SANTA MISSA NO RITO 
					ROMANO TRADICIONAL
					  
					
					(Pe. Franz Hörl) 
					  
					
					RITO E 
					SACRALIDADE 
					
					(continuação)
					 
					
					5. Sacralidade e 
					beleza
					 
					
					a) Entrar no espaço do 
					sagrado
					  
					
					O Rito tradicional da 
					santa Missa pertence às grandes forças de inspiração na 
					história da arte que, através da arquitetura, música, 
					escultura, pintura, bordado de paramentos e obras de 
					ourivesaria, procurou manifestar o esplendor interior da 
					liturgia também exteriormente. No decorrer dos séculos, o 
					rito clássico da Missa não somente fez aparecer inúmeras 
					obras de arte, mas muito mais, ele mesmo tornou-se uma obra 
					de arte de categoria singular. A beleza da liturgia 
					tradicional resulta da conjunção harmoniosa do espaço 
					sagrado, da língua sagrada, da música sacra, dos magníficos 
					e sublimes textos, dos gestos estilizados, do andar digno e 
					grave, dos nobres vasos sagrados, dos ricos paramentos, dos 
					missais e evangeliários ornamentados. Todos estes elementos 
					diversos alcançam a sua unidade interior pela orientação 
					geral à glorificação de Deus, cuja beleza reflete na 
					liturgia. A beleza material dos elementos que compõem a 
					celebração há de servir à beleza da liturgia que consiste em 
					que se possibilita o movimento orante de subida da Igreja 
					para Deus. 
					
					Exatamente, pelo que a 
					arquitetura, a língua, o canto, o vestuário e os movimentos 
					se afastam do comum e ordinário, e recusam a toda e qualquer 
					banalidade, cria-se a esfera do sagrado, na qual a 
					presença divina torna-se misteriosamente sensível. É a 
					característica do sagrado que, por um lado, pertence ao 
					âmbito do mundo, e, pelo outro lado, pertence à dimensão 
					divina. Deus seleciona realidades da criação – determinados 
					lugares e tempos, pessoas, ações e objetos – para ordená-las 
					de modo particular a Si, ou seja, para fixar nelas, de modo 
					especial, a Sua presença. Assim a realidade, criada nestes 
					lugares, recebe um caráter sagrado com a aptidão de um 
					lugar de encontro com Deus. A língua, os gestos, os 
					paramentos, o rito, tudo quanto reveste o ato religioso, 
					diferenciando-o do ordinário e do profano, não faz Deus 
					ficar distante, mas pelo contrário, faz com que se possa ter 
					uma experiência mais intensa do divino. 
					
					A saída consciente do 
					âmbito do profano e a entrada na esfera do sagrado 
					expressam-se quando o sacerdote, ao pé do altar, recita o 
					verso do salmo: Discerne causam meam de gente non sancta 
					(Defende minha causa contra gente sem piedade). Tal 
					separação do profano é condição necessária para o 
					Introibo ad altare Dei, para a entrada ao santuário, ao 
					espaço da sacralidade, da presença divina, escondida sob o 
					véu de símbolos. A sublimidade e a dignidade do 
					acontecimento litúrgico pretendem deixar claro que algo do 
					Céu está tocando a Terra. 
					
					O Papa São Gregório 
					Magno escreveu: “Na hora do 
					sacrifício, à voz do sacerdote, o Céu se abre. A este 
					mistério de Jesus Cristo estão presentes os coros dos anjos; 
					aquilo que está acima se associa ao que está em baixo, Céu e 
					Terra se unem, o visível une-se com o invisível numa 
					unidade”. 
					  
					
					b) Um reflexo do 
					esplendor do Céu
					  
					
					Para dar aos fieis uma 
					idéia da dimensão celestial da liturgia, não há um caminho 
					melhor do que o da beleza, chamada via pulchritudinis. 
					A beleza da liturgia sempre é o início de um caminho, no 
					qual, já no começo, há um esplendor daquilo que, no fim, o 
					olho há de ver em toda a sua plenitude. É por isso que 
					também a liturgia da Igreja peregrina ainda nesta 
					terra deve sempre refletir algo do esplendor da Igreja 
					triunfante, e deve visualizar a magnificência da 
					Jerusalém celeste na beleza da cerimônia terrestre.
					 
