Santa Missa
segundo o Rito Gregoriano
(“Missa Tridentina”)
Pe. Franz Hörl
TEOLOGIA DA
CELEBRAÇÃO LITÚRGICA
O Duplo Movimento
da Liturgia
Glorificação de
Deus e Santificação dos Homens
A estrutura da celebração litúrgica evidencia
a liturgia como o lugar privilegiado de encontro
entre Deus e o homem. Aqui na terra, o lugar de estar
mais próximo a Deus é na liturgia. Sob o véu de símbolos,
Deus desce (do Céu) ao homem e o homem sobe (da terra) a
Deus.
Portanto, na liturgia acontece um duplo
movimento: Os homens elevam-se a Deus para Lhe oferecer
adoração e louvor de agradecimento, e Deus inclina-se aos
homens para fazer descer sobre eles os Seus dons.
* É assim que diz a oração do <Supplices
te rogamus> do Cânon Romano, onde a Igreja suplica sejam
estas oblatas apresentadas no altar celeste, diante do trono
de Deus, e de lá desçam a nós, pela comunhão, a cumular-nos
de graças e bênçãos;
* como também na oração do <Suscipiat>:
Receba o Senhor das tuas mãos este
sacrifício para louvor e glória do seu nome e para bem nosso
e de toda a sua santa Igreja.
* Ou como ainda na <Secreta> do
“Décimo Domingo depois de Pentecostes”:
Aceitai, Senhor, os sacrifícios que Vos são
consagrados e que Vós instituístes para servirem ao mesmo
tempo de remédio às nossas almas e de glória ao vosso nome.
1.) A LITURGIA COMO GLORIFICAÇÃO DE DEUS
O movimento ascendente a Deus de adoração e
de ação de graças é tão dominante na liturgia, que exige do
fiel sempre de novo a conversão e a separação de todo o
terrestre, como diz Col 3,2: Pensai
nas coisas do alto, e não nas da terra!
A liturgia nos surpreende pela liberalidade
desinteressada que se doa, pelo ”ócio santo” que deixa
espaço à contemplação, justamente pela exclusividade com que
gira em redor de Deus.
Deste modo a liturgia é, para todos os que
têm a felicidade de assisti-la, uma escola singular
de servir a Deus e de se abrir para Ele.
a) LOUVOR DE DEUS E AÇÃO DE GRAÇAS NA ORAÇÃO
LITÚRGICA...
O que Cristo nos revelou do seu Pai, e o
cumprimento que deu a todas as prefigurações
velho-testamentárias, confere à oração da Igreja, de um
lado, a continuidade da oração judaica, mas também,
pelo outro lado, a ruptura ou novidade:
...COM AS PALAVRAS
DO ANTIGO TESTAMENTO
Aos salmos e cânticos do Antigo Testamento a
Igreja dá-lhes um lugar proeminente na sua liturgia. Mesmo
que não as use literalmente, servem de inspiração nas
orações do celebrante, nos cânticos do coro e da comunidade.
A Igreja extrai das orações bíblicas, sobretudo, as
ilustrações das perfeições divinas, a declarações da Sua
santidade, transcendência, eternidade e onipotência.
A oração judaica se eleva da contemplação das
perfeições de Deus à ação de graças pelas obras admiráveis
da criação e dos feitios de misericórdia para com o Seu
povo.
O judeu piedoso, reconhecendo a sua própria
condição pecaminosa e a sua miséria espiritual, tornou-se
mais sensível pelo Deus misericordioso e salvador.
Apropriando-se de todas essas orações, a
Igreja dá-lhes um sentido mais amplo, porque as obras
admiráveis de Deus na Nova Aliança superam as da Antiga
Aliança, as continuam e rematam.
...NA ORDEM DE
SALVAÇÃO DO NOVO TESTAMENTO
Foi Jesus Cristo que nos revelou os mistérios
da vida trinitária. Por isso, na liturgia, se encontram
numerosas doxologias da Trindade Santa, muitas das
vezes tiradas dos escritos de São Paulo. As orações que o
celebrante dirige ao Pai, se apóiam todas em Jesus, Filho de
Deus, como mediador, mencionando o Espírito Santo.
