno.
Existe porque Nosso Senhor Jesus Cristo fala
muitas vezes no fogo do inferno no seu Evangelho. E neste
Jesus eu creio porque Ele é a Verdade.
O céu e a terra passarão; porém a Sua
Palavra não passará.
Ainda ninguém de lá veio para dizer que
o inferno existe,
dizeis vós. Os condenados a trabalhos
forçados pela vida inteira, também não vieram ainda dizer o
que acontece por lá; e, entretanto, ninguém se lembrou de
dizer que os castigos não existem.
Ainda ninguém de lá veio,
pois sim. Se um viajante ao
atravessar um deserto da África fosse devorado por um tigre
cruel, por certo não poderia voltar atrás para noticiar à
sua gente a desastrosa ocorrência, mas nem por isto deixa de
ser verdade tê-lo devorado a fera.
Ainda ninguém veio do outro mundo a
dizer que o inferno existe; mas também ninguém ainda veio
dizer que não existe. E
será certo que ninguém veio? Veio do Céu Jesus
Cristo que nos falou da outra vida e tantas vezes do inferno.
Jesus, tão misericordioso e
tão benigno, que perdoa tudo aos pobres pecadores
arrependidos; Jesus que acolhe a culpada Madalena e a mulher
adúltera, o publicano Zaqueu e o ladrão crucificado a seu
lado; é Jesus que nos conta a condenação do mau
rico e sua eterna condenação,
e ainda nos admoesta tantas vezes a fugir do fogo eterno
onde há pranto e ranger de dentes. Admoesta-nos porque o
inferno existe, e existe para aqueles que não querem crer
nele.
E ninguém pode afirmar que o divino Mestre
quis inquietar ou amedrontar os homens. Ao falar do inferno
e dos tormentos que ali se sofrem, as suas palavras são
categóricas. O pobre Lázaro foi admitido numa eternidade e o
rico avarento, sem coração, foi precipitado na outra
eternidade. As cinco virgens prudentes, entram numa, as
cinco loucas na outra. O caminho estreito leva à eternidade
feliz, a estrada larga à eternidade desgraçada. Cristo
assegura ao bom ladrão que entrará com Ele no seu reino, e
de Judas afirma que melhor lhe fora não ter nascido.
|