					
					Da beleza 
					da liturgia sai um enorme poder de conversão. 
					Conta-se: O príncipe pagão Vladimir de Kiev estava 
					procurando pelo único Deus verdadeiro entre os muçulmanos, 
					judeus e cristãos. Finalmente enviou uma delegacia para 
					assistir o culto de cada uma dessas religiões e lhe relatar 
					sobre ele. Na igreja de Constantinopla, na Hagia Sofia 
					(987), essa delegacia assistiu uma liturgia que, em beleza e 
					esplendor, superou tudo quanto ela tinha presenciado até 
					então. “A partir desse momento – 
					diz o relato – não soubemos mais, se estávamos no Céu ou na 
					Terra, porque, certamente, não existe tal esplendor e tal 
					beleza em lugar algum na terra. Não conseguimos descrever o 
					que vimos e sentimos; sabemos somente, que lá Deus habita 
					entre os homens e que o culto deles supera o de todos os 
					outros lugares. Tamanha beleza, pois, jamais poderemos 
					esquecer”. Em seguida, o soberano se fez batizar 
					e declarou o cristianismo como religião oficial. 
					
					A liturgia, nos seus 
					textos, não somente fala das glórias do Céu, mas algo disso 
					ela também faz refletir na sua própria beleza. Em relação ao 
					rito tradicional da santa Missa, até o espectador de fora 
					pode sentir, diretamente, que aqui se crê na presença de 
					Deus e que ela é celebrada. A impressão do sagrado é 
					dada, independentemente da pessoa do celebrante. A 
					liturgia tradicional conquista a alma pela sua beleza, 
					ainda antes de se dirigir às forças intelectuais do homem. 
					Existem duas portas de entrada na Igreja de Deus que é 
					templo da verdade: A porta estreita é a da sabedoria; a 
					porta larga é a da beleza, pela qual entram os milhões dos 
					homens. 
					
					Durante séculos, 
					a beleza da liturgia tem sido a riqueza justamente também 
					dos pobres. Escreveu o Cardeal Joseph Ratzinger: 
					“A solenidade do culto 
					com que a Igreja expressa a magnificência de Deus, a alegria 
					da fé, a vitória da verdade e da luz sobre o erro e as 
					trevas, a riqueza da liturgia, não é a riqueza do clero, mas 
					a de todos, também dos pobres que de modo algum a censuram, 
					mas a desejam”. 
					
					Nos seus 
					melhores tempos, a Igreja sempre resistiu à ilusão de 
					propagar a verdade de modo convincente, sem ao mesmo tempo 
					também apresentar ao olho o esplendor inerente, 
					a beleza como esplendor da verdade. 
					 
					
					  
					
					6. Participação ativa 
					(“participatio actuosa”)
					  
					
					a) O termo e o seu 
					significado
					  
					
					Desde o início do 
					século XX, os papas, repetidas vezes, cobravam uma 
					participação consciente e viva dos fieis na liturgia, 
					sem que, porém, tivesse aparecido ser necessária uma reforma 
					radical para isso. Portanto, o rito tradicional da santa 
					Missa possui toda potencialidade de uma participação 
					“consciente, ativa, com fruto espiritual e piedoso” como 
					exige o Concílio Vaticano II.  
					
					O termo de “participatio 
					actuosa”, participação ativa, é uma expressão do papa 
					Pio X que desejava a introdução do canto gregoriano no povo, 
					para que os fieis participassem mais ativamente na liturgia.
					 
					
					E Pio XI exigiu (1929) 
					que os fieis participassem não como estranhos ou 
					espectadores mudos nas cerimônias, mas, intimamente tocados 
					pelas cerimônias sagradas, cantassem alternadamente com o 
					celebrante ou o coral. 
					
					Também Pio XII, na sua 
					encíclica “Mediator Dei” (1947), expressou o desejo:
					“Todos os fieis se dêem conta que é 
					uma obrigação muito grande e uma grande honra para eles, de 
					participar no sacrifício eucarístico, não com o espírito 
					ocioso e indiferente que, divagando, segue a outras coisas, 
					mas participar interior e ativamente”. 
					
					A Congregação para os 
					Ritos, em 1958, precisou: “Tal 
					participação deve ser, em primeiro lugar, interior, quer 
					dizer: em atenção piedosa do espírito e elevação do coração, 
					unir-se estreitamente ao Sumo Sacerdote e, junto com Ele e 
					por Ele, oferecer o sacrifício, e oferecer-se a si mesmo”. 
					
					Tem-se mal 
					entendido a participação ativa como ativista, em
					atos exteriores e físicos, como cantar, fazer 
					leitura, levar as ofertas, dar as mãos etc. de um maior 
					numero possível de atores. 
					
					Na verdade, porém, a 
					participação ativa realiza-se ali, onde o fiel segue ao 
					acontecimento litúrgico interior e espiritualmente. Trata-se 
					de uma realização em que, o que se ouve (Oremus; Sursum
					corda) ou o que se vê (Ecce Agnus Dei), se 
					torna um ato interior. Portanto, a participatio actuosa 
					de que falavam os papas, significa a concentração 
					interior e piedosa na oração dos fieis, no sacrifício da 
					Missa. 
					