No culto de adoração de Jesus Cristo, a
Igreja Lhe atribui o título de “KYRIOS” que a
tradução grega do Velho Testamento usa exclusivamente para
Deus.
No livro de Apocalipse, o canto da comunidade
celeste é ação de graças. São Paulo fala dela em
forma de uma obrigação permanente do cristão. É
agradecimento a Cristo que nos purificou no Seu sangue, é
adoração do plano de salvação de Deus que nos chamou e nos
amou primeiro. Na reunião litúrgica acontece de certa forma
uma “epifania”, ou aparição, da salvação em Cristo.
b) O SACRIFÍCIO DE LOUVOR
A liturgia alcança o seu ápice na celebração
eucarística que é um sacrifício de adoração e ação de
graças, portanto, como diz o Cânon Romano, um "sacrifício
de louvor" pelo fato de ser uma atualização eficaz do
ato redentor de Cristo.
A partir de que Cristo se imolou, na cruz, de
modo singular, todos os ritos de adoração e de louvor da
Antiga Aliança foram superados (confira: Hebr 10,5-7).
A distinção fundamental entre o culto cristão
e o culto velho-testamentário é justamente isso: A realidade
faz desaparecer as prefigurações. Em reconhecimento
da soberania absoluta de Deus, a Igreja não oferece mais
sacrifícios de “primícias” e “holocaustos”, mas o próprio
Cristo. O Seu sacrifício é louvor perfeito:
“oferta
e sacrifício de odor suave” (Ef 5,2);
é a única expiação adequada e é o rogo d'Aquele que
“vive para sempre para
interceder por nos” (Hebr 7, 25).
c) O CULTO NATURAL E O CULTO CRISTÃO
O culto bem como a virtude da religião
são indispensáveis para todos os seres humanos (Rom
1,19-21):
“O que se pode conhecer de Deus é
manifesto também entre os pagãos. A realidade invisível de
Deus, o seu poder eterno e a sua divindade, tornaram-se
inteligível através das criaturas de sorte que não têm
desculpas”.
O culto em si é a totalidade de todos os atos
pelos quais o homem procura dar expressão das suas
obrigações em relação a Deus. “Culto” é expressão de
religião, manifestando as duas atitudes de honrar a Deus
em reconhecimento da sua soberania, e de submissão.
Diante da transcendência divina infinitamente
superior, o homem sente admiração, temor e
submissão. Isso já é um primeiro sentimento espontâneo
de adoração. Refletindo depois sobre essa experiência, o
homem concorda livremente que por justiça e necessidade deve
como obrigação, a mais elementar e indispensável, a de
reconhecer a sua independência daquele que é o início e o
fim, criador e senhor de todos os seres.
O homem, passando além dessas impressões
elementares da religião, procura conhecer a Deus e louvá-lo.
A glorificação de Deus - "clara noticia com laude"
(conhecimento claro com louvor) - é a finalidade do culto.
Sob esse ponto de vista, o homem toma
consciência do seu próprio nada, da sua miséria, do seu
pecado. O sentido verdadeiro por Deus encontra-se sempre
acompanhado pela humildade. Tais sentimentos se
manifestam na oração, nos gestos de adoração e no
sacrifício. Assim os atos exteriores do culto são
emanações de atitudes interiores da alma.
O culto, porém, sem o auxílio da Revelação
está sempre ameaçado de desfigurações. O homem fica exposto
à tentação de:
* buscar a experiência religiosa por si só,
em vez de buscar a Deus;
* parar num estado subjetivo e irracional do
sentimento religioso;
* fugir de um esforço intelectual necessário
de conhecer a Deus;
* evitar a exigência conseqüente de
santidade;
* e, sobretudo, de perder o senso pela
transcendência de Deus.
O culto natural não alcança o nível do culto
cristão. A Revelação divina não somente purificou e corrigiu
o culto que o ser humano naturalmente deve ao ser divino,
mas abriu um horizonte para um mundo de culto todo novo:
A novidade fundamental consiste no fato de
que Deus falou em língua humana. O incognoscível se
deu a conhecer, mostrou a sua glória a Abraão e a Moises,
falou pelos profetas, agiu na história do seu povo escolhido
de tal modo que já o AT declarou: (“A Sabedoria) apareceu
sobre a terra e no meio dos homens viveu” (Bar. 3, 38).
Depois dos profetas, Deus falou por seu Filho (1Jo 1, 18):
“Ninguém jamais viu a Deus: o
Filho único, que está voltado para o seio do Pai, este o deu
a conhecer”. Ou também como reza o prefácio
de Natal:
“...pelo mistério do Verbo Encarnado, aos olhos da nossa
mente brilhou nova luz do vosso esplendor, a fim de que,
conhecendo a Deus de modo visível, por Ele sejamos
arrebatados ao amor das coisas invisíveis”.
Isso muda completamente o conceito de
“culto”, que Jesus precisou à mulher Samaritana, explicando:
“... nós adoramos o que
conhecemos. Mas vem a hora - e é agora - em que os
verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade”
(Jo 4, 22s). Cristo revelou aos homens
o amor de Deus e os convidou à amizade e intimidade
com Ele, apesar de que o cristão deve estar sempre
consciente da sua própria indignidade e condição
pecaminosa, e que deve aproximar-se de Deus imenso e
terrível sempre com reverência, humildade e respeito.
O culto e a virtude de adoração do cristão
estão inseparavelmente ligados à fé e à caridade. E mais: O
culto cristão contem, essencialmente, o diálogo entre
Deus e o seu povo. Isso faz com que o culto cristão com
a posição significativa e única da Palavra de Deus na
liturgia é diferente de todos os outros tipos de culto.
Mas existe uma diferença ainda mais profunda:
A paixão de Cristo superou os cultos do AT e os das outras
antigas religiões, porque a Sua paixão foi um sacrifício,
portanto um ato de culto. Deus aceita esse sacrifício
por si mesmo; é um sacrifício único e “renovado”
sacramentalmente. A sua eficácia está independente da fé
e da piedade das pessoas que lhe estão ligadas.
É designado para a salvação dos homens e
contem a graça espiritual de fazer os homens participar do
culto que ele possibilita. O sacrifício de Cristo é o
fundamento de uma nova comunidade de culto – que é a
Igreja – com a finalidade de continuar o sacerdócio de
Cristo.
A Igreja é muito mais uma comunidade,
essencialmente, de culto, fundada por um ato de culto que é
o sacrifício de Cristo:
* pelo seu culto que gera novos membros;
*é no culto que se manifestam os diversos
graus da sua hierarquia;
*no culto ela se torna consciente da sua
essência mais profunda e da presença e eficiência da sua
cabeça que é o Cristo Jesus;
*é no culto que ela avista o fim da sua
peregrinação terrestre.
2.) LITURGIA COMO SANTIFICAÇÃO DOS HOMENS
A finalidade da liturgia é também a de
presentear aos homens a graça divina. Sinais e atos
externos da liturgia são sacramentos e sacramentais com a
finalidade de santificar os homens. A missa e os sacramentos
são o essencial da liturgia de tal forma que a
santificação é condição da realização do culto divino em
louvor, adoração e ação de graças.
a) A SANTIFICAÇÃO DOS HOMENS É UM FIM
ESSENCIAL DA LITURGIA
Na liturgia, o dom de Deus aos homens
é essencial. Nela a Palavra de Deus, proferida com devida
disposição, contem uma luz e uma força que transcende o
valor de palavras puramente humanas, mesmo as dos maiores
pregadores, e lhes confere uma autoridade e eficiência
particular e toda singular: Hebr 4,12:
”Pois a Palavra de Deus é viva, eficaz e mais penetrante do
que qualquer espada de dois gumes; penetra até dividir alma
e espírito... Ela julga as disposições e as intenções do
coração”.
O papel primordial dos sacramentos consiste
em conferir aos homens a graça de Deus, em
aplicar-lhes a redenção e conduzi-los à salvação.
Eles são "propter homines", a favor dos homens, e a
sua eficácia se produz através de ritos, gestos e
palavras; são, portanto, direta a essencialmente
litúrgicos. O plano inteiro de
salvação sacramental está ligado à liturgia.