					A ação 
					propriamente, não é dos fieis, mas é o sacrifício de 
					Cristo renovado, no que os fieis hão de participar, 
					unindo-se - no espírito e na oração - na entrega a Deus. 
					
					O rito tradicional da 
					santa Missa restringe bastante a possibilidade de uma 
					atividade exterior dos fieis. Mas é justamente por isso que 
					se abre o caminho de uma participação tanto mais intensiva e 
					interior no acontecimento sagrado. Isto uma ação somente 
					externa iria fazer impossível. 
					
					A liturgia tradicional 
					nunca quis obrigar a participação interior dos fieis a uma 
					forma única, mas considera legitimas formas diferentes de 
					participação. O rigor das rubricas do rito acompanha uma 
					grande variedade de possibilidades de participação 
					individual, que não há necessidade de ser regulamentada, 
					mas basta ser respeitada. 
					
					Acompanhar 
					silenciosamente, simplesmente, estar contemplando, não quer 
					dizer que não se participe interiormente. Escutar com o 
					ouvido ou com o coração é igualmente ativo como falar. O 
					silêncio permite uma participação intensiva no mistério 
					celebrado. A realização silenciosa de muitos ritos exige 
					do fiel um esforço pessoal de aprender; pois, ouvir um 
					texto, exteriormente, sugere ter entendido o seu 
					significado, mas não é bem assim. Na ação silenciosa dos 
					ritos, a participação dos fieis no acontecimento litúrgico 
					depende muito mais do interesse pessoal e espiritual 
					deles com que se unem, espiritualmente, com a ação sagrada. 
					  
					
					b) Contemplação 
					terrestre
					  
					
					A todo o ativismo e 
					pragmatismo do homem moderno (que pensa ser necessário que, 
					pela sua ação, transforme o mundo – 
					e que também deve ser modelada a liturgia –), a liturgia 
					clássica opõe a maneira contemplativa de encontro com a 
					realidade. É apropriado ao homem de encontrar na 
					contemplação do Sumo Bem e do Belo a sua plena realização. A 
					contemplação terrestre, que na criação vê um reflexo do 
					esplendor do próprio Criador, é a forma máxima de felicidade 
					possível, aqui na terra. É como diz São Tomás de Aquino:
					“A felicidade imperfeita, como pode 
					ser possuída aqui, consiste, em primeiro lugar e, sobretudo, 
					na contemplação”. Condição indispensável para 
					isso é o amor, enquanto fica 
					feliz quem vê o que ama. Contemplação é ver o que se ama. 
					
					Com a sua 
					transparência pelo mistério de Deus, o rito tradicional da 
					Missa exige a contemplação terrestre como forma adequada de 
					participação. 
					
					Na Missa tradicional 
					temos a união perfeita de conteúdo e forma, de um sinal 
					sagrado sensível e de uma idéia que consiste na presença 
					real do Filho de Deus, que aqui se oferece ao Pai como Sumo 
					e Eterno Sacerdote e Cordeiro de Deus. 
					
					Todas as ações, 
					gestos e posições, o incenso, as numerosas genuflexões e 
					inclinações, o cuidado e a reverência para evitar que se 
					perca mesmo uma só partícula mínima, o compassado canto 
					gregoriano, tudo aqui tem o sentido de se aproximar 
					delicadamente ao mistério incompreensível, e de tornar 
					visível a Sua presença. De tal apresentação singular diante 
					da face de Deus que aqui se torna presente, resulta, por si 
					mesmo, que a participação adequada é a contemplação 
					adoradora e silenciosa. “Todos os 
					elementos da liturgia pretendem que a nossa alma, pelo 
					mistério da Cruz, forme nela a imagem do divino Salvador, 
					segundo a palavra do Apóstolo: “Fui crucificado junto com 
					Cristo. Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em 
					mim” 
					(Gal 2,19s). 
					Destarte tornamo-nos como que um sacrifício em Cristo para a 
					maior honra do Pai eterno” (Mediator 
					Dei). 
					
					A redução das 
					possibilidades de poder fazer coisas exteriores produz a 
					concentração interior na ação fundamental que é a renovação 
					sacramental da ação sacrifical de Cristo, na qual os 
					fieis hão de participar intensivamente. 
					
					Da participação comum 
					dos muitos no único sacrifício de Cristo, surge aquela 
					comunhão profunda dos fieis entre si, que não se deve 
					desejar puramente como um sentimento, nem se deve querer 
					produzir com dinâmica de grupo. É a direção teocêntrica, 
					para Deus, enfatizada no rito tradicional, que cria uma 
					única direção do olhar de todos e assim cria a sua união 
					interior entre os fieis. 
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