De um lado, os sacramentos recebem a sua real
eficiência da paixão de Cristo, do sacrifício da Nova
Aliança, e pelo outro lado, eles dão à liturgia
participantes e ministros: Batismo, Crisma e Ordem conferem
à alma um caráter que dão ao cristão a tarefa de ter parte
no culto divino e confere uma participação no sacerdócio de
Cristo.
b) A CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA – DOM DE DEUS AOS
HOMENS
O duplo movimento da liturgia é realizado de
modo mais perfeito na Eucaristia. Ela é sacrifício, o ato
mais escolhido de adoração de Deus, e também é o dom mais
sublime de Deus aos homens. A oferta do sacrifício que
oferecemos ao Pai, antes temos recebido dEle pela
transubstanciação (cf. Cânon Romano: "de tuis donis ac
datis"). E tendo-a oferecido a Deus, dEle a recebemos de
volta para nosso alimento. Embora a comunhão não seja
essencial ao sacrifício, ela o completa (pelo menos na
comunhão do celebrante). Assim o culto mais desinteressado e
mais teocêntrico (=que tem Deus como centro), o “sacrifício
de louvor” torna-se, ao mesmo tempo, para nos o ato pelo
qual recebemos de Deus a fonte de todas as graças.
c) SANTIFICAÇÃO OBJETIVA E SUBJETIVA
A santificação que a liturgia nos oferece é
uma realidade objetiva, na sua origem, independente
de quem a recebe, pois adquirida pelo próprio Cristo e dado
como presente "ex opere operato". Nos ensinamentos de
Pio XII lemos: "Nas celebrações
litúrgicas e, sobretudo, no sacrossanto Sacrifício do Altar,
perpetua-se a nossa redenção e aplica-se a nos os seus
frutos. Cristo opera a nossa redenção, dia por dia, nos
sacramentos e no seu sacrifício; através deles fica
continuamente atuando, expiando a humanidade e consagrando-a
a Deus" (Mediator Dei, 29).
As celebrações litúrgicas possuem em si
mesmas uma força (objetiva) que faz as nossas almas ter
parte na realidade da vida divina de Jesus Cristo.
Portanto, não por força nossa, mas por força divina, a
liturgia contem aquela eficácia que une a ação piedosa dos
membros com a da cabeça, e a torna a ser a ação de toda a
comunidade.
Porém, não há de se esquecer que o fiel,
recebendo essa graça, precisa de se preparar para isso,
se deve colocar na disposição necessária, e depois
também corresponder a ela. Pois liturgia não é magia!
A esse esforço interior e pessoal a própria
liturgia também ajuda, despertando, iluminando e
aumentando a fé; a oração litúrgica expressa o amor a
Deus; a liturgia enquanto convivência comunitária torna-se
escola da caridade fraterna, colocando,
incessantemente, diante dos olhos dos fieis os mistérios
de Cristo e o exemplo dos santos.
Os dois movimentos que distinguimos na
liturgia – o dos homens a Deus e o de Deus aos homens –
estão, pela sua própria essência, intimamente interligados.
São Tomas de Aquino atribuiu a todo ato religioso este fim
duplo, o teocêntrico e o santificante. O fim de
santificação, porém, encontra-se subordinado ao fim primário
teocêntrico da liturgia: A santificação dos homens está
orientada para a liturgia. A redenção por Cristo, o fruto do
seu devotamento ao Pai, possui o seu fim último na liturgia
celeste em que “Deus é tudo em
todos” (1Cor. 15,28). O
sacerdócio de Cristo, exercido na liturgia, une esses dois
movimentos e, no fim, dirige todos os ritos para a adoração
e glorificação de Deus.
A LITURGIA DA NOVA
ALIANÇA NO ESPÍRITO
A liturgia cumpre a tarefa de prestar a Deus
o devido culto de adoração e também a de tornar o seu
mistério de salvação presente e eficiente no meio dos
homens. A Igreja ó o novo Israel do fim dos tempos,
anunciado pelos profetas e realizado numa aliança nova e
definitiva com a característica de um culto espiritual.
* A liturgia como expressão da aliança entre
Deus e o seu povo é completamente inspirada pela Palavra
de Deus que chama esse povo, lhe comunica os seus
mandamentos e lhe revela os planos de Deus referente ao seu
futuro. Portanto, a liturgia cristã é essencialmente fundada
na Revelação divina, nas Sagradas Escrituras, é
essencialmente bíblica.
** A liturgia cristã como expressão da Nova
Aliança possui um caráter escatológico pelo Reino de
Deus, no fim dos tempos. Sob o véu de sinais sacramentais
que realizam o que significam, a liturgia possui já o
penhor da união entre Deus e os homens da realidade
última no Céu. A estrutura sacramental da liturgia
cristã tem a sua raiz na realidade antecipada dos fins dos
tempos.
*** Essa aliança definitiva é caracterizada
pela efusão do Espírito Santo e constitui a
liturgia cristã como culto espiritual, não, porém,
porque recusaria a usar coisas materiais, mas porque as
submete inteiramente à liderança do Espírito Santo e ao Seu
serviço. Assim as realidades materiais – língua, gestos e
todos os objetos que podem ser usados na liturgia – mesmo
que não deixem de ter o seu sentido próprio, alcançam um
significado mais elevado o qual os torna sinais
eficazes da graça; graça que o Espírito Santo
comunica aos fieis para santificá-los e produzir nos
seus corações a oração dos filhos de Deus.
**** É uma aliança messiânica, na qual
e através da qual a presença de Deus é realizada no
meio do seu povo. É por isso que a liturgia cristã é
cristocêntrica, orientada em todos os sentidos para
Cristo. Jesus Cristo é o único e definitivo Sumo
Pontífice da Nova Aliança que se imolou a si mesmo como
“única oferenda e levou à
perfeição para sempre os que Ele santifica”
(Hebr 10,14).
A liturgia da Igreja permite à comunidade dos
fieis uma participação no culto que Cristo incessantemente
oferece ao Seu Pai, nesta Igreja que é o Seu Corpo.
“Mediator Dei” 20: A liturgia é
“o culto público que
nosso Redentor, a Cabeça da Igreja, presta ao Pai Celestial
e que a comunidade dos fieis oferece ao seu fundador, e
através dEle ao Eterno Pai. ...é o culto público do Corpo
Místico de Jesus Cristo, da sua cabeça,e dos seus membros”.
LITURGIA E
PASTORAL
O fim primordial da liturgia é a glorificação
de Deus, e depois, ao mesmo tempo, a santificação dos
homens. A honra de Deus em si nós não a podemos aumentar;
somente podemos dar a Deus o que nós mesmos possuímos. O
que glorifica Deus é a nossa santidade. Disse santo
Irineo: “A glorificação de Deus é o homem vivo”.
A liturgia é a obra sacerdotal de Cristo,
continuada pela Igreja, com o duplo fim de glorificar o Pai
celestial, oferecendo-Lhe a ação de graças e as preces dos
homens, e de redimir os homens, distribuindo-lhes os dons de
Deus.
Este fim duplo do sacerdócio determina também
o sacrifício eucarístico que é
*ação de graças a Deus,
*expiação pelos pecados e
*comunhão dos homens com Cristo no Sacramento
do Altar.
Também a celebração dos sacramentos – sinais
eficazes da graça –possuem esta dupla finalidade. O
Ofício Divino (“Breviário”) é oração de louvor como
preparação e continuação da eucaristia; de um coração
purificado e consciente, a oração eleva-se do homem a Deus.
Sendo os sacramentos sinais da fé, cuja
validade depende somente da celebração correta e da intenção
certa - <ex opere operato> - fica claro, porém, que
produzem tanto mais fruto quanto melhor a disposição do
celebrante e do recipiente.
Por isso se exige do sacerdote e dos fieis um
esforço espiritual, porque uma celebração digna e
frutuosa tem como condição a santidade (cf. Encíclica
“Mediator Dei”).
“A liturgia é a
primeira e indispensável fonte do autêntico espírito
cristão” (São Pio X),
e, portanto, é a fonte de toda a
vida verdadeiramente espiritual.
A própria celebração, nela e através dela, há
de santificar a comunidade dos fieis que assiste à
liturgia consciente e piedosamente. É como diz o
Concílio de Trento: ”A celebração
litúrgica, ela mesma, santifica, educa para a virtude da
religião e contem rica instrução para o povo cristão”.
A pastoral litúrgica nasce da sacralidade da
liturgia para
*dirigir o povo fiel,
*instruí-lo e
*santificá-lo.
Assistindo com conhecimento e atenção
ao culto, os fieis podem, na sua fonte, beber o autêntico
espírito cristão.
A pastoral litúrgica não visa os infiéis ou
pagãos (os sem religião ou não-cristãos), aos quais é
necessário, antes, introduzi-los ao mundo da fé; mas quer
condicionar aos fieis batizados e praticantes uma
assistência mais profunda da celebração dos mistérios da
fé.
(Portanto, querer produzir novas formas
litúrgicas para pagãos ou pessoas afastadas, não
introduziria na liturgia, mas dela afastaria. No início da
história do Cristianismo, a conversão dos pagãos não
aconteceu pelo culto cristão, mas começou com questões
quanto à pureza da vida, à caridade dos cristãos, às quais
uma introdução ao Evangelho dava respostas. Somente após um
longo tempo de catequese e preparação, os catecúmenos foram
admitidos à celebração dos mistérios, na qual participaram
plenamente só após serem batizados.)
A pastoral e catequese litúrgicas querem
formar comunidades unidas e espiritualmente elevadas,
conscientes e – sem presunção - orgulhosos da sua fé, cujos
membros façam atrativa a religião católica também a pessoas
afastadas ou sem fé.
A pastoral litúrgica quer educar os filhos
de Deus, como um pai educa os seus filhos, para fazer
deles personalidades desenvolvidas e para
habilitá-los a corresponder à sua vocação. As
características de toda educação, portanto, são próprias
também da pastoral litúrgica:
* A pastoral litúrgica é paternal, com
autoridade, mas sem autoritarismo e sem arbitrariedade.
Não exige um comportamento puramente externo, mas quer
implantar bons costumes e atitudes corretas, explicando
as razões e esforçando-se por criar as disposições internas.
** A pastoral litúrgica è doutrinária,
porque quer criar convicções e não
somente impor comportamentos.
*** A pastoral litúrgica quer formar:
não quer só ensinar e informar, mas despertar ainda mais:
- o sentido do sagrado,
- o sentido por Deus,
- o sentido do espírito de Cristo,
- o sentido da alegria da vocação interior e
da contemplação,
- o sentido pela Igreja e da alegria da
oração em comunidade.
**** A pastoral litúrgica é progressiva:
formação e educação têm seu ponto de partida do estado
real do homem para conduzi-lo para o alto e elevá-lo acima
de si mesmo. Não é certo de se contentar em falar com os
fieis numa linguagem que compreendem, sem ter a vontade de
conduzi-los, aos poucos, a uma compreensão mais profunda
do mistério propriamente cristão.
A pastoral litúrgica quer integrar os
fieis na tradição da Igreja; não pretende alcançar
sucessos visíveis, nem se adaptar a necessidades do momento
do povo cristão, nem a particularidades sociais ou
geográficas. Pelo contrário, a pastoral litúrgica pretende
introduzir os fieis na liturgia da Igreja, ensiná-los a
respeitar e amar tudo quanto é herança de pensamento cristão;
quer integrá-los à grande Igreja de todas as nações e de
todos os tempos. Improvisações e experiências
arbitrárias não têm espaço numa liturgia autenticamente
cristã.
PALAVRA FINAL
A força viva consegue a renovação pela
tradição, não sem ela, e muito menos contra ela. À atual
decadência do cristianismo devemos opor a beleza e o
esplendor duradouro do nosso catolicismo, a “paisagem de
alma” da liturgia e da cultura clássicas da Igreja católica
apostólica romana. Precisamos levar a sério as ricas e mais
diversificadas heranças e tesouros do Catolicismo, na sua
vivência durante vinte séculos da sua história,inspirada e
guiada pelo Espírito Santo. Precisamos combater o
desinteresse na tradição da história da Fé e a
marginalização da consciência cristã, e, pelo contrário,
fortalecer o orgulho da nossa própria tradição.
Para coisas para as quais o nosso tempo
perdeu as palavras e a forma de expressão, temos os tesouros
de formulação do passado, ritos, cerimônias, orações,
melodias...
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